Por uma norma geral dos encargos e subsídios do setor elétrico


Na atual gestão do Ministério de Minas e Energia, tem sido defendida uma redução nos encargos e subsídios do setor.

Dois temas encontram-se no centro de diversas discussões envolvendo o setor elétrico: encargos e subsídios setoriais, conceitos esses que em parte se confundem e em outra parte descrevem situações distintas, sendo certo que há uma preocupação com o seu impacto financeiro no setor elétrico e sua repercussão no restante da economia.

Nesse sentido, na atual gestão do Ministério de Minas e Energia (MME), desde 2023, tem sido defendida uma redução nos encargos e subsídios do setor. Por sua vez, a ANEEL informa em seu Subsidiômetro que esses representam aproximadamente 13,66% da tarifa dos consumidores residenciais, sendo os valores totais crescentes, tendo sido ampliados de quase dezenove bilhões de reais em 2018 para quarenta e oito bilhões de reais em 2024.

No que diz respeito à população, pesquisa de opinião do IPEC apontou que o valor da energia elétrica é percebido pelas famílias como o segundo custo que mais impacta no seu orçamento. A situação dos setores econômicos não é distinta cabendo a menção a posicionamentos da Confederação Nacional da Indústria pela insustentabilidade do emprego dos encargos, em especial à CDE para o desenvolvimento setorial. Em sentido semelhante, diversas associações setoriais como a ABCE, ABRACE, ABRADEE, ANACE, APINE, ABRAGE, ABRACEEL, ABEEÓLICA e ABIAPE já manifestaram descontentamento com a situação dos encargos e subsídios do setor elétrico, sendo exemplo recente, a discussão envolvendo os subsídios da Lei das Eólicas Offshore (Lei n. 15.097/2025), onde dezessete associações e entidades setoriais apoiaram a manutenção dos vetos presidenciais.

Os impactos econômicos dos encargos e subsídios possuem repercussões inflacionárias, seja pela energia elétrica ser um insumo fundamental de diversas atividades industriais e comerciais, além do custo da energia ser um dos itens que participam da composição do IPCA-E.

Não há como se descuidar da importância que cumprem esses encargos e subsídios, em especial aqueles destinados à universalização do acesso à energia e fomento à população de baixa renda, ao atendimento dos sistemas isolados e à segurança energética, de maneira que uma solução a ser dada deverá passar, necessariamente, por uma ponderação de interesses e não pela supressão completa dos mecanismos.

Para além das discussões políticas e setoriais, o tema dos encargos e subsídios setoriais tem encontrado intensa judicialização, cabendo referir demandas coletivas ajuizadas por associações setoriais envolvendo a composição da CDE perante a Seção Judiciária do Distrito Federal, e demandas individuais de empresas que levaram ao STJ ter definido que a participação da União e ANEEL nesses processos não é cabível (Tema n. 1148).

Recentemente, são verificadas diversas ações quanto ao tema conhecido como “Optante B” da modalidade autoconsumo remoto, no qual consumidores insurgem-se contra a Resolução Normativa ANEEL n. 1.000/2021. Há ainda a busca dos geradores renováveis de compensação por meio do ESS quanto aos eventos de constrained-off/curtailment e cuja discussão aportou ao STJ no âmbito da Suspensão de Liminar e de Sentença n. 3.546, na qual foi deferida pelo Presidente da Corte a suspensão de decisões oriundas do Tribunal Regional da 1ª Região.

Até aqui as categorias encargos e subsídios setoriais foram agrupados por termos discutido, principalmente, seus impactos financeiros, econômicos e sociais, entretanto, se buscarmos um caminho para enfrentamento da situação que apresente a devida segurança jurídica, fundamental se faz uma conceituação mais estrita de ambos.

