Cenário mostra recuperação de reservatório e menos uso de térmicas, após pior seca em 80 anos.
As abundantes chuvas que incidem sobre boa parte do país desde dezembro estão permitindo a recuperação dos níveis de armazenamento dos reservatórios das hidrelétricas do país, depois da pior seca da série histórica, em mais de 80 anos, verificada em 2024. Com perspectivas de que o armazenamento continue subindo, projeções indicam um 2025 com menos despacho de térmicas, cujo custo de operação é mais caro. Mas isso não significa total tranquilidade, alertam especialistas.
Antes de 2024, a última crise hídrica foi em 2021, quando o governo precisou lançar mão do uso da geração de todas as térmicas disponíveis. Também realizou um leilão emergencial para contratar novas usinas, que foi alvo de questionamentos. Porém, o cenário mudou quando as chuvas retornaram em 2022 e prosseguiram com menores volumes em 2023.
Além da recuperação dos reservatórios, a maior oferta de energia eólica e solar, a produção de térmicas movidas à bagaço de cana-de-açúcar durante a safra e o acionamento de térmicas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), entre outros fatores, permitiram ao país atravessar a seca histórica no ano passado sem maiores sobressaltos. Segundo o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), projeções apresentadas pelo ONS na reunião mensal do colegiado, no dia 9 de janeiro, indicavam cenários nos quais os armazenamentos ficariam entre 62% e 92% no Sistema Interligado Nacional (SIN) no fim de junho, já no período seco.
Segundo Márcio Rea, diretor-geral do ONS, na quarta-feira (15), os reservatórios do submercado Sudeste/Centro-Oeste, o principal do país, tinha nível de armazenamento de 57,2%, enquanto o Nordeste apresentava 59,5% (veja quadros).
Rea avalia que a combinação de ações preventivas e vazões de rios em torno de 97% da média histórica, representada pela sigla MLT, indica que o sistema elétrico terá uma situação “muito boa” se continuar chovendo onde é necessário: “Estamos trabalhando para armazenar o que é possível.”
Christiano Vieira, diretor de operação do ONS, diz que a estratégia do operador será a de acumular a maior quantidade de água nos reservatórios na estação chuvosa para utilizá-la no período seco. Esse uso, explicou, tende a ser de menor intensidade entre abril e junho por causa da maior geração eólica e solar, aumentando o consumo a partir de julho, quando as temperaturas tendem a ser mais altas. “Há um deplecionamento [redução dos níveis] de 7% a 10% do armazenamento por mês até outubro e novembro, quando volta a estação chuvosa”, afirmou Vieira.
Colunista do Valor, Edvaldo Santana, consultor e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), afirmou, com base em dados do ONS, que “há 20 anos não chove tanto no mês de dezembro no país e janeiro está chovendo muito bem”. O quadro é confirmado por Fred Menezes, diretor-executivo da Armor Energia. Segundo ele, o retorno das chuvas em novembro acelerou a recuperação dos reservatórios das hidrelétricas nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Menezes cita que, em 4 de janeiro, o nível médio era de 54,8% e a expectativa é que, até o fim do período úmido, em novembro, os reservatórios alcancem níveis semelhantes ou superiores aos de 2024.
“Observamos que o ritmo de recuperação dos reservatórios em 2025 está mais rápido e consistente. Segundo a ONS, todos os subsistemas devem ultrapassar 60% de EAR [sigla que significa armazenamento dos reservatórios] até o fim de janeiro, com três deles superando 70%”, destacou Menezes.
“Essa chuva acima da média foi fundamental para inverter a queda nos níveis de armazenamento hidráulico em todo o país. Ao longo desses meses, houve uma recuperação de quase dez pontos percentuais no armazenamento, e iniciamos 2025 com o terceiro maior nível dos últimos cinco anos”, acrescentou Franklin Miguel, presidente da comercializadora Electra Energy.
Um outro sinal de que as chuvas aceleraram a recuperação dos reservatórios é o GSF, indicador que mede a relação entre a energia gerada e a “energia assegurada” das usinas (ou garantia física, como se fala no setor elétrico), que deve ficar em torno de 70% em boa parte do período seco, entre maio e novembro, segundo projeções da Ampére Consultoria. Eólicas, solares e usinas a bagaço de cana tendem a gerar mais energia no período seco, permitindo poupar o uso das hidrelétricas.
O GSF inferior a 100% na média anual significa que as hidrelétricas vão gerar, em média, volumes de energia inferiores aos previstos em seus contratos e terão de comprá-la no mercado para honrar compromissos comerciais, explicou a Ampére. Reservatórios mais cheios indicam preços mais baixos da energia, o que onera menos a reposição dessa eletricidade.
Para os primeiros meses de 2025, a previsão é que os reservatórios permaneçam em “níveis confortáveis”, de modo que o despacho de térmicas seja restrito a usinas com custo de combustível baixo. Para 2025, a Ampére projeta um GSF de 84,3%, contra o índice preliminar de 87,3% em 2024, ainda a ser fechado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Outra tendência verificada com os níveis mais altos dos reservatórios é a de preços mais baixos da energia elétrica no mercado livre (ambiente em que o consumidor pode escolher a usina que vai gerar a eletricidade, bem como as condições contratuais). Miguel, da Electra Energy, salienta que as projeções indicam preços médios em torno de R$ 60 por megawatt-hora (MWh) no primeiro semestre, mas com expectativa de alguma elevação na segunda metade do ano, apontando valores em torno de R$ 130/MWh a R$ 150/MWh. “Essa alta nos preços, mesmo diante de uma condição favorável, está associada principalmente a uma operação mais conservadora do sistema, que em 2025 teve os parâmetros de aversão ao risco elevados.”
Os consumidores do mercado cativo (cuja gestão da energia é feita pelas distribuidoras) também devem se beneficiar do cenário positivo. “Os valores devem fazer com que a bandeira tarifária permaneça verde ao longo de todo o primeiro semestre, sem cobrança adicional dos consumidores, e amarela na segunda parte do ano”, estima a Ampére Consultoria.
Apesar da tranquilidade, o quadro requer atenção permanente. Edvaldo Santana ressaltou que se até o fim de março continuar chovendo dentro da média histórica, o armazenamento das hidrelétricas deve ficar em torno de 90%, o que é melhor do que 2024. Mas mesmo esse número não é suficiente para “soltar fogos”. “Se o período seco de 2025 for muito seco, de temperatura elevada e as hidrelétricas continuarem como principais responsáveis por suportar a rampa do fim da tarde, o ‘conforto hidráulico’ pode reduzir muito a partir de setembro”, avalia.
Rea e Vieira, do ONS, ressaltam que as projeções climáticas não conseguem ser assertivas para períodos acima de 15 dias, mas mesmo nos cenários mais severos traçados pelo ONS, a conclusão é de que a segurança energética está garantida para 2025.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/01/21/chuvas-devem-trazer-alivio-a-consumidor-de-energia.ghtml
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