O déficit no volume de energia gerado pelas hidrelétricas, fator conhecido como GSF (“Generation Scaling Factor”), saltou de 1,7% em fevereiro para 6% em março, um dos maiores rombos já vistos no setor, devido ao agravamento da seca e ao grande uso de usinas térmicas. O Operador Nacional do Sistema (ONS) mantém este ano todas as térmicas ligadas para economizar a água contida nos reservatórios das usinas, demandando, assim, menos energia hídrica para atender o consumo nacional.
Há expectativas de que, até o fim do ano, as hidrelétricas produzam cerca de 5% a menos, em média, do que o volume previsto por todas as usinas que compõem o sistema elétrico nacional, conhecido como MRE (Mecanismo de Realocação de Energia). Há quem já fale que o déficit pode alcançar até 8%.
Se esse cenário se confirmar, o custo com a exposição das geradoras pode atingir vários bilhões de reais, já que as geradoras terão de comprar a diferença que falta no mercado de curto prazo para atender 100% dos contratos firmados com seus clientes: distribuidoras de energia (mercado regulado) e consumidores livres.
O executivo de uma grande empresa do setor estima que os custos com o déficit na geração hidráulica podem alcançar R$ 20 bilhões. Esse gasto vai se somar ao rombo no caixa das distribuidoras, que, na avaliação desse mesmo executivo, deve atingir outros R$ 25 bilhões, elevando, desta forma, as despesas com a atual crise energética para R$ 45 bilhões.
Além dos custos com o combustível para abastecer as usinas térmicas, as empresas de distribuição também ficaram parcialmente expostas e precisam comprar megawatts-hora no mercado de curto prazo (spot) para atender 100% do volume consumido em suas áreas de concessão. Com a realização do leilão na semana passada, essa exposição das distribuidoras foi em 85%, para 350 MW médios.
Na geração, o tamanho do rombo vai depender do total vendido por cada uma das companhias. Quanto mais vendida (“short”) estiver a geradora, maior será a sua exposição. Algumas empresas deixam de comercializar em torno de 3% da produção (para formar um “colchão”), mas essa é uma decisão que integra a gestão de risco adotada caso a caso por empresa.
Há rumores de que apenas uma grande geradora ficou exposta em R$ 230 milhões no mercado spot na liquidação de contratos referentes a fevereiro, que foi realizada nos dias 28 e 29 de abril pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A liquidação referente ao mês de março será realizada nesta semana, nos dias 08 e 09, pela câmara.
Grande parte das despesas com a exposição ao mercado de curto prazo ainda é absorvida pelas próprias geradoras. As empresas do setor sempre arcaram com o risco hidrológico, mas isso mudou com a renovação das concessões do setor elétrico. As hidrelétricas atingidas pela Medida Provisória 579, que correspondem a cerca de 30% do volume gerado no país, ou cerca de 10 mil MW médios, ficaram livres de riscos, que foram repassados para as distribuidoras.
Neste caso, o déficit hídrico já será incluído nos próximos reajustes tarifários, que serão promovidos em 2014 pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Para os consumidores, o aumento será “na veia”, afirma Christopher Vlavianos, da comercializadora de energia Comerc.
Segundo ele, 6% da demanda atendida pelas cotas dessas hidrelétricas será paga em março pelo preço spot (PLD), que está em torno de R$ 822 por MWh. Isso significa que o valor dessa energia não será mais R$ 30, mas R$ 80 por MWh.
De acordo com dados fornecidos pela Comerc, as usinas teriam que ter produzido 37 milhões de megawatts-hora em março, mas geraram 34,778 milhões. A diferença, ou o equivalente a 2,3 milhões de MWh, terá de ser liquidada na CCEE pelo preço spot, que foi de R$ 822,83 por MWh na região Sudeste. Segundo Valvianos, a conta pode ficar chegar a R$ 1,9 bilhão.