O termo “encargo” é um tanto amplo, pois em geral representa apenas um sinônimo de “obrigação”, podendo descrever tributos, custos financeiros, e obrigações tarifárias propriamente ditas. Assim, ao se falar em “encargos setoriais” é natural e adequado que sejam reunidas verbas de diferentes naturezas. Como exemplo, a lição de Loureiro, Dias, Sena, Ramalho e Souza lista enquanto itens dessa categoria a CDE – Conta de Desenvolvimento Energético prevista na Lei n. 10.438/2002, a TFSEE-Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica prevista na Lei n. 9.427/96, o PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas previsto na Lei n. 10.438/2002, a RGR – Reserva Global de Reversão prevista na Lei n. 5.655/71, a CFURH – Compensação Financeira pela utilização de Recursos Hídricos, prevista no art. 21, XIX, da CF, o ESS – Encargos de Serviço de Sistema prevista na Lei n. 9.648/98, a Contribuição Associativa do ONS – prevista na Lei n. 9.648/98, P&D/EE – Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética previsto na Lei n. 9.991/2000 e o ERR – Encargo de Energia de Reserva – ERR, previsto na Lei n. 10.848/2004.

Para fins deste artigo, passaremos a especificar enquanto encargos setoriais apenas as obrigações tarifárias propriamente ditas, excluindo-se aquelas de cunho tributário (TFSEE), royalties do setor elétrico (CFURH) ou associativo (Contribuição Associativa do ONS).

Consideraremos encargos stricto sensu apenas aquelas que sejam obrigações tarifárias acessórias, como a CDE, o PROINFA, a RGR, o ESS, o ERR e P&D/EE. Essas vieram a ter seu regime jurídico consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da ADC n. 9, na qual a Corte admitiu a existência de sobretarifas que se destinem não apenas à contraprestação direta do serviço público, mas a atender políticas públicas, havendo sua compatibilidade com o art. 175, parágrafo único, III, da CF. Essa tendência foi mantida em diversos julgamentos como os Recursos Extraordinários 576189, 541.511, 484.311 e Agravos Regimentais em Recursos Extraordinários 598.826 e 988.591. Ou seja, os encargos stricto sensu possuem uma natureza jurídica própria que, ao lado das tarifas e dos royalties, os colocam na categoria de preços públicos.

Passemos agora à classe dos subsídios setoriais, que, apesar de estarem intimamente ligados aos encargos stricto sensu com esses não se confundem, pois, em diversos casos, não assumem a forma de obrigações tarifárias acessórias, mas impactam as tarifas dos demais usuários por meio de isenções de obrigações, regimes especiais ou de subsídios cruzados implícitos. Efetuando uma comparação com a matéria tributária, os subsídios setoriais são mais próximos de incentivos fiscais e regimes tributários especiais do que dos tributos ou seu proveito.

Dessa maneira, a discussão quanto a valores substanciais não pode ser simplesmente enfrentada pela lente dos encargos stricto sensu, devendo incluir instrumentos que permitam estimar impactos dessas outras categorias como, por exemplo, o impacto da Geração Distribuída que representa aproximadamente 25 % (vinte cinco por cento) dos subsídios existentes conforme dados da ANEEL.

Assentada a problemática e a distinção de categoria, passemos então a discutir o veículo legislativo que melhor cumpriria as funções de enfrentar tamanho desafio político, econômico e social.

De início, afigura-se pouco provável que o uso de instrumentos regulamentares e regulatórios (Decretos, Portarias Normativas, Resoluções da ANEEL, Resoluções do CNPE), ofereçam maior pacificação da situação jurídica, especialmente, pelo fato dos Tribunais Superiores tem recusado o conhecimento de diversos temas ao considerar esses como ofensas reflexas ou discussão envolvendo normas infralegais. Isso se tornou mais pronunciado agora pelo fato do STJ ter entendido que a ANEEL e União não são partes legítimas nas ações que tratam de normas sobre a CDE (Tema n 1.148), entendimento que, caso seja mantido, acabará por proliferar jurisprudência por todos os 27 (vinte e sete) Tribunais de Justiça sem instrumento de sua unificação.

