Por que a ABRAPCH defende a realização de Conferências Nacionais de Energia Elétrica?

Foi um ano de muito trabalho. Já completamos três encontros regionais, com mais de 500 empresários da cadeia produtiva em Curitiba, Belo Horizonte e em Florianópolis. Dia 23 teremos completado mais encontro, o seminário nacional, na Câmara dos Deputados. Somos já 85 associados, de toda a cadeia produtiva, da academia e de organiza&ccediccedil;ões sociais.

Já nos reunimos praticamente com todas as autoridades do setor, exceto com a EPE, que ainda não atendeu nossa solicitação, formulada há quase seis meses.

E temos mais trabalho essa semana, em vez de festa, porque no momento em que a nossa associação setorial completa seu primeiro ano de fundação, três eventos importantes são realizados.

No dia 16, tivemos a primeira reunião de uma associação setorial de PCHs com toda a diretoria da ANEEL para resolver os entraves à aprovação de 7.000 MW de projetos.

Na próxima quarta-feira, dia 23, o Congresso Nacional verá acontecer um Seminário Nacional sobre as chamadas “pequenas centrais hidrelétricas”. Enquanto na quinta, dia 24, a ANEEL promove um fórum de debates para estudar em detalhe, medidas para destravar a análise de 669 projetos paralisados na agência.

Para nós, foi um ano de muito trabalho junto ao executivo e ao legislativo, com a ajuda da frente parlamentar que foi formada para defender as PCHs e a microgeração, essa fonte de energia limpa, barata e renovável, que ajuda a conservar o meio ambiente ao invés de degradá-lo.

O papel do Congresso Nacional na Questão da Energia Elétrica

Uma discussão como essa, de dia inteiro com os senadores e deputados, nunca existiu antes, talvez por que, no geral os empreendedores sejam esquivos com relação ao parlamento, preferindo atuar apenas junto ao Poder Executivo.

Talvez seja essa mais uma “herança cultural” dos governos de exceção, quando tudo era “assunto de segurança nacional” e não havia tantos empreendedores querendo investir no setor elétrico, mas apenas grandes empreiteiros, querendo participar de obras públicas.

É normal assim que para muitos parlamentares, as “pequenas hidrelétricas” sejam assunto “pequeno”, de menor importância na ordem do dia, pois não conhecem os números e os dados para mostrar a importância do que se está falando.

Poucos parlamentares sabem, por exemplo, que temos mais de 65% de uma nova Itaipu, espalhada em 900 projetos, já projetada, boa parte licenciada, pronta para ser construída com recursos totalmente privados, empregando um exercito de mais de 300.000 trabalhadores, espalhados por todos os 27 estados da federação.
Poucos parlamentares sabem ainda que junto com cada um desses projetos está sendo elaborado e implantado um projeto de desenvolvimento microrregional de piscicultura, irrigação, aquicultura, saneamento, educação ambiental, monitoramento da qualidade da água.

Poucos deputados e senadores sabem que se já tivéssemos começado a construir essas usinas de baixo impacto ambiental há oito anos, ( quando seus projetos começaram a acumular-se sem ser analisados nas prateleiras da ANEEL ), talvez o Brasil não estivesse atravessando essa crise de abastecimento e preços da energia.Nem essa absurda e desnecessária dependência por mais e mais termoelétricas movidas a petróleo.

Pouca gente sabe que, se essas PCHs travadas na ANEEL estivessem já operando, em vez de termos torrado 32 bilhões de reais em combustíveis importados, para as térmicas queimarem e triplicar as emissões de gases de efeito estufa e particulados teríamos injetado na economia nada menos do que 43 bilhões de reais de recursos privados, com o bônus adicional de estarmos protegendo as margens de nossos rios.

Graças à desinformação geral sobre esse assunto “pequeno”, pouca gente sabe que os reservatórios das PCHS alagam em média menos de quinze campos de futebol e ajudam a enfrentar enchentes, secas e erosão das margens, criando áreas de preservação permanente, recompondo a mata e a fauna original de cada região, além de promover estudos e realizar a educação ambiental e patrimonial com base nos estudos ambientais que realizam seus empreendedores.

Pouca gente sabe que, devido ao seu menor montante de investimentos, em todo o Brasil empresários de todos os portes e de outros setores poderiam já ter investido mais de 80 bilhões em PCHs, trazendo recursos de outras áreas para o setor elétrico, retirando nossa dependência para com poucos e conhecidos grupos, democratizando as oportunidades de investimento.

