Com nova regulação, Aneel busca solucionar problemas que ocorreram no passado.

O desenvolvimento tecnológico que possibilitou o incremento da geração de energia elétrica por meio de usinas eólicas e fotovoltaicas provocou uma mudança de paradigma no sistema elétrico brasileiro. Se antes o sistema embasava-se na geração de energia por meio de grandes usinas hidrelétricas e termelétricas, o que se verifica atualmente é cada vez mais a entrada das usinas eólicas e fotovoltaicas no sistema. Dados da Aneel demonstram que, em setembro de 2023, aproximadamente 19% da energia elétrica gerada no Brasil provêm de fontes eólicas e fotovoltaicas.

Além do desenvolvimento tecnológico, outro fator que possibilitou o incremento das fontes eólicas e fotovoltaicas no sistema elétrico brasileiro foi o incentivo conferido pelo Estado para a implementação dessas usinas. Nesse sentido, é importante mencionar que diversas foram as alterações legislativas realizadas no âmbito do art. 26 da Lei 9.427/1996 para prever descontos nas tarifas de uso do sistema de transmissão (TUST) e de distribuição (TUSD) para essas fontes alternativas de geração de energia elétrica. Uma das últimas modificações, e talvez uma das mais relevantes, adveio da Lei 14.120/2021, que
impôs um termo final aos descontos na TUSD e na TUST para os empreendimentos eólicos e fotovoltaicos.

Com isso, com base na Resolução Normativa (REN) 876/2020, diversas companhias solicitaram autorização da Aneel para a implantação de empreendimentos eólicos e fotovoltaicos para geração de energia elétrica. Esse fenômeno ficou conhecido como a “Corrida do Ouro” e caracterizou-se por diversos pedidos de autorização para geração de energia elétrica, que viria a ser comercializada no Ambiente de Contratação Livre (ACL).

Esse cenário de ampla expansão do portfólio de geração de energia elétrica tem trazido desafios para a transmissão, que não consegue se expandir na mesma velocidade que a geração. Ademais, em alguns casos, as solicitantes mal haviam realizado estudos de viabilidade econômico-financeira do empreendimento e, ainda assim, solicitavam a anuência da Aneel para garantir os descontos na TUSD e na TUST.

Com o passar do tempo, a Aneel verificou que muitos desses empreendimentos não teriam condições de entrar em operação comercial na data prevista em suas autorizações. Com isso, a agência emitiu a REN 1.065/2023, que instituiu o chamado Dia do Perdão.

Essa norma previu um mecanismo excepcional para o tratamento das outorgas de geração, a partir da anistia (consistente na revogação da outorga de geração e na rescisão do respectivo CUST celebrado) ou da regularização (com a postergação do prazo de implantação previsto na outorga de geração).

Não obstante a criação do Dia do Perdão, a Aneel resolveu modificar algumas questões envolvendo a solicitação de outorgas de geração de energia elétrica para fontes alternativas, bem como o procedimento de acesso ao sistema de transmissão, visando,
em síntese, assegurar que os compromissos assumidos nas outorgas sejam cumpridos pelos agentes e otimizar o processo de outorga de autorização dos empreendimentos.

Nesse sentido, a Aneel editou as RENs 1.069/2023 e 1.071/2023, sendo que esta última entrou em vigor em 1o de outubro e revogará a REN 876/2020. Dentre as principais alterações no que tange ao procedimento de outorga, uma das mais sensíveis é que agora as solicitantes, no momento do requerimento, já terão de demonstrar terem assinado o
CUST ou o CUSD.[1]

Ademais, foi prevista na nova regulação uma alteração no Módulo 5 da REN 905/2020, que trata das Regras dos Serviços de Transmissão. Nesse sentido, a partir da vigência deste novo módulo, o CUST firmado pelas geradoras deverá prever o início de sua execução em até 36 meses da assinatura, sendo que somente poderá ser postergado uma única vez, desde que pago o encargo mensal proporcional aos meses de prorrogação.

Ressalte-se que atualmente inexiste um prazo máximo para o início da execução do CUST, bem como não há limites para sua postergação, desde que haja solicitação ao ONS até o dia 31 de março anterior ao ciclo tarifário da data originalmente contratada, e que não tenha havido investimentos na rede associados ao acesso solicitado em operação comercial.

Há de se ressaltar também que, de acordo com as novas regras previstas no Módulo 5 da REN 905/2020, o acessante, ao realizar solicitação de acesso perante o ONS, deverá apresentar garantia financeira proporcional ao período de validade do Parecer de Acesso. [2] Além disso, quando da assinatura do CUST, o solicitante deverá apresentar nova garantia financeira equivalente a três anos do valor do EUST. [3]

Embora a garantia financeira para o Parecer de Acesso seja devolvida com a apresentação das garantias referentes ao CUST, estas são novas condições para o procedimento de obtenção de autorização que, anteriormente, não eram necessárias e que, apesar de tornarem o procedimento mais rígido e seguro, acabam por aumentar o custo para os empreendimentos. Outra questão que liga um sinal de alerta quanto a esta nova regulação é o fato de que, muito embora o prazo-limite para o início da execução do CUST seja de até 36 meses da data de sua assinatura, a REN 1.071/2023 prevê que os atos autorizativos fixarão prazo- limite de 54 meses para entrada em operação comercial de todas as unidades geradoras

da usina autorizada, a contar da data da publicação do ato de outorga. Assim, ocorre que o CUST pode ter sua execução iniciada mesmo sem o empreendimento estar em operação. Ademais, a ausência de maiores definições quanto às justificativas que ensejariam o deferimento da postergação do prazo de implantação do empreendimento é outro ponto que chama atenção.

Observa-se que com esta nova regulação sobre os procedimentos de outorga de geração, a Aneel busca solucionar problemas que ocorreram no passado, tentando obstar a apresentação de pedidos de outorga para empreendimentos que não possuam mínimas
condições técnicas e econômico-financeiras, que acabam por gerar uma sobrecarga no sistema de transmissão, que precisa garantir o acesso a empreendimentos que, não necessariamente, entrarão em operação.

Não obstante, há de se observar se a nova regulação conseguirá conferir celeridade, clareza e segurança jurídica às solicitações de outorga, bem como se obstará eventuais discussões na esfera judicial que acabam por ser apresentadas não só pela imprevisibilidade jurídica recorrente no país, mas também por alterações no entendimento do próprio ente regulador, como se verificou quanto aos pleitos de alteração de cronograma de implantação das usinas solares e fotovoltaicas.
Ressalta-se também que será necessário verificar se as novas regras não deixarão o procedimento para obtenção de outorgas muito mais custoso, o que será um desincentivo para novos empreendimentos de geração elétrica por fontes alternativas.

[1] O Contrato de Uso do Sistema de Distribuição (CUSD) é o contrato firmado entre o acessante e a distribuidora, que estabelece os termos e condições para o uso do sistema de distribuição e os correspondentes direitos, obrigações e exigências operacionais das partes.

[2] O Parecer de Acesso é o documento emitido pelo ONS no âmbito do processo de solicitação de acesso. Contém informações e condições para a realização do acesso ao sistema de transmissão.

[3] O Encargo de Uso do Sistema de Transmissão (EUST) corresponde aos valores mensais devidos pelos usuários às concessionárias de transmissão, pela prestação dos serviços de transmissão, e ao ONS pelo pagamento dos serviços prestados, calculados em função das tarifas e dos montantes de uso do sistema de transmissão contratados.

Por Portal JOTA
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/alteracoes-nas-outorgas-de-geracao-de-energia-eletrica-16102023

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