A segunda alternativa, poder-se-ia cogitar do uso de Medida Provisória, ferramenta por meio da qual foi introduzida boa parte da legislação do setor, ou mesmo de lei ordinária, porém, não parece ser esse o melhor caminho. Uma medida provisória não poderia (art. 62 § 1º, I, b, da CF) abordar temas processuais civis para a defesa do novo regime que seria instituído e incluir a participação da ANEEL nas ações (superando o Tema n. 1.148 pelo Superior Tribunal de Justiça). Ademais, o cenário de subsídios foi construído a nível legal, sendo necessário também a instituição de limites ao legislador, o que uma norma a esse nível hierárquico não poderia fazer, sendo revogada por qualquer legislação superveniente, caminho esse já conhecido (vide Medida Provisória n. 579/2012, convertida na Lei nº 12.783/2013).

Uma alternativa que poderia parecer evidente para impor limites ao legislador seria a introdução de uma Emenda Constitucional contendo a matéria, entretanto, incluir tamanho volume de matérias na Constituição impediria um grau necessário de flexibilidade para o setor elétrico que demanda adaptações.

A solução parece residir em um meio termo que é atualmente empregado em outros ramos do direito com sucesso, que garante limites ao legislador ordinário, ao tempo que assegura espaço de adaptações, esse é da previsão a nível constitucional de reserva de lei complementar para determinados temas e a edição de uma lei complementar regulamentadora desse dispositivo que contenha o detalhamento e permita os ajustes que se fizerem necessários.

Exemplos desse regime de normas gerais complementares são parcela o Código Tributário Nacional (exigida pelo art. 146, da CF), os temas de direito financeiro (arts. 163 e seguintes da CF). No direito financeiro, há inclusive, um precedente relevantíssimo na Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige que toda medida, inclusive legislativa, possua previsão de impactos e compensações (artigos 14, 16, 17, e 24).

Assim, entende-se ideal uma emenda constitucional prevendo a reserva de uma lei complementar para as questões estruturais envolvendo os encargos stricto sensu, atuando como algo próximo a um “Código Tarifário Elétrico”, e colocando limites econômicos à proliferação de subsídios, nesse particular atuando enquanto “Lei de Responsabilidade Elétrica”, a explicar o título do presente ensaio.

Em se partindo para o exercício de lege ferenda, o ideal seria a inclusão do artigo 176-A à CF, cujo caput seria simplesmente composto pela expressão: “Cabe à lei complementar:” seguidos dos incisos que fixarão os temas reservados à norma geral a ser editada no futuro.

O primeiro inciso reservaria à lei complementar o estabelecimento de normas gerais envolvendo encargos e subsídios incidentes sobre a geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, o que oportunizaria as distinções entre o veículo de cobrança do encargo, a definição do consumidor enquanto “tarifado de fato”, a fixação de prazos prescricionais para a discussão da matéria em períodos inferiores, visando a não desestabilizar exercícios futuros etc.

O segundo inciso atenderia à fundamental preocupação com o impacto financeiro global dos subsídios e encargos, determinando que caberia à Lei Complementar fixar limites globais de encargos, o regime de atualização desse limite por índice oficial de inflação, ainda que estivessem excluídos do limite verbas que se destinassem diretamente aos consumidores de baixa renda, àqueles atendidos por sistemas isolados e destinados à segurança energética.

Um terceiro inciso poderia prever que caberia à lei complementar fixar a forma de criação, ampliação ou revisão de encargos e dos subsídios, incluindo as vedações do seu emprego e a possibilidade de instituição de encargo incidente sobre beneficiários de subsídios que ocasionassem a superação de limites.

Por fim, um quarto inciso abordaria o regime de responsabilidade pela preservação da norma geral e deveria prever que caberia a essa legislação complementar fixar instrumentos processuais civis próprios para resguardar a unicidade da normatização e sua equação financeira, garantindo-se expressamente, a participação da União e de autarquia sob regime especial por essa criada (ANEEL) para intervir nos feitos envolvendo encargos e subsídios setoriais.

Dessa maneira, reputa-se através de reserva de lei complementar por meio de emenda constitucional de conteúdo singelo, seria possível oferecer instrumentos à evitar a repetição do cenário de descontentamento generalizado hoje verificado ao mesmo tempo em que se assegurasse o atendimento de necessidades setoriais com a devida segurança jurídica.

Por Portal Jota.
https://www.jota.info/artigos/por-uma-norma-geral-dos-encargos-e-subsidios-do-setor-eletrico

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