A hidrelétrica é a melhor fonte de geração do mundo, defende Alessandra Torres, da ABRAPCH


O Brasil tem uma das matrizes elétricas mais renováveis do mundo, muito em função da geração hidrelétrica. Nesse cenário, as pequenas Centrais Hidrelétricas têm papel importante, como explica Alessandra Torres, presidente da Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs).

“Defendo esse setor com a convicção de que a geração hidrelétrica é a melhor fonte de geração do mundo por todos os benefícios e atributos que possui”, defende Alessandra. Como comparativo, ela cita que muitos países esgotaram seu potencial hídrico para depois partir para outras fontes de geração de energia. “A Alemanha, por exemplo, tem 7 mil usinas hidrelétricas de todos os portes. A China tem 23 mil. Aqui no Brasil, temos em torno de 1,5 mil e o barulho e a desinformação são imensos. Enfim, temos de lutar muito para devolver às hidrelétricas o seu espaço por merecimento”, diz a especialista. Acompanhe os principais trechos da entrevista.

Qual é o papel das PCHs na transição energética?
As hidrelétricas são patrimônio do povo brasileiro, pois são a fonte com a menor pegada de carbono, segundo o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). Portanto, elas são fundamentais para ajudar na transição energética. Hoje, o “mantra” do Setor Elétrico é: modicidade tarifária, segurança energética e pegada de carbono reduzida. E a hidroeletricidade é a fonte renovável que se encaixa perfeitamente nesse mantra.

A estabilidade da matriz elétrica passa pela expansão da fonte hídrica. Na visão da ABRAPCH, se faz importantíssima a reinserção de novas hidrelétricas e novos reservatórios, na mesma medida da inserção das outras renováveis intermitentes como eólicas e solares, para que as hidrelétricas continuem sendo o backup, a bateria natural do sistema. Isso pode colocar o Brasil como protagonista em termos de oportunidades no mundo todo, visto a possibilidade de oferecer produtos mais baratos com preços competitivos.

Como a geração hidrelétrica tem contribuído para a geração de energia no Brasil?
Nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil tinha uma matriz composta 85% por hidrelétricas e a tarifa era a mais barata do mundo. Hoje, temos uma matriz quase 85% renovável e a terceira tarifa mais cara do mundo. A diminuição gradativa das hidrelétricas nos últimos 20 anos, com inserção maciça de outras fontes, portanto, se mostrou como um equívoco no planejamento e nas decisões governamentais. A capacidade instalada das hidrelétricas no Brasil, hoje, no share de geração de energia elétrica, é de 53,82%.

A crise hídrica de 2021 não foi apenas de falta de água. Foi falta de caixa d’água. Afinal, escassez é algo perfeitamente previsível e, se há previsão, o sábio a ser feito é reserva. Em tempos de mudanças climáticas, temos de fazer reserva para todos os usos, inclusive para gerar energia firme, barata e renovável.

As PCHs e CGHs, com seus pequenos reservatórios, podem contribuir muito. Digo que elas não são “a solução” para os problemas que temos hoje no setor elétrico, mas fazem parte dessa solução.

Qual é a participação das PCHs e a sua importância para o mercado livre de energia?
Infelizmente o mercado livre como está hoje e nos últimos anos, não viabiliza PCHs. O MLE viabiliza as outras renováveis porque o preço delas é parcial, não contabilizando os linhões para escoar a energia por elas produzida. O mercado livre de energia é subsidiado pelo mercado cativo/regulado e pelas hidrelétricas. Uma distorção que precisa de correção urgente.

As tarifas são inadequadas para as PCHs e CGHs. Não levam em consideração a correta valoração de seus atributos e, hoje, elas pagam cerca de 30% mais imposto do que as outras renováveis. Para que haja isonomia, isso precisa ser corrigido.

Como é a distribuição geográfica e o potencial de construção de PCHs no Brasil?
Temos PCHs e CGHs inventariadas pelo país todo que poderiam se viabilizar. Estou falando de aproximadamente 14 GW de projetos, o equivalente a uma Itaipu, com a possibilidade de gerar 1 milhão de empregos e mais de 130 bilhões em investimentos. A maioria desses projetos está concentrada no Centro Oeste, Sul e Sudeste e, portanto, fora da Amazônia.

Temos toda a expertise, indústria 100% nacional e mais de 2 mil empresas de toda a cadeia produtiva gerando empregos e renda no Brasil. Podemos contribuir e avançar juntos no movimento de um país competitivo e na pauta da reindustrialização, gerando energia firme renovável.

Uma questão das PCHs tem sido o licenciamento ambiental, o que torna os prazos complexos. Poderia nos dar um balanço sobre como anda esse processo de licenciamento em geral, e o que foi otimizado nos últimos tempos?
O licenciamento ambiental é sim um grande gargalo que temos. Nos últimos 20 anos, vivemos um processo de “demonização” ambiental de hidrelétricas e seus reservatórios no Brasil. Construir reservatório não é impactar. É criar disponibilidade hídrica! É promover segurança hídrica, energética, segurança alimentar, etc. Em tempos de mudanças climáticas e possíveis momentos de escassez, é preciso fazer reserva de água não só para gerar energia, mas para todos os usos.