No seminário, esperamos romper essa barreira entre o Parlamento e os empresários de toda a cadeia produtiva do setor, que infelizmente, está sendo sufocada e destruída há pelo menos cinco anos, por ações e omissões, por burocracia excessiva, má vontade, desprezo à opinião dos empreendedores e da sociedade organizada, por ideias pré-concebidas.

Ao Congresso Nacional cabe definir as grandes políticas públicas de energia e não apenas investigar e fiscalizar quando as políticas traçadas isoladamente pelo executivo fracassam de forma flagrante, como aconteceu em 2001 com o apagão e agora com o desnecessário aumento de nossa dependência de termelétricas.

A saudável disposição da nova diretoria da ANEEL

O segundo motivo de nosso otimismo foi reunião mantida pela nossa diretoria com a diretoria colegiada da ANEEL na quarta-feira dia 16 de abril, pois esta foi uma grata surpresa, quase um presente, que ganhamos no dia exato em que nossa associação completava um ano de sua fundação.

Ao invés de ouvidos moucos e intransigência, encontramos compreensão. Ao invés de indiferença e desconfiança, alguém havia trazido disposição de ajudar, de abrir a ANEEL para adotar as sugestões dos agentes e da sociedade para fazer funcionar os projetos parados e sem contrato.

Foi surpresos dessa forma que ouvimos do novo diretor, professor Reive de Barros, a promessa de que a agência deixará de ser obstáculo e passará a ser parceira dos empreendedores para analisar e tornar realidade, os mais de 7.139 MW em 669 projetos de PCHs, alguns parados há mais de oito anos. E convidando-nos para participar do Forum de Debates sobre esse assunto, no próximo dia 24, um dia após o nosso seminário na Câmara.

Mudança de paradigma: passo fundamental.

Informamos aos diretores da ANEEL que iremos ajudar no que fosse possível. E que o primeiro passo seria conseguir fazer cumprir a decisão da diretoria colegiada tomada em 24.09.13 de acabar com a exigência irregular de licenciamento ambiental antes do transcurso da análise dos projetos. Explicamos que pedimos isso, novamente, porque a SGH, até agora, persiste no erro e desobedece a essa orientação, alegando uma “autonomia” que efetivamente não encontra respaldo do regimento da ANEEL.

Lembramos também aos diretores da agência quanto ao destino dos outros 2.254 MW em 172 projetos que não podem ser construídos devido aos preços inexequíveis fixados pela EPE nos leilões. Pedimos que eles mereçam também a atenção da agencia, já que sua situação não é “um problema da EPE”, como pensam alguns, mas de todos os brasileiros, principalmente da ANEEL, encarregada do aproveitamento ótimo do potencial hidrelétrico.

Nesse sentido, dissemos aos diretores que, se a ANEEL é quem homologa os preços da energia para os consumidores finais, bem como para os serviços de transmissão, para o valor do VR e tantos outros valores, por que razão, a agência reguladora não teria nada a opinar, a estudar e a determinar, quanto à fixação dos preços-teto dos leilões de energia que abastecem o mercado? Ainda mais se os preços estiverem tão baixos que não remuneram o capital investido e afugentam os investidores da concorrência dos leilões.

Afinal aquele é um preço-teto e não um preço final, que será decidido no certame concorrencial. Porque a ANEEL estaria “proibida” de participar da sua definição se, quando as coisas apertam e a sociedade cobra explicações sobre o preço final da energia, é a ANEEL que tem que responder, como no episódio das tarifas da CEMIG?
Onde está escrito que a ANEEL não tem nada a ver com um desequilíbrio óbvio e terrível como o atual, quando graças aos preços inexequíveis fixados pela EPE, as PCHs foram alijadas da concorrência, pois conseguiram vender apenas 1% de toda energia enquanto as termelétricas a derivados de petróleo emplacaram nada menos do que 38,5 % deste total ?

Por que a ANEEL não deveria estudar esse assunto e participar da definição dos preços teto se o aumento de R$112,00 para R$144,00/MWh no preço teto de novembro e dezembro últimos já levaram a resultados que representaram a venda, em apenas dois meses, de 50% de toda a energia vendida pelas PCHs em oito anos, provando que os preços eram inexequíveis e por isso não haviam empresários dispostos a ofertar os potenciais dos quais são autorizados?

Precisamos entender que a EPE, segundo a lei que a criou, é apenas uma grande empresa estatal de consultoria, que trabalha para um único cliente, o ministério de minas e energia. E que este deve definir as grandes políticas e não preços conjunturais em leilões.

Já a ANEEL é a agência reguladora, é a responsável pela regulação e fiscalização, principalmente dos preços e das tarifas e deve revisar sempre aquilo que a consultora EPE aconselha para o governo. É obrigação legal da ANEEL a missão de proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade.

