Energia limpa é ‘pulo do gato’ da redução de carbono da indústria


Empresas intensivas em carbono investem em energia renovável para gerar menos poluição, se adequar a novas legislações que podem vir e se diferenciar no mercado internacional

Empresas intensivas em carbono têm adotado a mudança de suas fontes de energia – elétrica e térmica – para fontes renováveis – com um olhar estratégico triplo. Ao mesmo tempo em que atendem às pressões cada vez maiores da sociedade, investidores e outros stakeholders, se antecipam a novas legislações que podem vir e conseguem se diferenciar no mercado internacional.

Ter uma matriz energética 48% vinda de fontes renováveis — como carvão vegetal, hidráulica, derivados de cana, eólica e solar —, enquanto a média global é de 15%, é uma vantagem para a indústria brasileira, especialmente a eletrointensiva, como de cimento, aço e químicos, que pode se diferenciar perante seus pares internacionais na jornada de descarbonização.

Para Carlos Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil, empresas que estão investindo em fazer melhor gestão de insumos e principalmente descarbonizando portfólio de produtos e serviços poderão ter um diferencial competitivo importante lá na frente. “Temos alguns dos produtos menos poluentes do mundo”, diz.

Ele lembra que, em um momento em que a União Europeia já anunciou restrições para entrada de produtos intensivos em carbono na região (o chamado CBAM, mecanismo de taxação de carbono aduaneiro), o potencial do Brasil é grande. Sem contar as próprias discussões sobre o mercado nacional de carbono regulado, que pode trazer restrições às indústrias. “O Brasil tem condições de oferecer os produtos com menor pegada de carbono no mundo, e com qualidade e preço. É um diferencial competitivo, apesar de muitas pessoas não enxergarem por esse ângulo a exigência da União Europeia com o CBAM ”, aponta.

O aço vendido pela Gerdau, por exemplo, emite 0,89 tonelada de gás carbônico equivalente (tCO2e) por tonelada de produto. A média global é de 1,91 tCO2e por tonelada de aço. No caso do cimento da Votorantim Cimentos, são 579 quilos de CO2e, bem abaixo dos 633 kg CO2/t de cimento) na média global. Outra empresa do grupo Votorantim, a produtora de alumínio CBA, conseguiu chegar a uma emissão cinco vezes menor na etapa eletrointensiva (a mais poluente): emite 2,56 tCO2e para cada tonelada de alumínio líquido produzida, ante 12,8 tCO2e da prática internacional.

Para chegar a esses números, a principal estratégia das indústrias intensivas em carbono é eficiência energética combinada com troca de combustível fóssil por fontes menos poluentes. A Gerdau investiu em 2022 R$ 640 milhões em uma série de ações para melhorar sua eficiência energética nas fábricas e aumentar o volume de ativos florestais usados como biomassa nos fornos, entre outros. A meta é chegar até 2031 com 0,83 tCO2e por tonelada de aço. A siderurgia responde, sozinha, por cerca de 6,5% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) em nível mundial.

“Construímos curvas marginais de abatimento de carbono nas operações, que serve como um mapa para nos direcionar às iniciativas que reduzem prazos de efeito estufa curta médio e longo pratos e dizer qual o retorno delas – de impacto ambiental e financeiro”, diz Cenira Nunes, gerente-geral de Meio Ambiente da Gerdau.

A executiva explica que a empresa também aposta em aumentar a proporção de aço reciclado no portfólio. Hoje, 71% do aço produzido pela empresa vem da sucata ferrosa — no mundo, a média é de 30%. “Somos a maior recicladora do produto na América Latina, com 11 milhões de toneladas de sucata usadas anualmente. Isso é significativo porque 1 tonelada de sucata reciclada evita emissão de 1,5 tonelada de CO2 na rota tradicional de produção”, explica a executiva.

