Brasil tem oportunidade de alavancar economia com transição energética; veja como


Com 48,5% da matriz energética ligada a fontes renováveis, País pode atrair indústrias que precisam reduzir suas emissões de gases poluentes.

Com sete complexos de energia eólica no Nordeste e mais dois de energia solar em construção, a Casa dos Ventos aposta no fato de que diversas indústrias deverão demandar energia limpa nos próximos anos – algumas delas terão de substituir suas caldeiras a diesel ou a gás por equipamentos eletrificados.

Na visão da empresa, a necessidade de o mundo reduzir as emissões de gases poluentes para deter o aquecimento global ampliará o mercado de energia renovável. Daí, o aumento de investimentos na área. Só as usinas solares, receberão um aporte de R$ 1 bilhão. A companhia também trabalha para instalar uma usina de hidrogênio verde de US$ 8,4 bilhões (quase R$ 49 bilhões) no Porto do Pecém, em Fortaleza.

“A gente entende que essa é uma grande oportunidade para o Brasil. Talvez não seja nem a oportunidade da década, mas a oportunidade da nossa geração”, diz o diretor executivo da Casa dos Ventos, Lucas Araripe. “Com a premissa de que os produtos vão ter de se tornar ‘verdes’, seja por exigência do consumidor, seja por tributação de carbono, as sociedades vão se movimentar para reduzir as emissões. E o Brasil tem as matérias-primas para isso. A discussão é apenas em que velocidade isso vai acontecer”, acrescenta.

Os projetos da Casa dos Ventos são exemplos de investimentos que podem ajudar não só a descarbonização, mas a alavancar a economia do País. Privilegiado por ter 48,5% de sua matriz energética ligada a fontes renováveis, como água, vento e incidência solar, o Brasil é um dos países que podem oferecer soluções de energia limpa para o mundo. A média global de fontes de energia renovável é de 15%.

Esse perfil da matriz energética do Brasil permite que, conforme a transição energética se torne uma realidade, o País atraia indústrias de todo o mundo, de acordo com o professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e diretor executivo do Climate Policy Initiative, Juliano Assunção. “A área do Brasil com o pior desempenho para produzir energia solar, por exemplo, é melhor que a área com melhor desempenho na Alemanha. O potencial brasileiro é enorme, sobretudo no Nordeste, que é uma das nossas regiões mais pobres.”

Assunção faz analogia com a China dos últimos 20 anos, que provocou mudanças profundas nas cadeias produtivas globais ao oferecer trabalho abundante, barato e relativamente qualificado. “Em um mundo que se preocupa com o clima, o País poderia provocar um movimento semelhante ao da China, ainda que em intensidade diferente.”

No setor industrial, o Brasil poderia atrair empresas de cimento, de siderurgia e data centers, acrescenta o economista. Todas elas demandam grandes volumes de energia para produzir e provocariam menos emissões de gases aqui do que em países europeus.

Vantagem energética
Um estudo da PwC Strategy, encomendado pela Abrace Energia (associação que representa os grandes consumidores de energia do País), aponta que, enquanto a China emite 580 quilos de carbono para gerar um megawatt de energia por hora, o Brasil emite 100 quilos. Nos Estados Unidos e no Canadá, a emissão é de 370 quilos e 300 quilos, respectivamente.

O levantamento mostra ainda que a transição energética, aliada a atividades de bioeconomia e economia circular, pode acrescentar R$ 930 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o equivalente a 7,9% do registrado em 2024.

Assim, a transição energética seria chave para alavancar a indústria, um setor que foi capaz de elevar o PIB per capita de outros países e de sustentar episódios de crescimento por mais tempo, como ocorreu na China e na Coreia do Sul, por exemplo. No Brasil, no entanto, a indústria vem perdendo importância na economia. Em 1985, quando atingiu o pico, sua participação no PIB chegou a 48%. Hoje, está em 25%.

“Aproveitar o processo de transição energética para nos tornarmos competitivos em determinados segmentos industriais é uma oportunidade incrível para a gente se reinserir também nas cadeias globais”, diz Daniel Martins, sócio da PwC. Ainda de acordo com ele, o Brasil poderia ampliar a exportação de produtos que não são commodities. Hoje, itens dessa categoria são responsáveis por apenas 30% das embarcações do País.

Martins lembra que o efeito multiplicador da indústria é maior que o de outros segmentos. Por isso, a importância de se investir nela e aproveitar a transição energética para fortalecê-la. A cada cem empregos criados no segmento, outros 190 surgem na economia como um todo. E, a cada R$ 1 investido na área, são gerados entre R$ 2,14 e R$ 2,40 na economia. No agro, esses números ficam entre R$ 1,46 e R$ 1,66 e, nos serviços, entre R$ 1,46 e R$ 1,50.

