Transição Energética: falando de conceitos e algumas verdades inconvenientes


Transição é um processo, uma jornada que tem o tempo como referencial.
Pode ser lenta, rápida, levar décadas

O mundo todo está discutindo o chamado processo de transição energética focado na descarbonização das matrizes energéticas, tendo sido pauta relevante da COP-27, o evento mais importante e o maior já realizado sobre o tema das mudanças climáticas, realizado em novembro de 2022 no Egito.

O termo “Net Zero“ (Neutralidade de carbono) foi aprovado por mais de 100 países na COP 26, em Glasgow e é cada vez mais usado para descrever um compromisso mais amplo e abrangente com a descarbonização e a ação climática, indo além da neutralidade de carbono.

O relatório “Transição Net Zero” elaborado pela consultoria americana McKinsey, em 2022, aponta que: “o custo global para realizar a transição para uma matriz energética limpa até 2050 é de 275 trilhões de dólares, ou 9,2 trilhões de dólares anuais.

O cálculo estima que os setores ligados à alta emissão de gás carbônico, responsáveis por aproximadamente 20% do PIB mundial, seriam profundamente afetados e 185 milhões de empregos diretos e indireto em todo o mundo seriam perdidos, principalmente de setores ligados a combustíveis fósseis, como indústrias de carvão, petróleo e gás. Por outro lado, cerca de 200 milhões de postos de trabalho seriam criados em setores relacionados à energia limpa, o que proporcionaria um saldo de 15 milhões de empregos criados”.

Antes de mais nada é preciso colocar todos na mesma página, trazendo os conceitos, mostrando os objetivos, o que está envolvido e os impactos para a sociedade.

Transição é um processo, uma jornada que tem o tempo como referencial. Pode ser lenta, rápida, levar décadas. É um processo de adaptação que impacta a vida das pessoas. A transição energética envolve mudanças de modelos de produção e consumo da energia.

É uma mudança que envolve a redução das emissões de gases de efeito estufa. Uma mudança fruto de uma jornada tecnológica, que envolve o manejo do carbono, buscando a emissão zero. Essa jornada envolve a mudança de modelos econômicos e, principalmente, as pessoas, desde a mudança de hábitos até o seu emprego e salário. Portanto, a transição energética tem que ter foco nas pessoas e não somente nos processos.

Um conceito defendido por instituições financeiras, públicas e movimentos ambientais de descarbonizar todas as atividades econômicas, leva a entender que é para acabar com a indústria dos combustíveis fósseis, o que acaba virando um preconceito contra essas fontes.

Os combustíveis fósseis não geram apenas energia, e sim milhares de produtos utilizados na agricultura, na indústria química, alimentícia, farmacêutica e tantos outros usos.

No fim de 2022, a UE, e vários estados americanos proibiram novas vendas de carros movidos a gasolina a partir de 2035. Além do elevado custo destes veículos, sua alimentação por fontes de energia não renováveis, trazem balanços de emissão desfavoráveis, e a destinação das baterias pode trazer impactos ambientais.

Existem muitos equipamentos como colheitadeiras, caminhões, máquinas de processamento que utilizam combustíveis fósseis e cuja substituição feita de forma abrupta podem esbarrar nos mesmos custos elevados, em aspectos tecnológicos, e no aumento do custo de vida.

Ora não se acaba com as notícias ruins matando o mensageiro.

Como o objetivo é reduzir as emissões de gases de efeito estufa então devemos desenvolver tecnologia para reduzir as emissões que os combustíveis fósseis produzem. Portanto, o conceito correto para a palavra descarbonizar é reduzir as emissões das fontes fósseis sem acabar com elas.

Outro conceito frequente na mídia é que para descarbonizar deve-se usar exclusivamente as fontes renováveis. A geração por fontes renováveis eólica e solar não emitem gases de efeito estufa, mas ao analisar o ciclo de vida das emissões desde a fabricação dos equipamentos até seu descarte, vemos que também ocorrem emissões. Por exemplo, para que um megawatt de geração eólica possa ocorrer é necessário cerca de 10 vezes mais aço que um megawatt de uma usina a carvão.

Esse processo deve considerar ainda, junto com o incremento das fontes de geração renováveis, o uso dos fósseis com captura de carbono e a energia nuclear que não emite CO2.

Outro conceito que deve ficar claro é o de que a Transição Justa representa a mudança de modelo econômico de um mundo de alto carbono para um mundo de baixo carbono sem destruir valor econômico e social. É aquela que atende ao objetivo ambiental de reduzir as emissões de gases efeito estufa sem destruir o valor econômico e social. O setor energético cresceu 2,34 vezes de 1973 a 2018 e é maior fonte de emissões de gases de efeito estufa do mundo.

Os combustíveis fósseis estão no centro da discussão, pois cerca de 80% da energia do mundo tem origem no petróleo, gás e carvão. É preciso aumentar a eficiência energética respeitando ainda os valores da sustentabilidade, do ESG e das ODS da ONU, em especial a de nº 7, que preconiza: “Assegurar até 2030, em caráter universal, energia barata, confiável e sustentável”.

Recente relatório da IEA – Agência Internacional de Energia, demonstra que será impossível eliminar totalmente as fontes geradoras térmicas, importantes para se manter a estabilidade do sistema elétrico e energético mundial, reforçando o raciocínio de que o foco deve ser a redução de suas emissões. Existe uma forte recomendação de vários organismos e instituições internacionais para que os programas de descarbonização sejam feitos sobre a matriz elétrica. Isso é válido e necessário
para a América do Norte, Europa e Ásia.

O Brasil tem uma base de geração de energia elétrica sustentável e diversificada, com espaço para todas as fontes. É o que nos dá uma grande vantagem competitiva, econômica e ambiental em relação a outros países, garantindo nossa segurança energética. Cerca de 80% de nossa matriz de geração elétrica é feita por fontes renováveis. Entender os conceitos que tratam da descarbonização é fundamental para saber o que devemos fazer. Infelizmente, a falta dessa compreensão pode acabar por fazer com que todos paguem o preço desta mistura de conceitos ou pré-conceitos.

Enio Fonseca é Conselheiro do FMASE (Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor
Elétrico), foi Superintendente do IBAMA e Superintendente Gestão Ambiental da CEMIG

Por Canal Energia.
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