Segurança energética está no topo das agendas mundiais, agora agravada pela guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.
Nos últimos 25 anos, apesar do aumento da exploração de petróleo, o Brasil manteve sua matriz energética baseada em fontes renováveis. Hoje, metade da energia consumida – combustíveis, eletricidade – está ancorada em fontes limpas, enquanto no mundo o percentual está em 15%. A diferença é o uso de carvão na Europa ou em nações emergentes, como China e Índia. Já entre as 20 maiores economias do mundo, a matriz elétrica brasileira (que só reúne fontes de geração de eletricidade, como hidrelétricas e usinas solares e eólicas) é a mais renovável de
todas, com 85%.
A evolução das matrizes energética e elétrica brasileira nos últimos 25 anos é marcada pela resposta à crise do petróleo da década de 1970, pela descoberta de petróleo na Bacia de Campos e depois da camada pré-sal, pela diversificação da geração de eletricidade – com térmicas a gás natural e fontes renováveis variáveis, como eólicas e solares – diante de dificuldades crescentes de construção de usinas com reservatórios e pela inauguração da usina nuclear de Angra em 2000. Esse quadro cria oportunidades e desafios para as próximas décadas para o Brasil em um cenário geopolítico instável.
“A guerra comercial entre Estados Unidos e China traz ainda mais desafios e questões sobre as cadeias de valor de energia e metais raros e traz a segurança energética no topo das agendas mundiais. Os países devem repensar suas políticas, tecnologias e fontes que podem ser usadas”, diz a pesquisadora sênior na Universidade de Amsterdã Drielli Peyerl.
“Sediar a COP30 dá um púlpito para o Brasil, que pode se beneficiar desse cenário geopolítico instável. Os países emergentes estão bem posicionados”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. Além de mineração e processamento de metais raros, por exemplo, usados em veículos elétricos, a China lidera as cadeias
eólica, solar e de baterias, com mais de 60% da produção mundial.
Já o Brasil é líder na produção de biocombusível. Como resposta ao primeiro choque do petróleo em 1973, lançou o Proálcool dois anos depois, e hoje cerca de 90% da frota de veículos leves do Brasil pode ser abastecida com etanol. O país pode ainda destravar o mercado global de combustível sustentável de aviação, que polui até
80% menos do que o querosene tradicionalmente usado. A deve começar a produzir biocombustível por meio do coprocessamento com óleos vegetais em refinarias.
O desafio brasileiro é reduzir as emissões a diesel. Com uma frota de pouco mais de 2 milhões de caminhões, o setor de transportes responde por cerca de 10% das emissões brasileiras. As cargas domésticas representam dois terços de toda carga transportada no país.
“Isso exigirá uma solução. O primeiro passo é projetar a circulação de mercadorias no Brasil para identificar quais serão os problemas de logística do futuro, os gargalos de infraestrutura. A partir daí, é necessário estabelecer critérios claros para hierarquizar os gargalos e identificar alternativas para solucioná-los”, diz André Ferreira, do Instituto de Energia e Meio Ambiente. Com mais de 25 milhões de viagens anuais, o transporte de passageiros também poderia ser modernizado.
Cerca de 90% dos ônibus do país trafegam em vias no litoral. Na maior cidade do Brasil, dos mais de 12 mil veículos em operação em São Paulo, menos de 5% são elétricos. Eletrificar os veículos seria uma forma de reduzir a poluição sonora e ambiental, assim como discutir alternativas, como o gás, diz o ex-diretor-geral da
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) David Zylbersztajn. “Fala-se muito em abrir em exploração e produção de petróleo e derivados, mas é preciso atacar a questão da demanda.”
Há 25 anos, 80% do vinha da Bacia de Campos. Hoje, 75% é oriundo de campos no pré-sal, que também são ricos em gás. Em 2000, o país tinha no gás boliviano sua principal fonte do insumo, que no início teve térmicas como
âncora para apoiar sua expansão. Agora o governo trabalha para que o gás doméstico tenha mercado.
“O gás pode ser um apoio no setor elétrico e pode dar competitividade para a indústria”, diz a diretora de petróleo e gás da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Heloisa Borges. Foi lançada em abril chamada pública do plano de infraestruturas de gás e biometano. Hoje o país possui uma malha com cerca de 4,5 mil quilômetros de
gasodutos de escoamento e pouco mais de nove 9 km de gasodutos de transporte.
A oferta nacional deve crescer devido ao aumento da produção de petróleo no pré-sal, com a oferta potencial nacional passando de 55 milhões de metros cúbicos por dia para 100 milhões de metros cúbicos/dia entre 2024 e 2034.
A demanda por energia cresce, em parte, com o avanço da inteligência artificial (IA). Para contornar as emissões, grandes empresas de tecnologia têm investido em “data centers” alimentados por fontes mais limpas. Nos Estados Unidos, isso tem levado Google e Microsoft a investirem em energia nuclear. O Brasil, que tem cerca de 1% da matriz energética ligada à fonte, terá de decidir nos próximos meses se levará adiante ou não o projeto de finalizar a usina nuclear de Angra 3. Em fevereiro, em reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a decisão foi adiada.
Em voto na reunião, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que “a não aprovação pelo CNPE resultará em aportes imediatos dos acionistas, incluindo a União, de até R$ 14 bilhões, onerando ainda mais a população brasileira, bem como acarretará a rescisão dos contratos com os fornecedores com todos os custos
inerentes para a desmobilização” da usina.
No setor elétrico, o avanço da geração descentralizada e das fontes variáveis, como eólicas e solares, tem criado desafios, como quando os 5 milhões de painéis fotovoltaicos param de gerar energia quando o sol se põe. Essa rampa faz com que o Operador Nacional do Sistema (ONS) tenha de despachar 30 GW de energia em poucas horas. Isso tem levado o governo a estruturar leilões de contratação de mais potência térmica e ampliação de hidrelétricas existentes, além da contratação de sistemas de armazenamento.
“O recurso escasso hoje não é energia, mas potência e flexibilidade”, diz o ex-diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) Edvaldo Santana.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/25-anos/noticia/2025/04/30/matriz-brasileira-e-competitiva-mas-desafio-persiste.ghtml
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