Situação crítica exige mais atenção ao abastecimento de gás para térmicas, manutenção de usinas, e aos usos múltiplos da água

Por Letícia Fucuchima e Gabriela Ruddy

O cenário de abastecimento de energia elétrica começou a suscitar mais preocupação entre integrantes do governo e do setor elétrico nas últimas semanas. Exatos 20 anos após o apagão que atingiu o país, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, fontes ouvidas pelo Valor afirmam que não há motivo para pânico, mas reconhecem que, diante da falta de chuvas, a situação passou a exigir mais cautela e melhor coordenação de diferentes frentes para garantir o suprimento de energia.

Além do desafio dos baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas – o último período úmido, encerrado em abril, registrou o pior nível de afluências desde 1931 -, o setor passou a monitorar com mais atenção a disponibilidade de gás natural para as térmicas, que estão sendo despachadas a todo vapor desde o ano passado, e a gestão de usos múltiplos da água.

No caso da geração termelétrica, o alerta soou após a Petrobras programar, para agosto, parada para manutenção da plataforma de Mexilhão e do gasoduto Rota 1. Com capacidade de 10 milhões de metros cúbicos por dia, o Rota 1 é responsável por escoar gás natural produzido em Mexilhão e outras plataformas do pré-sal e pós-sal da Bacia de Santos.

Segundo a estatal, a medida foi conciliada com paradas em usinas termelétricas próprias e de terceiros que são abastecidas pelo gasoduto, de forma a reduzir a demanda de gás dessas unidades. A Petrobras informou, ainda, que todo esse cronograma foi articulado antecipadamente com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), buscando o mínimo impacto ao setor elétrico.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) informou que está dialogando com a estatal e ONS, além das agências reguladoras ANP e Aneel, para assegurar que essas manutenções não afetem o abastecimento de gás. A pasta acrescentou ainda que não vê restrições de suprimento do gás para térmicas contratadas.

“Precisamos de uma boa governança para garantir a disponibilidade do gás e o ‘timing’ correto das manutenções dos geradores e gasodutos. Agora, mais do que nunca, essa sincronia é necessária, porque fará diferença para o sistema se houver paradas no momento errado”, afirma Luiz Barroso, presidente da consultoria PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Segundo o ONS, o país tem hoje maior quantidade de capacidade térmica em manutenção do que igual período de 2020, mas mais de 70% do parque está disponível. “O importante, neste momento, é garantir que estamos realizando todas as ações para operar o sistema com segurança e de forma a atender a demanda”, diz o órgão.

Outro tema que coloca o setor em atenção é a gestão dos usos múltiplos das águas – isto é, o manejo para outros fins além da geração de energia, como abastecimento público, agricultura, navegação e pesca e aquicultura.

A preocupação está relacionada principalmente a restrições que, em bacias mais secas, forcem o uso de água que o sistema poderia guardar, ou que, em bacias úmidas, impeçam o sistema de utilizar o volume que seria necessário para geração de energia.

Com a escassez vivida nos últimos anos, os impasses sobre os recursos hídricos têm aumentado – um caso emblemático é o do lago de Furnas, em Minas Gerais. “A situação hídrica crítica vai demandar a colaboração de todos os setores para assegurar a segurança energética, será obviamente uma escolha”, avalia Barroso.

O presidente da EPE, Thiago Barral, engrossa o coro em defesa de uma coordenação mais cuidadosa nessa frente. “É importante haver boa governança das águas, permitindo melhor conciliação entre os usos múltiplos, observando as prioridades estabelecidas na legislação e a essencialidade da energia elétrica para as pessoas”, afirma.

Mesmo com a entrada de novos empreendimentos de geração no sistema, contratados em leilões nos últimos anos, o risco de racionamento segue no radar devido à dominância da fonte hídrica na matriz, com participação de cerca de 60%. Diante da escassez de chuvas, desde o fim do ano passado o governo vem tomando medidas para poupar os reservatórios, com impacto sobre as tarifas. Já autorizou o acionamento de térmicas mais caras – o chamado “despacho fora da ordem de mérito” – e importações de energia da Argentina e do Uruguai.

Com o fim do período úmido, que vai de setembro a abril, a pressão para garantir o suprimento de energia aumentou, trazendo mais preocupação a alguns integrantes do ONS, relataram duas fontes ao Valor.

Já de olho nas condições adversas, no início de maio, o CMSE, órgão colegiado coordenado pelo MME, ampliou as medidas emergenciais, autorizando o despacho fora da ordem de mérito e importação de energia da Argentina e Uruguai, sem limitação nos montantes e preços.

EPE e ONS, além do próprio MME, afastam o risco de racionamento neste ano, mas certo temor já se alastrou em parte do mercado. Segundo o presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, a tendência de recuperação econômica com o avanço da vacinação contra a covid-19 deve levar a um aumento no consumo de energia, o que pode trazer problemas de atendimento.

“Este vai ser um ano muito difícil para o setor. Desde 2013 não há racionamento porque o país quase não cresce, mas, mesmo assim, os consumidores tiveram aumentos na tarifa bastante superiores à inflação, para evitar o racionamento físico. Estamos jogando com a sorte. Vai ser muito chato se o crescimento da economia for impedido por falta de energia”, afirmou Pires. Em sua visão, o governo não deverá instituir um racionamento físico, mas pode desestimular o consumo de energia por meio de aumentos nas tarifas.

Já a PSR avalia que a situação é preocupante, mas pondera que a matriz atual é muito mais diversificada do que no passado, oferecendo mais alternativas para sustentar o suprimento de energia. Além disso, destaca que há nova oferta no sistema: somente em 2021, serão adicionados cerca de 5 gigawatts (GW), sendo quase metade de geração térmica.

Fonte:
Valor Econômico

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