Segurança jurídica no licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos


O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, no último dia 08 de maio, procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7319, declarando a inconstitucionalidade da Lei n. 11.865 de 2022 do Estado de Mato Grosso que proibiu a construção de Usinas Hidrelétricas (UHE) e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) em toda a extensão do rio Cuiabá.

Decisão acertada – Uma vez que cabe unicamente à União legislar sobre águas e energia (artigo 22, inciso IV, da Constituição Federal) e por se tratar de um rio de domínio federal e gerido pela Agência Nacional de Águas (ANA), a outorga é de competência do Poder Executivo Federal.

Passados alguns dias, em 16 de maio, os técnicos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) indeferiram o pedido de licença ambiental prévia (LP) para a implantação de um Complexo Hidrelétrico de 6 (seis) PCHs no mesmo rio.

Entre uma semana e outra diversos apelos de pesquisadores e ambientalistas contra os empreendimentos hidrelétricos na região foram veiculados na mídia.

Nesse cenário, o que nos chamou atenção é que a equipe multidisciplinar – comissão constituída para analisar o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) – reconhecidamente o estudo mais abrangente e complexo previsto na legislação ambiental – foi designada oficialmente no dia 10/03/2023, por meio da Portaria n. 26/2023/GSALARH, publicada no Diário Oficial do Estado n. 28.496.

A portaria previa um prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias para os técnicos emitirem Parecer Técnico (PT) referente aos estudos. Conforme o site da SEMA/MT, aparentemente o parecer (PT n. 168010/CLEIA/SUIMIS/2023) foi emitido muito antes disso. No dia 16/05/2023, ou seja, apenas seis dias após a designação da comissão técnica, a equipe solicitou a publicação do indeferimento e o encaminhamento do processo para arquivamento definitivo.

Não nos cabe aqui questionar a capacidade técnica da equipe incubida desse árduo trabalho, mas sim o que está por trás de tudo isso. A análise de um estudo tão complexo como EIA/Rima não é factível em tão pouco tempo.

As PCHs são empreendimentos hidrelétricos de pequeno e médio porte. Produzem energia limpa e renovável. São atividades potencialmente poluidoras e por isso são submetidas ao devido licenciamento ambiental que é o mais importante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. O licenciamento é um processo administrativo que visa identificar, impedir, mitigar ou compensar os impactos ambientais negativos e potencializar os positivos. É o instrumento fundamental de proteção prévia do meio ambiente.

Nesse caso, o Complexo Hidrelétrico foi submetido ao rito do EIA/Rima, que como dito, é o mais abrangente e complexo que existe em nossa legislação ambiental. Neste estudo, faz-se coletas de dados primários (trabalhos de campo sazonais), inventários, cadastros socioeconômicos etc.  Ainda, avalia-se os impactos ambientais, positivos e negativos, como um todo, de forma sinérgica e cumulativa, considerando as características socioambientais da localidade em que será instalado e operado. E para todos eles, o empreendedor deve prever as tais medidas de controle, mitigadoras e compensatórias. Além disso, é realizada audiência(s) pública(s) para dar conhecimento dos impactos do empreendimento à população e oportunizá-la a participar desse processo.

No caso específico dos empreendimentos hidrelétricos de fato o impacto mais expressivo é no meio biótico, mais precisamente no que se refere à ictiofauna. E isso é de conhecimento e preocupação de todos. Tanto é que são inúmeros programas ambientais voltados ao monitoramento, à preservação e conservação de espécies. Inclusive, isso muitas vezes só ocorre em razão da existência desses projetos. Sem falar no aumento do número de espécies de peixes, que oportuniza a pesca e a geração de renda.  Contudo, esses impactos positivos, como muitos outros, são raramente ressaltados.

Além da energia limpa e renovável, os empreendimentos hidrelétricos exercem um importante papel socioambiental. Aumentam significativamente as matas ciliares ao redor das áreas de preservação permanente constituídas (3,5 vezes mais), preservam as nascentes, possibilitam a retirada dos lixos dos rios, melhorando a qualidade da água para a população, geram emprego e renda, aumentam o índice de desenvolvimento da humano, geram baixa emissão de carbono, entre outros ganhos.

A participação popular é um dos principais princípios que regem o licenciamento ambiental. Ela é necessária, salutar e deve ocorrer. O que não se pode esquecer é que os estudos ambientais são feitos por profissionais capacitados, conhecedores de suas respectivas áreas e a análise desses estudos de igual forma é feita por profissionais técnicos de mesma envergadura. Por isso, a decisão da viabilidade ambiental de qualquer projeto deve ser feita com cautela, pautada única e exclusivamente no olhar técnico desses profissionais, considerando todas as preocupação, e não de forma ideológica. 

O diálogo entre equipes técnicas deve sempre ocorrer. É a partir do conjunto de conhecimentos técnicos que se viabiliza as melhores soluções tanto para sociedde como para o meio ambiente. Portanto, os empreendedores e suas equipes devem ter segurança jurídica para desenvolver seus projetos, da mesma forma em que a equipe técnica do órgão ambiental deve haver segurança jurídica para tomar suas decisões baseada unicamente em seu conhecimento técnico e científico, sem que haja qualquer prejuízo ou penalidade a qualquer parte.

Alessandra Torres é Presidente da Associação Brasileira de PCHs e CGHs (ABRAPCH) .

Gleyse Gulin é Diretora de Assuntos Ambientais da Associação Brasileira de PCHs e CGHs (ABRAPCH).

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