Se um racionamento de energia fosse decretado oficialmente, hipótese considerada remota pelo analista da corretora Brasil Plural, Francisco Navarrete, as hidrelétricas ficariam menos expostas ao mercado de curto prazo. Isso porque o volume previsto no MRE seria reduzido. Se houvesse um corte 6% no consumo, por exemplo, haveria uma redução proporcional na garantia física exigida das hidrelétricas.
Segundo Navarrete, o governo poderia utilizar os mesmos mecanismos encontrados para amortecer o impacto da exposição ao mercado de curto prazo no caixa das distribuidoras e na conta de luz. Os empréstimos tomados pela CCEE para socorrer as distribuidoras poderiam, por exemplo, ser usados também para cobrir a exposição das hidrelétricas ao mercado spot. Mas, para isso, teria de ser publicado um novo decreto, afirma o analista.
Antônio Varejão, presidente Chesf, braço da Eletrobras no Nordeste, afirmou ao Valor que a estatal está exposta ao mercado de curto prazo, mas não quis revelar em que proporção. No caso da hidrelétrica de Sobradinho, entre Bahia e Pernambuco, a empresa pretende acelerar o ritmo das obras de geração para conseguir ampliar o volume de energia assegurada, eliminado, assim, a exposição. Com seis unidades geradoras, Sobradinho tem potência instalada de 1.050 megawatts (MW)
Fonte: Valor Econômico – 07/05/2014
Comentário do Instituto Ilumina
A crise, que a cada dia adiciona mais contas bilionárias, mostra um modelo mercantil que beira a paspalhice. Senão vejamos:
- Sob uma filosofia modista da década de noventa, o Brasil, dono de um sistema sem similar no mundo, resolve imitar um sistema térmico para poder aplicar competição de MWh.
- Para isso, inventa um certificado de energia que depende de critérios mutáveis, mas que tem a pretensão de determinar a “importância” de cada usina no sistema com base na sua operação.
- Com base nesse certificado, assinam-se contratos comerciais de até 15 anos entre geradores e consumidores. Evidentemente, arma-se uma camisa de força para a mudança de critérios de operação, pois interesses comerciais seriam afetados por mudanças.
- Por erros de avaliação, fixam-se certificados exagerados para caras usinas que gerariam muito pouco, distorcendo a qualidade da oferta, pois quem gera no lugar dessas usinas são as hidráulicas.
- A exposição das distribuidoras e geradoras nada mais é do que diferenças desses certificados com o mundo real.
- Como o preço de curto prazo nada tem a ver com oferta e demanda, pois é determinado matematicamente, o valor atinge recordes mundiais.
- Agora, gerando abaixo dos seus certificados, as geradoras podem ter um rombo que atinge R$ 20 bilhões, pois têm que adquirir energia das térmicas. O déficit energético pode atingir 6%! A um preço de R$ 822/MWh, imagina-se o prejuízo.
- Mas, …o que ocorria em 2011, quando a hidrologia estava 20% acima da média histórica?
- Em maio de 2011, os certificados das hidráulicas somavam 41.259 MW médios, mas sua geração real foi 47.198 MW médios, uma diferença de 5.939 MW médios, um excesso de 14%!
- Mas, vejam só, qual era o valor do preço de mercado nesse mês? R$ 12/MWh, 1,5% do valor atual.
- Essa verdadeira bolsa MW era o valor liquidado no mercado livre. Térmicas, comercializadores, consumidores livres capturaram essa vantagem da natureza.
- E qual era o perfil do mercado em 2011? Cerca de 25% dos “contratos” eram mensais. Pior! Cerca de 30% de toda energia liquidada nesse mercado “girava” no mensal.
- Evidente! Quem é bobo de contratar no longo prazo se o modelo brasileiro possibilita adquirir ou liquidar certificados por R$ 12/MWh?
Tudo se passa como a fábula da Cigarra e da Formiga. Infelizmente, apesar da antiguidade desses ensinamentos de La Fontaine, a gestão do setor é a da cigarra!
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