ONGs dizem que ‘arranjo entre determinados setores econômicos e o relator da matéria’ eliminaria o controle prévio dos impactos de empreendimentos, resultando no descontrole completo de impactos socioambientais

André Borges

O projeto de lei que estabelece a nova Lei do Licenciamento Ambiental e que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pretende levar ao plenário na próxima semana acaba com a necessidade de licenciar 13 atividades de impacto ao meio ambiente. Trata-se, na avaliação das principais organizações ambientais que atuam no País, da pior proposta já elaborada pelo Congresso sobre o assunto nas últimas décadas, por fragilizar processos de monitoramento e gerar riscos para tragédias, como as ocorrida em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

O Estadão teve acesso a uma análise da proposta final do projeto relatado pelo deputado federal Neri Geller (PP-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária. O texto substitutivo do PL 3.729/2004, que não chegou a ser objetivo de nenhuma discussão aberta com a sociedade civil, foi repassado às organizações Greenpeace Brasil, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Instituto Democracia e Sustentabilidade, Instituto Sociedade, População e Natureza, Instituto Socioambiental (ISA), Observatório do Clima, SOS Mata Atlântica e WWF Brasil. A reportagem também teve acesso ao documento.

Uma das principais propostas que chamam atenção diz respeito à dispensa expressa de licenças para cultivo de espécies de interesse agrícola, pecuária extensiva e semi-intensiva, além de pecuária intensiva de pequeno porte. Outros 13 tipos de atividades ficam isentas da obrigação de serem licenciadas. São atividades impactantes como, por exemplo, obras de transmissão de energia elétrica com tensão de 69 kV; sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário; obras de manutenção de infraestrutura em instalações preexistentes, como estradas, além de dragagens (retirada de sedimentos) de rios; usinas de triagem de resíduos sólidos; pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos; e usinas de reciclagem de resíduos da construção civil.

“Evidencia-se, com esse quadro, arranjo entre determinados setores econômicos e o relator da matéria para simplesmente eliminar o controle prévio dos impactos desses empreendimentos, resultando no descontrole completo de seus impactos socioambientais. Explicita-se a profunda ignorância dos elaboradores do texto sobre a relevância da Avaliação de Impactos Ambientais como ferramenta imprescindível para a garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assegurado na Constituição Federal”, afirmam as organizações.

Além das dispensas de licenciamento, o projeto prevê que uma licença autodeclaratória (licença por adesão e compromisso, conhecida como LAC) seja emitida automaticamente, sem qualquer análise prévia pelo órgão ambiental. A proposta afirma que todo e qualquer empreendimento não qualificado como de “significativo potencial de impacto”, tipo que representa uma minoria dos licenciamentos no Brasil, poderá ser licenciado mediante esta modalidade automática e sem controle prévio. As ONGS alertam que esse tipo de proposta poderá incluir, inclusive, todo tipo de empreendimento impactante, como as barragens de rejeitos de minério, iguais as que romperam em Mariana e Brumadinho (MG).

O deputado Neri Geller, que tem apoio do governo de Jair Bolsonaro, disse que preparou um documento técnico, com “zero ideologia”. Ao Estadão, afirmou que busca “trazer segurança jurídica para o investidor, para o licenciador para que ele possa ter condições de liberar projetos importantes que não degradam o meio ambiente”. Sua proposta também é defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que detém uma das maiores bancadas do Congresso.

“O Legislativo, que nos primeiros dois anos do governo havia resistido à pressão por retrocessos na legislação ambiental, agora parece estar se aliando a Bolsonaro em sua antipolítica ambiental”, afirmam as ONGs. “O texto foi construído a portas fechadas por representantes de setores econômicos com o relator, desconsiderando os consensos construídos nos últimos dois anos sob a coordenação do último relator da matéria e em franca violação aos direitos de informação e de participação, denotando a intenção de atropelar, da noite para o dia, os direitos da população. Trata-se da pior proposta já apresentada desde que o projeto de lei começou a tramitar, há dezessete anos.”

As organizações alertam que a licença autodeclaratória poderá ser aplicada ainda à ampliação de capacidade e pavimentação em estradas existentes ou em suas faixas de domínio, que historicamente causam mais de 95% do desmatamento na Amazônia.

O projeto passa a permitir ainda a delegação para autoridades e órgãos estaduais e municipais de praticamente todas as definições complementares à lei, resultando na aplicação do licenciamento de forma muito distinta entre Estados e municípios. Dessa forma, o texto permite que Estados e municípios simplesmente dispensem atividades impactantes de licenciamento ambiental, o que poderá gerar, segundo as organizações, uma corrida pela flexibilização ambiental entre esses entes, para atrair investimentos.

“É absurdo votar um tema tão relevante, complexo e com altíssimo grau de divergência em plena crise sanitária, quando o Parlamento deveria concentrar seus esforços na votação de matérias e no acompanhamento de ações governamentais de controle da pandemia”, afirmam as ONGs. “Não pode ser votada agora, ainda mais no plenário da Câmara dos Deputados, uma proposta como a da Lei Geral de Licenciamento Ambiental que impacta praticamente todas as atividades socioeconômicas e os direitos de todos.”

As organizações pedem que haja um debate aberto e amplo sobre o texto, o que ainda não ocorreu e que o meio ambiente está “seriamente ameaçado com a iminente votação do Projeto de Lei nº 3.729/2004”, uma proposta que, na avaliação dos ambientais, “pretende a extinção do licenciamento ambiental na prática, com significativos e irreversíveis danos socioambientais”.

O Estadão aguarda posição do Ministério do Meio Ambiente sobre o assunto.

Fonte:
O ESTADAO

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