Inadimplência no rateio dos custos do deslocamento hidrelétrico no mercado de curto prazo é de R$ 1,13 bilhão.
O setor elétrico já se prepara para uma nova rodada do acordo que tenta há anos acabar com a inadimplência do GSF (fator que mede o risco hidrológico) no mercado de curto prazo, dessa vez nos termos da Medida Provisória 1300. Executivos de associações que representam geradores hidrelétricos participaram de reunião na última terça-feira (10/06), na Câmara de Comercialização de Energia, quando ficou acertado que o primeiro leilão para a negociação de créditos do passivo bilionário deve acontecer até o fim de julho, mas a CCEE fala em agosto.
A MP da reforma do setor prevê que as dívidas de geradores protegidos por liminares do rateio total ou parcial dos custos do deslocamento hidrelétrico poderão ser negociadas por meio de mecanismo concorrencial centralizado na CCEE. O objetivo é destravar a liquidação financeira do MCP, que tem R$1,13 bilhão em valores não pagos, segundo dados mais recentes da entidade. Desse total, 80% envolvem decisões judiciais relacionadas a Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) e a Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGH).
Os geradores tem pressa na definição das regras do certame, diante das incertezas que rondam a tramitação da MP no Congresso Nacional. A expectativa é de que o mecanismo seja aplicado durante a vigência da medida provisória, que perde a validade em outubro, caso o texto não seja convertido em lei até essa data.
Em entrevista ao CanalEnergia durante o Enase 2025, o presidente do Conselho de Administração da CCEE, Alexandre Ramos, confirmou que a instituição vai operacionalizar até agosto o mecanismo estabelecido na MP. Ramos discutiu o assunto no encontro de terça-feira com representantes da Abiape (investidores em autoprodução de energia), da Apine (produtores independentes) e da Abrage (geradores hidrelétricos).
A CCEE afirma que vai empregar toda a sua capacidade técnica e institucional para a solução do impasse do GSF, e que está avaliando “as alternativas mais eficientes e seguras para a criação do mecanismo competitivo em que serão negociados os valores retidos.”
A instituição demonstrou confiança no processo de negociação, considerando a experiência com o acordo do GSF para contratos de hidrelétricas nos ambientes regulado e livre. “Assim como no amplo sucesso obtido na repactuação anterior, que conquistou a redução de cerca de 90% dos montantes represados, aliaremos a nossa capacidade tecnológica à nossa experiência na estruturação de leilões para fazermos com que o novo mecanismo tenha a competitividade e a credibilidade necessárias para o seu êxito,” disse em resposta a questionamentos da reportagem.
O Ministério de Minas e Energia informou que está analisando com a CCEE as medidas necessárias à realização do certame previsto na MP.
Para o presidente executivo da Abragel (pequenas centrais hidrelétricas), Charles Lenzi, a proposta é interessante, porque dá oportunidade para que CGHs possam entrar na repactuação do risco hidrológico. Essas usinas de capacidade reduzida (até 5 MW) não foram contempladas nos processos de negociação realizados nos últimos dez anos, por operarem sem outorga.
Lenzi sugere que a solução para a inadimplência envolvendo esses agentes possa ser tratada também em negociações bilaterais entre empresas do mesmo grupo, para que o pagamento do débito seja assumido por outros empreendimentos, em troca da extensão da outorga.
Uma emenda apresentada pelo deputado Luiz Carlos Heinz (PP-RS) à MP 1300 sugere a substituição do mecanismo concorrencial pela possibilidade de livre negociação bilateral de montantes financeiros em aberto. A proposta também autoriza a formação de um ativo regulatório em favor de geradores hidrelétricos que já efetuaram pagamentos a título de GSF nas liquidações financeiras da CCEE, sem considerar o expurgo dos fatores não hidrológicos incluídos indevidamente no cálculo desse componente de ajuste.
“Solução diversa redundaria em manifesto tratamento desigual para tais agentes, com evidente afronta à isonomia que deve nortear o processo legiferante,” justificou o parlamentar.
O executivo da Abragel disse que ainda vai conversar na CCEE para verificar como a entidade pretende implementar o mecanismo de securitização dos débitos, enquanto a medida provisória ainda estiver em vigor. “Eventuais aperfeiçoamentos vão ficar para um segundo momento. Mas eu acho que a gente tem que analisar os interesses dos associados e tratar isso com a CCEE.”
Entre os associados da Abragel com problemas de inadimplência, 99% são proprietários de CGHs, segundo Lenzi. Ele calcula por alto que os débitos devem estar na casa dos R$ 200 milhões, porque são empreendimentos pequenos, com até 5 MW de capacidade instalada.
“O que a gente eventualmente discute é a possibilidade de você ter um mecanismo mais simplificado, onde possa eventualmente não só ficar dependendo da CCEE. Mas isso seria para o caso de um aperfeiçoamento na legislação. Para esse curto prazo agora, enquanto estiver em vigor a medida provisória, a gente tem que tratar do jeito que ela é”, explica o executivo.
Lenzi destacou que as emendas à MP que propõem o aperfeiçoamento do processo competitivo refletem também as preocupações com algumas questões tributárias. Já Alessandra Torres, presidente da Abrapch, disse que as duas associações que representam PCHs e CGHs, estão alinhadas em relação ao tema.
