Governo admite recorrer de forma permanente a usinas térmicas para garantir segurança energética

Pela primeira vez, o governo federal admite que, sem poder construir novas hidrelétricas com reservatórios, terá que recorrer a usinas térmicas como nuclear, a carvão e a gás natural para operar na base do sistema, ou seja, de forma permanente, para garantir a segurança energética do país no futuro.

O anúncio foi feito ontem (14) pelo secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Altino Ventura. Com isso, em meio à crise do setor elétrico, a matriz energética brasileira, uma das mais limpas do mundo, tende a se tornar mais suja nas próximas décadas, principalmente com o avanço das usinas a carvão.

Somente nos últimos cinco anos, a geração térmica, operando hoje a plena carga devido aos níveis baixos dos reservatórios, subiu de 7,09% do consumo total para 23,1%, um aumento superior a três vezes. Além disso, a nuclear, com Angra 1e 2, subiu de 2,55% para 3,24%, segundo dados do Operador Nacional do Sistema (ONS).

Em mais um capítulo da crise atual do setor elétrico estão as perdas econômicas das geradoras hidrelétricas, que recorrem ao mercado à vista – no qual os preços estão em patamares elevados – para honrar parte de seus contratos com as distribuidoras.

Com perdas estimadas entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões somente neste ano, o governo reafirmou ontem que não vai socorrer as companhias, como fez com as distribuidoras. Segundo especialistas, ao contrário do que ocorre com as distribuidoras, a crise das geradoras não deve resultar em aumento da conta de luz do consumidor final.

Em audiência na Câmara, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, falou sobre a crise do setor elétrico e sobre o socorro do governo às distribuidoras. “Não há perigo de faltar energia”, disse.

Mantega lembrou que o governo federal definiu um modelo, que incluiu Tesouro e financiamento privado, para auxiliar as empresas. Ele citou ainda o leilão realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) há duas semanas, com a cobertura de 85% da necessidade de contratação de energia das distribuidoras:

“O consumidor também pagará uma parte dessa conta, com tarifas que a seu tempo serão colocadas. O problema é que as distribuidoras têm que imediatamente pagar a conta da geradora e, para isso, ajudamos a arquitetar uma estrutura de financiamento para a distribuidora.”

Mais tarde, chegou a dizer que o certo seria “repassar tudo para o consumidor”. De acordo com o ministro, o governo tentou passar uma parte da conta para o consumidor, outra para o setor elétrico e uma terceira para o Tesouro.

“O certo seria passar tudo para o consumidor. Pelas leis estabelecidas, quem deveria pagar essa conta são as distribuidoras, não o governo”, disse, ressaltando que o governo não deixaria “quebrar distribuidora”.

Apesar de o governo destacar a solução de curto prazo para a crise das distribuidoras, a expectativa é de uma mudança mais radical a longo prazo na estrutura da matriz elétrica brasileira. Ontem, Ventura, que participou do Seminário Internacional de Energia Nuclear, no Rio, adiantou que o MME está desenvolvendo o Plano Nacional de Energia 2050 junto com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que deverá ser concluído ainda neste ano. Segundo Ventura, ficará muito claro no plano a necessidade de a energia térmica operar na base do sistema, ou seja, não de forma complementar em casos emergenciais como é hoje a maioria das usinas térmicas a gás ou a óleo. Hoje, as térmicas que operam na base são as nucleares.

“Em algum momento, o Plano Decenal, quando chegar próximo a 2025, não terá mais (novas) hidrelétricas, e nesse momento o Brasil terá que buscar outras soluções, que não é só a nuclear, tem gás natural e carvão mineral”, destacou Ventura.

Assim, segundo o secretário, após 2025, o Brasil vai passar por uma transição, de uma expansão majoritariamente hidrelétrica para térmicas de base com custo de combustível baixo. Érico Evaristo, presidente da Bolt Comercializadora, diz que o Brasil já é classificado como um país hidrotérmico.

“Por questões ambientais não são construídas mais hidrelétricas com reservatórios e sim apenas as chamadas a fio d’água, que só geram energia no período úmido. Então, por uma questão energética, a solução são as térmicas, já que nos últimos dez anos a capacidade de armazenar água nos reservatórios é praticamente a mesma no país”, disse Evaristo.

Ventura reiterou as declarações do ministro Edison Lobão, de que não haverá socorro às geradoras. Ventura explicou que as empresas operam sob o chamado risco hidrológico. Ou seja, elas têm de arcar com as perdas quando sua geração é menor que as garantias físicas das hidrelétricas:

“É o risco hidrológico do investidor em geração hidráulica. (Para) Essa diferença (entre a geração própria e os custos para arcar com os contratos com as distribuidoras) ele terá que adquirir lastro no mercado. Essa é a regra existente”, destacou o secretário.

Segundo João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos Energia, em um cenário pessimista, as geradoras terão custos extras de R$ 15 bilhões. Como não conseguem gerar energia suficiente para honrar parte dos contratos com as distribuidoras, devido ao nível baixo de seus reservatórios, as empresas têm de pagar R$ 822 por megawatt-hora no mercado livre.

“Por lei, o governo não precisa socorrer geradoras, pois o seu contrato de concessão é de produtor independente. Com isso, elas assumem os próprios riscos. Já as distribuidoras funcionam sob o contrato de serviço público com proteção contra o desequilíbrio econômico financeiro”, explicou Mello.

Luiz Augusto Barroso, da PSR, diz que a despesa pode chegar a R$ 20 bilhões. Segundo Evaristo, da Bolt, as geradoras terão de arcar com a perda econômica. Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ, lembra que nem todas as geradoras recorrem ao mercado livre, já que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) decide quais usinas hidrelétricas devem continuar gerando energia e quais devem economizar seu reservatório. Por isso, diz ele, cada caso deve ser analisado de forma isolada. Assim, algumas usinas podem ganhar com a venda no mercado livre, já que nenhuma geradora vende, em contratos de longo prazo, toda a sua capacidade.

Fonte: Agência O Globo – 16/05/2014

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