O salário dos trabalhadores brasileiros na indústria também é mais alto. Para aqueles com ensino superior, a média é de R$ 11,8 mil, enquanto em outros setores, de R$ 8,1 mil. O mesmo acontece entre os que têm apenas ensino médio completo. A média fica em R$ 3,1 mil na indústria e em R$ 2,7 mil nos outros segmentos.

Doutora em economia do meio ambiente e diretora do escritório da Comissão Econômica para América Latina e Caribe da ONU (Cepal) no Brasil, Camila Gramkow também afirma que a transição energética é uma oportunidade para o País desenvolver cadeias produtivas. Na visão da economista, o desenvolvimento dessas cadeias é essencial para que o País consiga lidar com danos climáticos e também tenha ganhos socioeconômicos.

O consultor Arthur Ramos, sócio do BCG, afirma que, se o Brasil se preparar não só para reduzir suas emissões, mas para oferecer soluções que diminuam as emissões de terceiros, a formação bruta de capital fixo aumentaria entre 60% e 70%. “Uma das razões que faz com que sejamos um país de renda média é que investimos pouco, cerca de 17% do PIB%. A gente precisa sair desse modelo de baixo investimento.”

Além da indústria
A retomada da indústria seria um dos grandes benefícios da transição energética. Mas outros setores também poderiam ser impulsionados com a busca pela redução das emissões. O agro é um deles. A necessidade global de combustíveis limpos, feitos a partir de biomassa (milho, soja e palma, por exemplo), pode ser suprida em parte pelo Brasil, que tem expertise na área após décadas produzindo etanol. O País ainda tem áreas que já foram desmatadas e poderiam ser cultivadas para a produção de biocombustíveis.

“O Brasil ocupou seu território motivado por defender novas fronteiras. O desmatamento ocorreu. Hoje temos uma área gigantesca com potencial produtivo”, afirma Assunção, do Climate Policy Initiative. O País pode tanto explorar essa área de forma sustentável, com integração lavoura-pecuária-floresta, como regenerar a vegetação nativa para vender créditos de carbono.

Para aproveitar todas essas oportunidades, porém, os especialistas afirmam que o Brasil precisa reduzir os custos de investimento. Há uma preocupação com a possibilidade de os juros altos dificultarem o acesso a financiamentos.

Outro fator que pode inviabilizar projetos é o custo da energia. Apesar de barata, os encargos encarecem as tarifas. Atualmente, eles representam de 55% a 70% do preço pago pelos consumidores, de acordo com o levantamento da PwC Strategy.

“O governo tem de reduzir o Custo Brasil para ajudar os recursos a virem. Se isso for feito e o mundo realmente estiver preocupado com o clima, as oportunidades serão realizadas de forma natural”, acrescenta Assunção.

O economista destaca que o País tem uma janela de 20 a 30 anos para se beneficiar das vantagens que tem na área energética. Isso porque, nesse intervalo, soluções tecnológicas podem surgir em outras localidades, como a captura de carbono a preços acessíveis.

Assunção lembra, no entanto, de outro importante fator que joga contra a concretização dos investimentos no Brasil: a falta de ambição global em reduzir o aquecimento. “Não está claro que o mundo está levando a agenda climática a sério. Estamos atrasados em todos os aspectos”, diz. Para ele, entretanto, conforme as perdas econômicas decorrentes de catástrofes climáticas se tornarem frequentes, a busca pela redução das emissões pode ganhar tração.

Camila Gramkow, da Cepal, por outro lado, destaca que, com o retorno de Donald Trump à Casa Branca e a perda de prioridade da agenda climática nos Estados Unidos, a concorrência para oferecer soluções climáticas ao mundo diminui. “O Brasil pode assumir um espaço em alguns nichos específicos na cadeia internacional de valor à medida que outros países reduzem seus incentivos para as energias renováveis.”

De acordo com o consultor Daniel Martins, da PwC, pode fazer sentido aos Estados Unidos apostar mais na indústria de óleo e gás neste momento para garantir a segurança energética. Para o Brasil, porém, a situação é diferente. “O Brasil se beneficia muito mais de uma agenda que caminha para a transição energética, do que uma agenda só focada em petróleo. O Brasil pode explorar crédito de carbono, biocombustível, minerais críticos e energia limpa para a indústria.”

Por Estadão.
https://www.estadao.com.br/150-anos/economia-em-transformacao/brasil-tem-oportunidade-de-alavancar-economia-com-transicao-energetica-veja-como/

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