RIO – A situação das empresas do setor elétrico tendem a disfarçar a crise do setor, que viu o preço da geração subir ao teto e levou o governo a socorrer as distribuidoras com um empréstimo de R$ 11,2 bilhões, acertado em abril. E isso por duas questões, segundo os analistas: primeiro que, se as distribuidoras apresentaram buracos em suas contas para pagar a energia, as geradoras que venderam essa energia se beneficiaram dos preços altos e conseguiram resultados acima do estimado pelo mercado.
Neste grupo estão, por exemplo, Cesp e Cemig, que não aderiram ao plano de renovação antecipada em troca de redução de tarifas do governo federal em 2012 e, assim, estão com energia disponível, que foi vendida no caro mercado livre para suprir a carência das distribuidoras, que ainda tiveram aumento de consumo com a forte onda de calor. Ou seja, se as distribuidoras perderam, as geradoras ganharam.
— O bom resultado das empresas de geração que tinham energia livre para ser vendida no mercado livre deve alcançar o seu auge neste começo de ano — exemplificou Pedro Galdi, da SLW Corretora de Valores.
Em segundo lugar, o impacto nas distribuidoras será diluído. Para as distribuidoras, que ficaram descobertas, o resultado tão ruim não deve ser todo sentido de uma vez nos balanços, ou seja, talvez sequer apresentam prejuízos. Isso devido ao fato do governo ter promovido o bilionário empréstimo. Assim, ao invés dos resultados serem sentidos de uma vez, vão impactar apenas no endividamento das empresas, que será coberto, no futuro, com o aumento de tarifas.
— Temos que olhar com cuidado estes resultados. O lucro das grandes empresas foi motivado pela geração e seria ainda maior se não fosse as distribuidoras — explica Hersz Ferman, da Hersz Ferman, economista da Elite Corretora.
Ferman conta o exemplo da Light: a geração de caixa operacional (Ebitda) da distribuição subiu 11% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. Na geração, a alta foi de 53%. Ele conta, por exemplo, que nos primeiros três meses do ano, a Light vendeu R$ 80 milhões no mercado livre, que estava pagando mais caro pela energia, enquanto que em ingual período do ano passado, o resultado foi zero.
— No caso da Eletrobras, a empresa vende neste primeiro trimestre, no mercado livre, R$ 1,7 bilhão, contra R$ 800 milhões no ano passado, aproveitando a geração muito forte de energia no Norte, que estava com muitas chuvas. Mas isso diminuiu, pois agora a empresa participou do leilão e vendeu sua energia livre até 2019 — disse.
Há ainda o caso da Eletrobras, que depois de dois anos de prejuízos que somaram perdas de R$ 13,2 bilhões, apresentou um lucro de R$ 986 milhões no primeiro trimestre. A empresa se beneficiou por algumas reversões de perdas de investimento que não ocorreram, pela venda de alguma energia no caro mercado livre – em especial da Eletronorte, que viveu um período de chuva recorde e transferiu o máximo de energia possível para o resto do Brasil – e devido ao impacto do forte programa de demissão voluntária.
O PDV fez o custo com pessoal da estatal cair 43,7% entre o quarto trimestre de 2013 e o primeiro deste ano, ou seja, esta despesa operacional passou de R$ 3,16 bilhões para R$ 1,7 bilhões.
Tendência de queda nas geradoras
Mikio Kawai Jr., diretor executivo da Safira Energia, afirma que a fase de bons balanços das geradoras ficou concentrado no primeiro trimestre do ano, mas isso tende a diminuir no segundo trimestre, pois muitas, como a Eletrobras, venderam a energia excedente no leilão que a EPE promoveu.
Para as distribuidoras, contudo, o momento continuará ruim e muitas devem seguir com fluxo de caixas negativos, pois mesmo com este leilão, estão comprando energia das distribuidoras a preço mais alto que o imaginado anteriormente:
— E o problema é que as tarifas ficam artificialmente baixas. Era para começar a valer neste ano a bandeira tarifária, que eleva no mês seguinte o valor da tarifa quando a energia fica mais cara, como em momentos de seca onde precisa se usar mais termelétricas. Isso era para entrar em vigor em janeiro, mas foi adiado para janeiro de 2015. No mercado, quando falta tomate, seu preço sobe e o consumidor consome menos, mas na energia isso não ocorre, ele é incentivado a consumir com um preço que não é real — disse.
Comentário do Instituto Ilumina:
A que ponto chegamos! A distorção de preços é tão absurda que o único resultado que não surpreende é que a conta vai cair no colo da população.
A MP 579 que, de forma atabalhoada e autoritária, pretendia resgatar o princípio de que usinas antigas já tiveram pelo menos parte de seu investimento amortizado, conseguiu o inverso!
O grande equívoco está em confundir duas coisas totalmente diferentes. Um princípio é o da idade limite da concessão da usina, que pode até ser distinta da idade de operação. Outro totalmente diverso é o da contabilização de amortização e depreciação de ativos. Dependendo do critério, a amortização pode se dar até antes do limite de concessão.
Essa confusão cria enormes distorções, onde talvez o caso mais simbólico seja o da usina de Mascarenhas de Moraes, anteriormente denominada Peixoto, que data de 1947. Por conta de transferências de titularidade e mudanças da regularização do Rio Grande, essa usina passa a ser considerada “mais nova” do que a usina de Furnas de 1957. Sendo mais nova, não é atingida pela MP579 e pode vender no mercado livre, recebendo quase 10 vezes o valor do antigo contrato. Como é de uma estatal, participa do leilão “sucesso” que vende essa energia por 5 anos por quase 4 vezes mais do que o contrato antes vigente.
Assim, de distorção em distorção, até milagres como a reversão de prejuízo em lucro para a Eletrobras é possível. A única certeza é o aumento tarifário e a instabilidade de regras.
Fonte: Instituto Ilumina – 19/05/2014
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