Inexistente há 20 anos, geração de energia a partir de luz do sol, ventos e biomassa vai alcançar 51% da capacidade instalada no país em 2029.
Dono de uma das matrizes de energia mais limpas do mundo, o Brasil vai chegar ao fim desta década ostentando seu papel de protagonista na geração de eletricidade sustentável. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a previsão é que a participação da biomassa (bagaço da cana-de-açúcar) e das fontes solar e eólica suba dos atuais 44,4% para 51% da capacidade instalada no país já em 2029, superando as usinas hidrelétricas, cuja fatia cairá de 45,9% para 41,5%.
Há 20 anos, mais de 84% da eletricidade consumida no Brasil era produzida por hidrelétricas, que são uma fonte de energia “limpa” por não usarem combustíveis fósseis. Ainda assim, essas instalações geram grande impacto no meio ambiente. Além disso, sua eficácia vem sendo comprometida pela redução dos índices de chuva e da vazão de rios em certas regiões. Por isso, especialistas frisam a importância de se diversificar a matriz com fontes que, há duas décadas, eram quase inexistentes.
Essa diversificação vem acontecendo a reboque de investimentos bilionários. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), estima aportes de ao menos R$ 255 bilhões em projetos renováveis espalhados pelo território nacional. A expectativa é comemorada por ambientalistas, sobretudo no ano em que o Brasil sediará, em novembro, a 30a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, no Pará.
Nesta terça-feira, ativistas de diversos países celebram o Dia da Terra e promovem a campanha Nosso Poder, Nosso Planeta, defendendo o uso de energia limpa para reduzir as emissões de gases tóxicos No Brasil, o avanço das renováveis pode ser ainda maior, já que novas tecnologias vêm ganhando força, como o hidrogênio verde e o uso de baterias capazes de armazenar a eletricidade gerada pelo Sol e pelos ventos. O governo pretende fazer o primeiro leilão de baterias ainda neste ano, diz o MME.
Principal geradora de energia renovável do país, a Eletrobras investe R$ 2,4 bilhões para construir um parque eólico em Sant’Ana do Livramento, no Rio Grande do Sul, que poderá atender 1,5 milhão de consumidores. As apostas de curto e médio prazo da companhia incluem ainda a criação de uma carteira de projetos solares associados a usinas eólicas e hidrelétricas. A empresa estuda também o uso do Sol em projetos envolvendo baterias e produção de hidrogênio.
— Vamos presenciar importantes mudanças no setor, impulsionadas pela transição para uma economia de baixo carbono, e entendemos que temos papel fundamental nesse cenário, gerando e transmitindo energia limpa para todo o país — avalia Rodrigo Limp, vice-presidente de Regulação, Institucional e Mercado da Eletrobras.
A Helexia, do Grupo Voltalia, também aposta na energia solar. A companhia investe R$ 1,2 bilhão em projetos Brasil afora. A meta, afirma Aurélien Maudonnet, CEO da Helexia Brasil, é concluir todos os projetos até o fim do primeiro semestre:
— Temos recursos renováveis abundantes, com fatores de capacidade bem maiores que na Europa. Há espaço para realizar esses projetos, enquanto, na Europa, há uma limitação de terrenos disponíveis. Isso torna os projetos bem mais rentáveis. As energias renováveis são uma vantagem competitiva do Brasil. Não podemos deixar de utilizar esse recurso. Precisamos pensar como essas energias se inserem na matriz de forma planejada.
Já a Enel Green Power acaba de iniciar a operação de três novas instalações eólicas e solares na Bahia e em Minas Gerais, o que ajudou a companhia a dobrar sua capacidade no país. Mas, segundo o executivo Bruno Riga, há desafios para que esse potencial seja mais bem aproveitado no Brasil:
— O crescimento das solares e eólicas é muito relevante para diversificar a matriz, reduzindo custos e apoiando o sistema quando há menos recurso hídrico — analisa ele, antes de fazer a ressalva: — Mas isso pode ser mais bem aproveitado com o avanço de sua gestão. O sistema elétrico brasileiro ainda não está apto a aproveitar plenamente os benefícios. O país precisa expandir sua infraestrutura de transmissão e os sistemas de armazenamento de energia gerada, com as baterias.
O grupo Energisa, que criou a marca (re)energisa, tem hoje 117 usinas solares em nove estados e prevê investimentos de R$ 215 milhões este ano, diz Fernando Maia, vice-presidente de Regulação e Relações Institucionais. A empresa também investe no reaproveitamento de matérias-primas para gerar energia. Uma instalação de biofertilizantes, a ser construída em Campos Novos, Santa Catarina, com aportes de outros R$ 100 milhões, produzirá biogás e biometano a partir de resíduos agrícolas.
— Os biofertilizantes vão atender às lavouras em torno do empreendimento. Para a transição se tornar realidade, com segurança energética, é preciso adicionar fontes à matriz brasileira. A produção de biogás e biometano, a partir de resíduos agropecuários, gera energia e também reduz emissões de gases de efeito estufa — observa o executivo da Energisa.
Até empresas produtoras de combustíveis fósseis avançam na agenda de descarbonização. A Acelen, dona da refinaria de Mataripe, na Bahia, vai construir um parque solar com aportes de US$ 100 milhões. A companhia também planeja investir até US$ 3 bilhões para usar a macaúba, planta nativa do país, na produção de combustível verde. O projeto prevê cultivo de macaúba em 180 mil hectares de terras degradadas em Minas Gerais e Bahia, destinando 20% da área à agricultura familiar e a pequenos produtores.
Para Márcio Rea, diretor-geral do ONS, o crescimento da capacidade de geração no Brasil a partir de fontes renováveis não hídricas posiciona o Brasil na vanguarda do tema globalmente.
— Os desafios que um setor elétrico com esse perfil traz estão ligados à necessidade de maior flexibilidade de operação das fontes convencionais, especialmente das hidrelétricas, mais controláveis e capazes de regular a potência disponível. Seguimos realizando estudos de planejamento e monitorando diferentes cenários.
Por outro lado, ambientalistas frisam que a produção de energia eólica no Brasil precisa passar por uma regulação e uma fiscalização mais rigorosas. Seu impacto nos ecossistemas não é grave como o causado por grandes hidrelétricas, como a usina de Belo Monte, no Pará, mas diferentes comunidades no Nordeste do país criticam o desequilíbrio ecológico, causado pela multiplicação dos moinhos de vento, com poluição sonora e danos à biodiversidade.
— A expansão de usinas de energia eólica e solar se deu de forma muito conturbada em estados do Nordeste, com conflitos territoriais, prejuízos à saúde e abuso contratual de famílias vulneráveis na área de muitas instalações — afirma o porta-voz do Greenpeace Brasil, Rárisson Sampaio.
No comment