Interessados
A negociação dos débitos das pequenas usinas é vista como uma oportunidade por outros geradores hidrelétricos participantes do Mecanismo de Realocação de Energia, um condomínio onde há o compartilhamento do risco hidrológico. Na operação coordenada pela CCEE o proprietário de uma usina maior poderá negociar a aquisição de títulos correspondentes aos valores não pagos na liquidação do mercado de curto prazo, em troca da extensão do prazo de outorga do empreendimento participante do MRE, limitada a sete anos.
O presidente da Abiape, Mário Menel, destaca que os valores retidos na liquidação do MCP tem atrapalhado o funcionamento do mercado. Como representante de grandes consumidores industriais que investem em produção de energia para consumo próprio, ele admite que tem considerado a possibilidade de participação dos associados no mecanismo competitivo.
Menel justifica a pressa dos geradores para que o dispositivo da medida provisória produza efeitos durante a vigência da norma lembrando que pode não ter o recesso do meio do ano no Congresso Nacional. “Como parece que não vai ter o recesso, vai ser um recesso branco, isso significa que o prazo é 120 dias mesmo, corrido.”
Produtores independentes de energia que tem hidrelétricas no MRE também estão motivados a participar do processo competitivo, segundo o presidente da Apine, Rui Altieri. O executivo destaca que a repactuação do risco hidrológico anos atrás foi uma experiência muito bem executada e com com excelentes resultados, e o processo atual tem tudo para dar certo.
“Nós conversamos com a CCEE para pedir para que eles apresentem o cronograma. É isso o que os geradores estão bastante ansiosos para conhecer, as condições que vão ser feitas, porque a MP dá as linhas gerais,” afirma Altieri.
Os geradores, segundo ele, têm interesse na disputa pela possibilidade de extensão do prazo das concessões, que pode ser de meses ou anos, dependendo da situação.
A avaliação entre as associações é de nem o governo nem a CCEE vão inventar a roda, uma vez que o comando da MP é claro em relação ao leilão. A CCEE tem experiência na realização de certames, e, além disso, todo o processo de repactuação do risco hidrológico, com o cálculo de prorrogação da concessões, já está regulamentado pela Aneel.
Por esse raciocínio, o modelo atual não pode ser uma coisa diferente do que já foi feito, o que facilita, em tese, uma definição rápida dos procedimentos do certame. Ainda assim, os geradores consideram importante que o assunto seja tratado em uma portaria do MME, para evitar futuras ações judiciais. Mas há um risco de atraso no calendário proposto, se o ministério considerar necessária a realização de consulta pública.
Judicialização
As ações movidas desde 2015 pela Abragel para limitar a 5% o deslocamento hidráulico refletido no GSF envolvem entre 25 e 30 empresas associadas da entidade. Os processos da associação estão no Superior Tribunal de Justiça, mas existem ainda mais de 30 ações de outros agentes tramitando nos tribunais. “Pode ser que nessas ações tenha PCH ou UHEs que não entraram nos modelos de repactuação e de indenização, que exigia aquela desistência e renúncia das leis anteriores. Mas é provável que tenha também várias CGHs,” explica o advogado Lucas Baggio, que representa a Abragel nos processos da associação.
Baggio acredita que a solução proposta na MP 1300 pode não resolver de forma definitiva a questão da inadimplência na CCEE. Ele argumenta que apenas os agentes protegidos por liminares serão contemplados nesse acordo, deixando fora do mecanismo competitivo uma outra parcela de pequenos geradores que tiveram suas liminares suspensas e pagaram os valores cobrados à época.
Das cerca de 30 ações judiciais, segundo ele, umas 13 ações sem liminar continuam tramitando. São situações na quais os geradores pagaram os custos do GSF, mas, podem, eventualmente, obter uma sentença favorável ao final do processo, gerando um crédito a ser ressarcido.
Urias Martiniano, sócio do UMN Advogados, considera vergonhoso que o setor esteja há dez anos sem conseguir normalizar as operações do mercado de curto prazo. Em sua avaliação, a ideia do mecanismo competitivo foi muito bem estruturada pelo MME, mas existem alguns desafios.
O primeiro deles é garantir a participação dos agentes, sendo suficientemente atrativo para quem vai comprar os títulos, na perspectiva de estender o prazo da outorga. A tendência é de que muitas CGHs, que antes não conseguiram repactuar o risco hidrológico, participem do certame.
“Só que ainda existem empresas que não aderiram, não porque não poderiam, mas porque não foi atrativo.(…) Será que houve uma análise detalhada do governo para que essa proposta também abarcasse esses agentes, ou ela acaba sendo uma medida mais focada para quem tem CGH?,” questiona o advogado.
Outra questão relevante é se as empresas que participarem do mecanismo terão não apenas o passado, mas o futuro solucionado em relação aos efeitos do GSF. Para Martiniano, é preciso haver uma garantia de que o futuro também estará repactuado.
Imagem e Conteúdo por Canal Energia.
https://www.canalenergia.com.br/especiais/53313967/mp-1300-setor-pede-pressa-na-negociacao-de-debitos-do-gsf
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