Para reduzir a conta de luz em média em 20%, milhares de empresas têm migrado para o mercado livre de energia desde 2015, tendência que deverá se consolidar nos próximos anos num momento em que governo e o setor discutem a ampliação do segmento.
De janeiro de 2015 a junho deste ano, diante da queda dos preços no mercado livre por conta da sobreoferta de energia, mais de três mil indústrias e empresas do setor de serviços deixaram o mercado cativo (atendido pelas distribuidoras) e ganharam liberdade para selecionar seu fornecedor. Hoje, cinco mil empresas estão no novo ambiente de comercialização de energia.
Desse total, cerca de quatro mil são consumidores especiais (com demanda entre 0,5 MW e 2,99 MW que podem contratar energia de fontes renováveis) e cerca de mil consumidores livres (com demanda superior a 3 MW).
Um exemplo do movimento é visto entre os shoppings centers. Em 2006, o primeiro centro comercial migrou para o novo mercado, tornando-se o único consumidor livre do setor por um bom tempo. Desde o ano passado até agora, mais de 40 já fizeram a mudança. A perspectiva de redução de 25% a 30% no custo de energia é um grande atrativo e o movimento cresceu após a alta das tarifas em 2015, quando as contas de luz subiram 50% em média, resultado do uso de térmicas e dos efeitos da MP 579, que tratou da renovação das concessões de geradoras e transmissoras.
Com cerca de 15% do mercado, a Comerc, com 750 clientes em carteira, prevê encerrar o ano com mais 80. Em janeiro de 2015, a empresa gerenciava 250 compradores. "Vários setores da economia estão buscando o mercado livre para reduzir custos em uma conjuntura de desaceleração econômica. No ambiente livre, buscam contratos de três a cinco anos", diz Cristopher Vavlianos, sócio da comercializadora. Em 2018, dependendo do preço da energia no período úmido, o mercado livre tende crescer, segundo ele.
Na Ecom, o crescimento da carteira de clientes deve chegar a 30% e se manter em dois dígitos em 2018. "Temos visto empresas com conta de luz de R$ 80 mil a R$ 100 mil mensais buscando a migração", diz Paulo Duarte, sócio.
A expansão também é estimulada por fatores regionais: no Paraná, por alguns anos, as tarifas de energia foram subsidiadas pelo governo estadual, o que não estimulava a migração. A mudança de governo eliminou essa política. Já na região Norte, no início de 2016, Manaus e a Zona Franca foram interligadas ao sistema nacional de transmissão, o que permitiu que as indústrias instaladas no polo industrial tivessem a opção.
O preço no mercado cativo tende a ficar estabilizado ou ter pequeno acréscimo nos próximos anos, segundo especialistas, o que pode continuar favorecendo a migração. Fruto da MP 579, o governo precisará indenizar as transmissoras de energia por investimentos amortizados antes de 2000, uma conta de cerca de R$ 50 bilhões a ser repartida entre os consumidores.
Já a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), usada por exemplo para financiar o projeto Luz para Todos, poderia ter de receber um aporte dos consumidores neste ano. O acionamento das térmicas, que já respondem por cerca de um terço da geração do país, é fator adicional de pressão.
No momento, o governo lançou uma consulta pública sobre o novo modelo do setor, que pretende ampliar o mercado livre incluindo empresas com demanda superior a 75 kW, que poderiam migrar para o segmento até 2028. "Essa consulta tende a estimular a migração nos próximos anos, porque o assunto estará ainda mais na mídia. Há uma tendência cada vez maior de empoderamento do consumidor no setor elétrico", destaca Karin Luchesi, vice presidente de operações para mercado do Grupo CPFL Energia.
As novas regras, no entanto, podem reduzir a curto prazo o movimento de migração. A proposta em discussão não faz nenhuma referência à comunhão de cargas (a possibilidade de que consumidores de áreas contíguas ou com diferentes unidades de consumo em um mesmo CNPJ possam somar cargas para superar 0,5 MW de demanda). Isso pode inviabilizar a migração de muitos interessados. "Esse é um ponto de incerteza que receberá contribuições nossas na consulta pública", observa Reginaldo Medeiros, presidente da Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia Elétrica (Abraceel).
Segundo a Abraceel, de 2003 até 2016, a economia média resultante da migração para o mercado livre foi de 18%, o que equivale a mais de R$ 40 bilhões. Mas alguns especialistas contestam esse cálculo, argumentando que a conta teria de considerar contrato por contrato.
A ampliação do mercado livre é uma tendência que coincide com o avanço da microgeração distribuída e das redes inteligentes de energia, o que irá exigir que as distribuidoras adotem um novo modelo de negócios em que terão de buscar mais ganhos no mercado não regulado.
"A ampliação gradual do mercado livre é importante para que os efeitos colaterais, como sobrecontratação, possam ser mitigados sem causar maiores transtornos. A chave do sucesso desse novo modelo será a regulação", diz Nelson Leite, presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee).
A AES e a Enel são exemplos nessa direção. Com as pressões ambientais e as redes inteligentes, que abrem o setor para a internet das coisas, as empresas têm adotado uma nova maneira de operar, criando unidades voltadas a participar do universo das startups, de olho em oportunidades de negócios e serviços. A CPFL criou em maio a Envo, para atuar em microgeração distribuída solar.
Fonte: Valor Econômico.
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