Temos processos aguardando licença ambiental há 20, 15, 10 anos. É um absurdo! Ainda mais porque fontes poluentes conseguem licença ambiental em meses. O processo de licenciamento ambiental tinha tudo para ser mais célere, mas ainda se esperam anos mesmo com tantos estudos que os empreendedores disponibilizam. Poucos órgãos ambientais, como o do Paraná, têm procurado agilizar licenças de PCHs e CGHs. Enfim, uma fonte com tantos benefícios, inclusive ambientais, que tem mitigado muito bem seus impactos, não consegue avançar na agenda.

Como a sociedade avalia essas questões?
A sociedade desconhece os benefícios da fonte, especialmente os empreendimentos de baixo impacto ambiental. Tem muitos projetos que são ambientalmente sustentáveis, essenciais ao nosso sistema. Entre os benefícios, destaco:

PCHs e CGHs são aliadas do Meio Ambiente, causam baixo impacto ambiental em parte reversível, pois a vegetação se recompõe ao longo do tempo. Segundo o órgão ambiental do Paraná, as usinas estão reflorestando três vezes mais vegetação do que aquilo que suprimiram para fazer a obra.
Os reservatórios de água doce têm alto valor agregado. O empreendedor cuida para que não junte lixo nas margens, para que não haja ocupação irregular nem depredação ambiental, e ainda cuida das nascentes, pois tudo está ligado aos ativos dele.
Retiram, em muitos casos, toneladas de lixo de suas grades e dão a destinação correta, ajudando na saúde dos rios, prestando grande serviço à sociedade e não são remunerados por isso.
Seus pequenos reservatórios aumentam a disponibilidade hídrica, valorizam o entorno, melhoram o microclima, favorecem o uso múltiplo do turismo e fomentam a piscicultura, gerando renda e emprego.
Regularizam a vazão dos rios, ajudando na diminuição do impacto de chuvas volumosas.
Geram energia firme na base do sistema, não são intermitentes e têm sazonalidades, uma bacia hidrográfica cobre a outra em tempo de estiagem;
É a maior vida útil do setor elétrico. Temos PCHs gerando há mais de 120 anos
Única fonte renovável que reverte seus bens para a União, podendo ser relicitada após o vencimento da concessão de 35 anos.
Não tiveram isenções IPI, ICMS e Imposto de Importação.
Gera 100% dos seus empregos no Brasil.
Não gera dependência de tecnologia importada.
O Brasil é exportador de equipamentos e de tecnologia de ponta para usinas de importância mundial, como Três Gargantas, na China.
Estudos da Aneel apontam melhora do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios onde as PCHs são implantadas, saindo do índice médio baixo/muito baixo para muito bom ou ótimo após a implantação.
Grande parte das PCHs inventariadas pela Aneel está fora da Amazônia, concentradas no Centro Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, perto dos centros de consumo e com linhas de transmissão menores.
PCHs contribuem com serviços ancilares, trazem estabilidade às redes de transmissão, têm flexibilidade, despachabilidade, trazem segurança energética e podem gerar no horário de pico. Devido aos seus pequenos reservatórios, podem gerar energia no momento em que for necessário.
Promovem segurança hídrica e energética.
Outra questão é a realização dos projetos executivos, o que acaba influenciando muito na aprovação. Como anda essa etapa e como se pode melhorar a produção dos projetos executivos?
Os projetos executivos têm melhorado muito em qualidade. A aprovação deles pela Aneel tem ido bem. O gargalo é conseguir licença ambiental para essa posterior aprovação e um financiamento ou contratação no mercado regulado para botar a usina de pé.

Qual é o cenário regulatório e de negócios para as PCHs e o que tem sido feito para evoluí-lo?
Recentemente, a Aneel mexeu na resolução de outorgas, procurando atualizar a regulação de usinas híbridas. A regulamentação da geração distribuída, onde as CGHs se encaixam, também foi recentemente feita. Agora, aguardamos a evolução do PL 414/2021 que tramita no Congresso Nacional, onde mudanças importantes podem ser feitas para reorganizar melhor o setor elétrico.

Quanto ao desenvolvimento de negócios, temos oferecido ao governo um Plano de Reinserção na Matriz de Pequenas Hidrelétricas Ambientalmente Sustentáveis. Trata-se de um plano de 7 GW dividido em duas etapas onde a primeira etapa se daria por meio de contratação em mercado regulado, leilão de capacidade ou armazenamento.

Para concluirmos, pode nos contar um pouco da sua carreira até a presidência da ABRAPCH?
Eu me formei em geografia no final de 1999. Meu primeiro emprego foi na Aneel. Entrei em 2000 e fiquei até 2007, trabalhando na área de Autorização de Geração. Aprendi muito sobre o setor elétrico nessa época. Em 2007, quando saí, montei uma empresa de consultoria regulatória no setor, que conduzo até hoje.

Em 2013, fui convidada a participar da fundação da ABRAPCH, na qual entrei como diretora institucional para defender o segmento. De 2016 a 2022, atuei como vice-presidente da ABRAPCH e, desde então, assumi a presidência, com mandato até 2024.

Por Além da Energia – Engie.
https://www.alemdaenergia.engie.com.br/entrevista-alessandra-torres-abrapch/

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