E nada está equilibrado nos leilões, se após oito anos, de seu funcionamento seguindo essas regras sugeridas pela EPE o resultado foi que só um por cento da energia comprada veio das PCHs enquanto quase quarenta por cento veio das térmicas…

É evidente que esse resultado não está nada equilibrado e a ANEEL precisa intervir nesse processo, como interviu modificando o cálculo da sobra de energia do sistema (o PLD) para que considerasse o preço das térmicas em seu resultado.

Ainda mais agora, quando o resultado final para a sociedade será pagar a conta dessas usinas movidas a petróleo e os aumentos de tarifas estão chegando aos 14% em 2014 e deverão atingir mais ainda em 2015 e 2016.

Conferências Nacionais de Energia Elétrica: a participação da sociedade é fundamental.

O nosso otimismo com a ANEEL e com o congresso nacional não pode significar que seremos confundidos pela ingenuidade gratuita, pois sabemos que a vontade dos homens é uma e a vontade das corporações é outra.

Uma vez ouvi de um amigo na COPEL: “Se você vai passando e vê uma tartaruga em cima de um galho de árvore, melhor fingir que não viu. Tartaruga não sobe em árvore e se essa está lá, é porque alguém importante a colocou lá”.

Mas aqui são bilhões de reais em jogo e estamos falando de um ambiente concorrencial, onde decisões tomadas por seres humanos é que decidem o futuro dos agentes e da sociedade.

Energia cara é prejuízo para todos, principalmente para a competitividade do país, que perde em produtividade, em menos empregos e menos crescimento. E é por coisas assim que estamos perdendo mercado para a China, a Índia, a Argentina e a Rússia.

Não podemos mais fingir que não vemos as coisas acontecendo diante dos nossos olhos, com fábricas, construtoras e consultorias desaparecendo, mudando de ramo, perdendo anos e anos de investimento no ramo de hidrelétricas de baixo impacto ambiental.

Não é mais possível que, calados, admitamos sem lutar, sem reclamar, como o “bom cabrito” que não berra, que simplesmente perdemos um bilhão de reais elaborando bons projetos, adquirindo terras, realizando estudos ambientais, para nada.

E o que é pior: para ver o preço da energia no Brasil subir como nunca, por causa de termelétricas que na verdade não seriam tão necessárias se algumas tartarugas não tivessem adquirido asas em nosso país.

É verdade que nos comprometemos a ajudar a ANEEL a resolver esses assuntos juntos, mas não podemos ser ingênuos: sem a participação da sociedade, nada nunca mudou em lugar nenhum. Muito menos no Brasil, onde somos acomodados e cordatos por natureza.

Sem os maiores interessados, que no fim pagam a conta, qualquer estudo ou discussão mesmo sendo séria, não se traduzirá em realidade.

Por isso, nesse seminário na Câmara, estaremos apresentando nossa proposta para que o ministério de minas e energia, a exemplo de todos os seus congêneres no governo federal, convoque para o fim de 2014, a Primeira Conferencia Nacional de Energia Elétrica, como já em 1941 fez o ministério da saúde. Ou então, que o Congresso o faça, em forma de decreto legislativo.

Assim, a cada dois anos, a sociedade brasileira, através de conferências municipais de energia elétrica irá discutir os problemas do setor, analisar e propor soluções que compatibilizem o interesse da sociedade em promover a geração de energia renovável e proteger o meio ambiente.

Essas conferências municipais elegeriam teses e delegados para as conferencias estaduais e essas fariam o mesmo com relação às conferencias nacionais, democratizando as discussões, levando informação essencial para qualificar o debate, acabando com o ambiente anti-democrático da “caixa-preta”, que lembra os tempos escuros da repressão política e do “mandonismo” provincial, dos favores por trás dos panos, do tratamento desigual, favorecendo a corrupção.

O congresso nacional precisa cada vez mais se debruçar sobre esse tema da energia elétrica, sem o qual nenhuma sociedade pode ser hoje em dia, digna, justa e equilibrada, pois tudo cessa tudo acaba e o caos começa, quando a energia elétrica falta.

O próximo ano será de novos desafios, mas estamos prontos para eles, pois como diz o diretor professor Reive de Barros da ANEEL, bons desafios alimentam a alma do ser humano, fazendo-a sempre jovem, saudável e atual.

(*Ivo Pugnaloni é engenheiro eletricista, foi diretor da COPEL, é presidente da ABRAPCH e do Grupo ENERCONS – ivo@abrapch.org.br  www.abrapch.org.br

No comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *