As mulheres representam apenas 32% da força de trabalho global de energia renovável, e somente 21% da força de trabalho eólica.

Uma pesquisa divulgada pela Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) mostrou que embora as mulheres representem quase metade da população mundial, a igualdade de gênero ainda é um grande desafio. O estudo apontou que as mulheres ainda são frequentemente ignoradas, desvalorizadas ou não remuneradas, limitando sua capacidade de serem participantes dinâmicos na economia e na sociedade. E no setor de energia, as mulheres estão significativamente subrepresentadas, representando menos de um quarto da força de trabalho total de energia e um terço do setor de energia renovável.

De acordo com a Irena, as mulheres representam apenas 32% da força de trabalho global de energia renovável, e somente 21% da força de trabalho eólica. E quando se trata de papéis em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM), esses números são ainda menores: 28% e 14%, respectivamente. A análise da IRENA também conclui que as mulheres são mais propensas a serem empregadas em cargos não-técnicos, administrativos e de relações públicas com salários mais baixos do que em cargos técnicos, gerenciais ou de formulação de políticas públicas.

“Embora isso demonstre que as mulheres têm maior presença no trabalho com fontes de energia renovável do que no setor de energia como um todo, e em petróleo e gás, confirma que elas permanecem sub-representadas, ou seja, as políticas públicas ainda são insipientes para o setor”, disse a diretora da H2energy e membro do conselho deliberativo da ABGD, Zilda Costa.

Políticas públicas precisam ajudar a aumentar a participação das mulheres na força de trabalho.

Zilda Costa, diretora da H2energy e membro do conselho deliberativo da ABGD

Zilda acredita que as políticas públicas precisam ajudar a aumentar a participação das mulheres na força de trabalho. “Porém, quando falamos de infraestrutura e energia, precisamos ter uma dimensão maior do debate com a diversidade de gênero e inclusão social”, ressaltou.

Ela ainda declarou que haverá oportunidade no setor de renováveis, no Brasil, bem como no mundo todo. “As mulheres precisam se preparar para ocupar uma parte destas vagas. A previsão da transição energética mundial publicada pela Irena prevê que o setor das energias renováveis pode empregar 43 milhões de pessoas até 2050. Cerca de 32% desta mão de obra será de mulheres. E o trabalho da Irena e da ILO verifica que se ganharão mais postos de trabalho através da transição energética do que se perderão. Os desafios globais para que as mulheres ocupem estas vagas, incluem, mas não se limitam, à busca por legislação de igualdade salarial, acesso a programas de educação e treinamento, inclusive cursos de nível superior, estágios e bolsas, e políticas públicas para acomodar as
responsabilidades de prestação de cuidados no lar que possa proporcionar um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, como, por exemplo, a licença maternidade”, explicou Zilda.

Já um estudo realizado pela FESA Executive Search apontou que o gênero masculino ainda corresponde à grande parte de executivos de alta gestão na área de energia. O estudo considerou empresas nos setores de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia, mapeando um total de 238 profissionais.

O levantamento da FESA mostra que apenas 19% dos cargos são exercidos por mulheres, sendo que apenas 6% atuam nas posições de negócios, como CEO ou líder das áreas de Operações, Manutenção, Novos Negócios ou Engenharia / Construção. Se forem consideradas posições de apoio ao negócio, como nas áreas Jurídico/Regulatório, RH, financeiro ou Comunicação, o número de mulheres chega a 13%.

Ainda de acordo com o estudo feito pela empresa, o segmento de distribuição é o mais inclusivo, com 31% de mulheres na gestão. Em seguida aparece a geração de energia, com 23%, enquanto os setores de transmissão e de comercialização apresentam apenas 13% e 12% de mulheres no C-level, respectivamente.

“Vivemos em um momento em que a presença da mulher no setor de energia ainda não é natural e, embora o preconceito de gênero seja mais sutil que antigamente, ele ainda se faz presente e faz com que as mulheres tenham que trabalhar muito mais que os homens para provar sua capacidade e conquistar seu espaço e respeito como profissional”, disse a head de renováveis e assuntos regulatórios da Thymos Energia, Mayra Guimarães.

