Agentes do setor elétrico receberam com surpresa o cancelamento do Leilão para Contratação de Reserva de Capacidade previsto para o fim de 2022 e se dividiram sobre a decisão do governo. O cancelamento foi anunciado pelo MME (Ministério de Minas e Energia) na última quarta-feira (14), junto com outros dois leilões previstos para este ano.
Parte do mercado defende a não realização deste certame, e concordaram com o MME, mas outros players analisaram que a decisão da pasta foi negativa. Por outro lado, houve consenso do setor de que o Leilão de Energia Nova A-6, também cancelado, não deve acontecer, já que há uma falta de demanda no setor para esse tipo de contratação. O MME também suspendeu o leilão para Suprimento aos Sistemas Isolados.
“O cancelamento do leilão A-6 não causou surpresa por causa da falta de demanda, e o dos sistemas isolados também não necessita urgência, mas o cancelamento do leilão ordinário de reserva de capacidade, antes previsto para dezembro, causou surpresa”, afirmou João Carlos Mello, CEO da Thymos.
Para Mello, mesmo com a contratação prevista em lei dos 8 GW de térmicas a gás, é preciso que ocorram leilões ordinários de reserva de capacidade para fazer frente à descontratação de térmicas obsoletas e caras a óleo diesel e combustível a partir de 2025. A compra compulsória dos 8 GW está prevista na lei que permitiu a desestatização da Eletrobras (Lei 14.182/2021).
Neutralidade tecnológica
Outros agentes do mercado analisaram que o cancelamento do leilão de reserva de capacidade foi positivo porque vai permitir que o Ministério de Minas e Energia avance nos estudos para que seja possível a participação das renováveis com sistema de armazenamento, o chamado leilão com neutralidade tecnológica.
A visão é que, caso se mantivesse o leilão, haveria o risco de serem contratadas somente termelétricas. Com o leilão contemplando a neutralidade de tecnologias, há espaço para viabilizar eólicas híbridas e/ou com sistemas de armazenamento.
O MME justificou o cancelamento do Leilão para Contratação de Reserva de Capacidade justamente para a elaboração de estudos que viabilizem um certame pautado pela neutralidade tecnológica.
Para a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), o cancelamento do leilão A-6 é negativo, e a não realização do leilão de reserva de capacidade foi uma surpresa para o setor.
“Nenhum cancelamento é bom. O leilão é uma forma da fonte se expandir. Participar de leilões é importante, é sempre uma briga que temos na Absolar de se fazer presente nos leilões e garantir que a regra nos inclua”, afirmou Márcio Trannin, vice-presidente da Absolar.
Segundo ele, “cancelar leilão não é uma boa”, mas a associação entende que “existe incerteza para daqui a seis anos pelas distribuidoras de como estará a demanda”.
O cancelamento também foi visto como negativo pela Abragel (Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa). Segundo Charles Lenzi, presidente-executivo da associação, o cancelamento reflete “a incerteza e a instabilidade criadas pelas discussões da maior abertura do mercado e a dificuldade de definir uma previsão de demanda com maior acuracidade”.
“Isso, combinado com uma provável baixa demanda para o leilão A-5, sinaliza a importância de tratarmos de maneira mais eficaz os mecanismos que garantam a expansão da geração, em especial para as fontes não intermitentes, como é o caso das centrais hidrelétricas”, concluiu.
Cancelamento positivo
Já a Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica) defendeu o cancelamento de todos os certames devido ao cenário de baixa demanda. A associação também afirmou que o setor eólico tem mais de 550 projetos eólicos, somando mais de 20 GW, prontos para irem a leilão.
“A associação também entende como correta a decisão de cancelar o Leilão para Contratação de Reserva de Capacidade para que se tenha tempo de concluir estudos que estão em elaboração para viabilizar um certame pautado pela neutralidade tecnológica. Importante esclarecer que a ‘neutralidade tecnológica’ é uma pauta defendida pela Abeeólica, que entende esse critério como uma evolução necessária para os leilões”, afirmou a presidente da associação, Elbia Gannoum.
Tarifas
Para o CEO da PSR, Luiz Augusto Barroso, “contratar oferta sem precisar de oferta somente aumenta a tarifa”. O executivo compara: “Por exemplo, esse foi o mesmo racional do traumático cancelamento do leilão de reserva de 2016”.
Barroso explica que, no caso do Leilão de Reserva de Capacidade, “possivelmente a necessidade de demanda também é nula, em função do alto volume já contatado neste mesmo leilão realizado em 2021 e da realização dos leilões das térmicas de setembro, que também contribuem para fornecer potência”. Nesse caso, diz ele, faz sentido dar um passo para trás para melhor desenhar o que o sistema precisa, para depois ver a fonte – ou portfólio de fontes – que possam atender esse requisito.
“Obviamente que cancelar leilão frusta expectativas, mas o sistema físico tem mudado muito, a geração distribuída tem crescido, por exemplo, e as decisões difíceis estão aí para serem tomadas. Essa tem sido uma tendência em outros países também”, disse Barroso.
PCHs: reformulação
Para o setor de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), o cancelamento representa uma maior oportunidade de incluir na matriz o certame de reserva de capacidade, ação defendida pela Abrapch, associação que representa o setor, como forma de expansão da matriz.
Segundo Ademar Cury, vice-presidente da Abrapch, a reformulação do leilão de reserva de capacidade, com a inclusão de PCH, é essencial para que o setor possa cumprir com os 2.000 MW de energia dessa fonte prevista na Lei 14.182/2021, que permitiu a capitalização da Eletrobras.
“São 2.000 MW, sendo garantidos 50% da demanda dos leilões A-5 e A-6 a serem realizados até 2026. Só que este mecanismo de leilões regulados deverá desaparecer por falta de demanda das distribuidoras pela abertura do mercado e pela geração distribuída. Por isso, estamos defendendo incluir PCHs nos leilões de reserva. Veja que os 8.000 MW previstos para térmicas na lei de capitalização da Eletrobras não dependem de mercado das distribuidoras, pois serão leilões de reserva”, afirmou.
Segundo ele, o primeiro leilão de reserva de capacidade dos 8 GW de térmicas previstos na lei de capitalização da Eletrobras, marcado para outubro, também deveria ser adiado para que outras fontes pudessem ser incorporadas após os estudos do Ministério de Minas e Energia.
Distribuidoras
De acordo com Marcos Madureira, presidente da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia), os leilões de reserva de capacidade devem ter um maior equilíbrio entre os mercados. Para ele, não pode haver uma concentração no mercado regulado. As distribuidoras são as compradoras da energia dos leilões.
Segundo Madureira, a decisão do ministério pode ser positiva se os estudos da pasta para a neutralidade tecnológica do certame representarem um maior equilíbrio no leilão. “O mercado regulado tem assumido a totalidade do ônus da contratação dessas energias mais caras, mas que também são as mais importantes para a matriz. É necessário um maior equilíbrio entre os mercados”, afirmou.
Por Portal Infra
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