Dos 29% de produção a partir de matéria-prima ‘virgem’, 5 pontos percentuais já são transformados com uso de carvão vegetal de plantações próprias de eucalipto da Gerdau. O uso do “biocoke” na fábrica de Ouro Branco (MG) lhe rendeu, inclusive, um prêmio

internacional de inovação em 2021 da World Steel Association. Só em 2021 foram 21 mil toneladas de biomassa incorporadas na produção do coque, suficiente para evitar a emissão de 57 mil tCO2e. O maior desafio agora, diz Nunes, está nos 24% restantes.

“Estamos estudando outros resíduos do agro para produção de coque, como café, bagaço de cana e milho”, conta. Mas há obstáculos menos controláveis, como a falta de aço para ser reciclado e tecnologias que possibilitem maior uso de alternativas de energias e captura e armazenamento de carbono.

A Votorantim Cimentos (VC) começou sua jornada de substituição de fontes de coque de petróleo em 1991. Só o processo de transformação de minerais naturais em clínquer, a base do cimento, é responsável por cerca de dois terços da geração de CO2 de uma fábrica do tipo. “Fazemos todo o possível para utilizar outros materiais para aportar energia. Usamos casca de arroz e resto da produção da colheita do algodão no Sul no Brasil, resíduos urbanos e pneus em São Paulo, e até caroço de açaí no Pará”, diz Álvaro Lorenz, diretor global de Sustentabilidade e Relações Institucionais da empresa.

O caroço do açaí já é 62% do combustível usado na conversão para clínquer na planta de Primavera (PA). Isso significa 109 milhões de quilos de combustível fóssil por ano substituídos. O “lixo” sólido urbano é outra frente de geração de energia. O plano da VC é investir R$ 977 milhões nos próximos cinco anos para ampliar globalmente a capacidade de gerenciamento de resíduos das fábricas. No Brasil, 31,3% do combustível vêm de 1,3 milhão de tonelada de biomassas e resíduos. O objetivo é atingir 53% de substituição térmica até 2030 – em 2022, o índice ficou em 26,5% na média de suas 29 operações. Desde 2019, a divisão que cuida de coprocessamento de resíduos, a Verdera, já atua como um negócio independente, inclusive com outros clientes.

Sozinho, o cimento emite 8% do CO2e no mundo. Outra indústria também bastante poluente e quem vem sendo pressionada a mudar é a química, com 7% das emissões de GEE. Por isso, boa parte dos R$ 1,4 bilhão em investimentos previstos em ESG pela Unipar, fabricante de produtos químicos como cloro, soda cáustica e PVC, deve ir para energia. A empresa quer chegar a 60% de energia de fonte renovável até 2025 nas unidades no Brasil e na Argentina. A expectativa é reduzir em 30% as emissões de CO2 das operações até 2030.

A empresa conta com três parcerias que somam investimento de R$ 2 bilhões, sendo uma com a Atlas Energy, projeto de energia solar instalada em Pirapora (MG), e outras duas com a AES, que envolvem a construção de dois parques eólicos, em Tucano (BA) e em Cajuína (RN). Juntas, as joint-ventures produzem 485 megawatts (MW) por ano, sendo 149 MW de utilização da Unipar.

Além disso, investe na geração de hidrogênio verde que será usado como insumo na produção de ácido clorídrico em Santo André (SP). Na produção de ácido clorídrico, o cloro e do hidrogênio precisam ser queimados, o que geralmente é feito com combustíveis fósseis. A companhia estabeleceu na meta de ter 80% do ácido clorídrico fabricado a partir de hidrogênio verde. A estratégia é reduzir custos com compra de energia e ganhar competitividade no exterior.

O grande questionamento de alguns especialistas, porém, na estratégia de descarbonização pela troca de fontes de energia da indústria é que são raras as empresas que já consideram neste cálculo o escopo 3, ou seja, o quanto sua cadeia de fornecedores e clientes está gerando de emissões, com transporte, consumo e lixo, por exemplo.

Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/empresas/esg/noticia/2023/06/14/energia-limpa-e-pulo-do-gato-da-reducao-de-carbono-da-industria.ghtml

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