Uma vez que a presença da mulher no setor de energia ainda é tímida, algumas mulheres podem não encontrar tantos exemplos para encorajá-las.

Mayra Guimarães, head de renováveis e assuntosregulatórios da Thymos Energia

Ela acredita que a falta de políticas de inclusão torna mais difícil o acesso das mulheres ao setor, mantendo ainda reduzida a participação feminina e sua representatividade. “Uma vez que a presença da mulher no setor de energia ainda é tímida, algumas mulheres podem não encontrar tantos exemplos para encorajá-las. As políticas de inclusão e diversidade de gênero foram e continuam sendo necessárias para que a sociedade se acostume a ver mulheres como líderes de projetos, no chão de fábrica/obra ou gerenciando grandes equipes – ocupando espaços e cargos reconhecidos como masculinos. Mas, não posso deixar de destacar que, na minha opinião, o mundo corporativo é um reflexo da sociedade em que vivemos. A sociedade ainda reserva à mulher espaços delimitados e setores relacionados a estereótipos como o cuidado e a educação. É necessário modificar esse pensamento, evitando estereótipos de gênero desde o núcleo familiar e a educação básica – como a clássica divisão de atividades ditas como adequadas para meninos e meninas”, ressaltou Mayra.

Já para a sócia-fundadora da Stima Energia, Daniela Fusco Alcaro, o setor de energia é diverso, emprega pessoas de diferentes competências, desde engenheiras que trabalham em usinas até mulheres que são responsáveis por acompanhar questões regulatórias. “Acredito que os desafios são diferentes conforme as posições distintas, mas, no geral, nosso desafio é desconstruir o machismo subliminar e mostrar que temos a mesma capacidade intelectual, mesmo conhecimento e igual
aptidão para liderança que os homens; e também que conseguimos conciliar a nossa vida pessoal e profissional de forma saudável”, explicou.

Acho que o caminho também é promover a troca de experiências entre mulheres líderes.

Daniela Fusco Alcaro,sócia-fundadora da Stima Energia

A executiva ainda destaca que para serem mais valorizadas, as mulheres, principalmente as mais experientes, ou seja, em cargos sêniores, devem ampliar o espaço de profissionais femininas nas organizações em que atuam e reforçar a importância delas nas companhias, acolhendo cada vez mais as questões estritamente femininas. “Por exemplo, na Stima Energia, deixo claro para as colaboradoras que ninguém deve se sentir mal por engravidar, pois é um momento maravilhoso e deve ser celebrado. Acho que o caminho também é promover a troca de experiências entre mulheres líderes, para que possam dividir com todas as profissionais do setor as suas conquistas, suas decisões ao longo da vida, suas escolhas para lidar com os desafios e as questões específicas femininas”, disse.

Segundo Daniela, as mulheres que tiverem profissões que envolvem conhecimento em novas tecnologias e geração de fontes renováveis saíram na frente nesse mercado. “O mundo está cada vez mais focado em reduzir emissão de carbono na atmosfera e reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Acredito que as profissionais que seguirem este caminho estarão se preparando para o futuro e para as melhores oportunidades”, ressaltou.

Maternidade e profissão

Uma pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Mulheres na Energia Solar (Mesol), Câmara de Indústria e Comércio Brasil-Alemanha do Rio de Janeiro (AHK Rio), Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH e o Ministério de Minas e Energia (MME) mostrou que é expressiva a quantidade de mulheres que deixam ou perdem o trabalho no Brasil quando se tornam mães. A maternidade é uma realidade para 36,7% das participantes da pesquisa, resultado que pode ter sido influenciado pelo fato de o estudo ter alcançado um público mais jovem, e pela tendência de aumento de idade das mulheres que se tornam mães no Brasil. A maioria das mães do setor têm entre 36 e 45 anos (46,7%) e até dois filhos (86%). É expressiva a quantidade de filhos/as com 3 a 7 anos
(32,6%), e com mais de 18 anos (30,4%). Ainda, mais da metade das mães afirmam terem enfrentado barreiras profissionais por serem ou para se tornarem mães.

“Como historicamente o mundo do trabalho sempre foi dominado por homens, é muito desafiador para a mulher no ambiente corporativo, mas atrelo muito mais ao fato de termos que conciliar as demais responsabilidades naturais que envolvem a nossa vida, como cuidar da casa, da educação e integridade dos filhos, auxiliar o marido e os cuidados com os pais, irmãos, sobrinhos etc., do que o fato de se ter ambientes dominados por homens”, disse a diretora da WIN Solar e coordenadora estadual da Absolar no Rio de Janeiro, Camila Nascimento.

Quanto aos homens, elessão nossos parceiros. Precisamossomar forças e não militar contra eles.

Camila Nascimento, diretora da WIN Solar

Segundo a executiva, cada um tem sua história. “E na minha visão é extremamente difícil conseguir conciliar tudo que temos para fazer se decidirmos fazer com qualidade, mas é super possível. Eu amo trabalhar, amo ser executiva, estudar e crescer profissionalmente. E não seria feliz se eu deixasse de fazer essas coisas todas que gosto. E não seria uma boa mãe porque eu não estaria realizando tudo por completo. Então eu tenho regras e métodos para conciliar. Dedico tempo de qualidade para minha família quando estou com eles, leio, estudo e vou à academia quando tenho tempos livres como quando a bebê dorme e o marido está assistindo a um futebol”, ressaltou.

Camila acredita ser necessário organizar muito bem o tempo, fazer bem-feito as coisas para evitar o retrabalho, prestar atenção no que as pessoas falam para executar o mais rápido possível da maneira correta, não deixar para a amanhã o que se pode fazer hoje e ser seleta nas escolhas do que deve ou não participar, não dizer “sim” para tudo só para agradar as pessoas e estabelecer prioridades.

“E quanto aos homens, eles são nossos parceiros. Precisamos somar forças e não militar contra eles. Temos habilidades incríveis que eles têm menos e vice-versa. E para isso, há chances de nós, mulheres, crescermos ainda mais (pois já vencemos muitas barreiras) e juntos formarmos um mundo melhor. Acredito que para isso temos que continuar nos dedicando como fazemos, tendo foco e uma boa postura profissional e uma respeitosa apresentação pessoal para que a gente conquiste nossos espaços com seriedade e talento”, explicou.

Já a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, Élbia Gannoum, destaca que ninguém disse para a mulher que ela tem que desacelerar a carreira para casar e ter filhos. “Mas o subconsciente dela diz que ela não vai conseguir fazer as duas coisas ao mesmo tempo e precisamos entender que é possível sim. Na Escandinávia, por exemplo, eles tem uma cultura muito distinta com relação à maternidade e carreira. Lá tudo é muito igual, o homem tem a mesma função da mulher.

Acho que precisamos vencer essa barreira cultural da sociedade latina”, ressaltou. Ela acredita que é muito desafiador, mas é preciso tentar um equilíbrio.

Se você abrir os números hoje do setor elétrico vai perceber um número muito pequeno ainda de mulheres no setor. Contudo, eu não sinto preconceito da chegada da mulher.

Élbia Gannoum, presidente da ABEEólica

A executiva ainda destacou que essa pauta da mulher no segmento de energia ficou mais forte nos últimos três anos. “Se você abrir os números hoje do setor elétrico vai perceber um número muito pequeno ainda de mulheres no setor. Contudo, eu não sinto preconceito da chegada da mulher, eu sinto muito pelo contrário, hoje as empresas estão fazendo um esforço e eu percebo que os homens também estão fazendo muito esforço para trazer as mulheres para esse segmento e deixa-las se sentirem à vontade”, afirmou.

“Eu tenho participado bastante de debates de gênero e vejo que melhorou muito de uns cinco anos para cá. E vou além, acho que a pandemia nos trouxe muita reflexão e percebo que muitas barreiras estão sendo vencidas”, explicou Élbia.

Discriminação

Segundo pesquisa da Rede Brasileira de Mulheres na Energia Solar (Mesol) de 2019, 64% das profissionais do setor já ouviram comentários sexistas e 49% já sofreram discriminação no ambiente de trabalho por ser mulher.

A violência de gênero é um desafio a ser superado também no setor de energia solar: 57% das respondentes já sofreram algum tipo de violência, com destaque para a psicológica, que representa 47,4% do total de situações. Além disso, 71,7% já foram discriminadas em seu ambiente de trabalho, com destaque para a discriminação baseada em questões de gênero. A maior parte das que passaram por situações de discriminação, assédio ou outras formas de violência as percebeu (65,8%), mas não se sentiu segura o suficiente para denunciar ou para fazer uma reclamação formal. Apesar desse contexto, 41% das organizações do setor não possuem políticas ou ações voltadas para o combate à violência de gênero.

O estudo ainda mostrou que em relação à educação, quase metade das mulheres (42,6%) tem pelo menos ensino superior e 50,2% têm algum tipo de especialização ou pós-graduação (mestrado, doutorado ou pós-doutorado). Essa elevada representação de alta escolaridade pode ser justificada pela grande participação de mulheres brancas respondentes. Quase metade das participantes da pesquisa ocupam cargos de liderança, 49%. Contudo, dentre as que ocupam cargos de diretoria, 20,3%, a grande maioria (84,3%) é dona da própria empresa, e uma menor quantidade é composta por funcionárias (celetistas: 11,8%).

Para a coordenadora da Rede Brasileira de Mulheres na Energia Solar (Rede MESOL), Aline Pan, é desmotivador e cruel, pois precisamos a todo instante provar nossas competências profissionais e intelectuais. “A falta de credibilidade é muito maior para as mulheres e a interpretação das ações também. Precisamos eliminar o preconceito e o machismo para promover um ambiente de respeito e com isso manter as mulheres no setor”, disse.

A falta de credibilidade é muito maior para as mulheres. Precisamos eliminar o preconceito e o machismo para promover um ambiente de respeito.

Aline Pan, coordenadora da Rede MESOL

Segundo ela, o Instituto Global McKinsey apontou que US$ 12 trilhões podem ser adicionados ao PIB global até 2025 com o avanço da igualdade das mulheres nos postos de trabalho. “Pois, se as mulheres, que representam metade da população mundial em idade ativa, não atingirem seu potencial econômico completo, a economia global sofrerá. Se tivermos um setor de energia solar mais diverso, construiremos um segmento mais eficiente, lucrativo e que aproveita todo o seu
potencial de crescimento e inovação. Além disso, estaremos em consonância com a busca de uma transição energética efetiva, que contemple todas as formas de diversificação e sustentabilidade”, explicou.

“Precisamos de políticas públicas direcionadas ao gênero para que a mudança ocorra de forma urgente e é o que necessita a transição energética. Num dos estudos que realizamos, as mulheres reclamaram que precisam de apoio. E observando isso, acho muito importante as mulheres buscarem uma rede de apoio e acreditar no seu potencial”, elucidou.

Hoje temos uma equivalência para competir e igual para igual com os homens.

Tamar Roitman, gerente executiva da ABiogás

Para finalizar, a gerente executiva da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), Tamar Roitman, vê nas mulheres algumas características que são vantajosas. “Temos a vantagem de conseguir fazer uma comunicação mais clara, conciliações e temos um olhar mais brando em determinadas situações. Hoje temos uma equivalência para competir e igual para igual com os homens”, finalizou.

Por Canal Energia.
Imagem: epbr
https://www.canalenergia.com.br/especiais/53224793/a-presenca-da-mulher-no-setor-de-energia

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