Setor de energia vê ministro ‘distante’ e com agenda própria


Preocupação é com afastamento de temas importantes do MME, comparecimento a eventos não prioritários e idas frequentes a MG

A recuperação judicial da Light, aceita pela Justiça na segunda-feira (15), trouxe mais um item à agenda de trabalho do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que já se apresenta longa, com vários temas que demandam articulação e conversas com agentes do mercado. Mas os sinais concretos são de que a pauta que Silveira quer seguir é diferente da que vem sendo apresentada a ele.

Na sexta-feira (12), dia em que a Light pediu a recuperação judicial da holding, Silveira participou da inauguração de uma usina de etanol em Goiás, ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin.

Agentes do setor elétrico notam a agenda diferente de Silveira, ao passo que os problemas se acumulam. Silveira tem feito declarações sobre a privatização da Eletrobras e a atuação da Petrobras, em linha com seu chefe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao mesmo tempo que tem deixado de lado temas relevantes do setor.

Procurados, o Ministério de Minas e Energia (MME) e o ministro Alexandre Silveira não responderam aos questionamentos.

O caso da Light é ilustrativo da situação. Silveira havia se manifestado, uma semana antes, sobre a renovação da concessão da distribuidora, diante das dificuldades que a companhia atravessa. Mas quando a recuperação judicial foi divulgada pela Light, o MME não emitiu nenhuma nota a respeito do tema.

Vinte empresas terão os contratos de concessão chegando ao fim a partir de 2026 e as companhias precisam comunicar com antecedência de três anos o interesse em renová-las. Silveira disse recentemente que as concessionárias que pretendam assinar novos contratos terão que apresentar “contrapartidas sociais”, sem detalhar o que isso significa.

A Abradee, associação que representa o setor, já deixou claro que a renovação onerosa não faz sentido porque as distribuidoras fazem investimentos contínuos na rede elétrica, em busca de maior eficiência operacional.

O MME é responsável por definir as diretrizes para a renovação de concessões, o que ainda não aconteceu, dificultando as empresas a tomarem decisão sobre se continuam ou não com as respectivas áreas de concessão.

No caso da Light, o MME deveria atuar bem de perto, afirmam analistas do setor, porque a distribuidora firma contratos de compra de energia elétrica em leilões públicos, com duração de 30 anos, e uma recuperação judicial pode causar um “efeito cascata” no setor. Além disso, uma distribuidora atua como caixa de arrecadação do setor elétrico, repassando para empresas de transmissão, geração e mesmo para o próprio governo, as receitas de uso do fio, impostos e encargos setoriais.

Além disso, há uma corrente na Light que defende a busca da renovação das concessões em bases sustentáveis, com adoção de medidas que evitem onerar mais o consumidor, ao mesmo tempo que impede que as receitas sejam drenadas pelo furto de energia, que se perpetua por décadas.

Outra questão que exige uma atuação mais próxima do ministro é a governança do setor elétrico. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o planejamento da operação do sistema elétrico questionou aspectos da governança do setor, envolvendo os trabalhos do MME, do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

O tema foi levantado inicialmente pelo jornalista Mauricio Corrêa, em seu site, “Paranoá Energia”. Em resumo, o relatório trata da formação do preço de liquidação das diferenças (PLD), utilizado como referência para o setor elétrico, por modelos matemáticos calculados em computadores de grande capacidade de processamento. É um assunto técnico, mas o ministro Benjamin Zymler, do TCU, deu vários “recados” ao MME em seu relatório.

“Governança pública é mais do que alocar adequadamente competências e atribuições aos diversos agentes, pois envolve o estabelecimento de estratégias de gestão e de rotinas de controle, de modo a oferecer, com eficiência, serviços aos cidadãos”, diz trecho do relatório de Zymler, que reforçou no documento que “uma boa governança do setor público deve possuir formas de garantir também a transparência e accountability, com o fim de criar incentivos para uma gestão alinhada com o interesse público, com objetivos, indicadores e metas claramente definidos.”

Dias atrás, o ministro Alexandre Silveira disse em participação numa audiência pública na Câmara dos Deputados que a Petrobras “boicota” a expansão da oferta de gás e o escoamento do insumo no país. Fontes com quem a reportagem conversou afirmam que embora exageradas, a afirmação de Silveira não estaria de todo errada, pois a Petrobras ainda tem um papel dominante no mercado de gás, apesar da abertura do mercado.

As fontes questionam o porquê de se incentivar o mercado de fertilizantes, uma vez que toda a indústria quer gás natural mais barato.

Uma das fontes afirma que o interesse do ministro é ajudar na instalação de uma fábrica de fertilizantes em Uberaba (MG), o que elevaria o “cacife” político dele na região, de olho no potencial eleitoral de um investimento elevado em um produto do qual o Brasil é quase totalmente dependente.

A percepção é que Silveira tem buscado pautas que beneficiam sua imagem política, sem olhar para aspectos relevantes da pasta.

Uma fonte destacou que na semana passada o ministro não esteve presente no Seminário de Gás, promovido pelo Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP), no Rio. O evento contou com a participação de mais de 700 pessoas e havia executivos da Petrobras, como o diretor de transição energética e sustentabilidade, Mauricio Tolmasquim, e de empresas privadas de óleo e gás. Também havia um diretor da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Mas o ministro não só não esteve como também não enviou representante.

Outro fato que causou estranhamento no mercado foi quando o presidente Lula foi à China e a Abu Dhabi, em abril. Silveira não integrou a comitiva e, segundo o MME, o ministro havia pedido para não participar da viagem. No entanto, no mesmo momento em que o presidente rumava ao país asiático, Silveira foi visto assistindo uma partida de futebol do Atlético Mineiro. “Inauguração da nova casa do Galo”, disse Silveira em uma rede social, enquanto Lula estava na China fechando parcerias com empresas do setor de energia.

A agenda do ministro tem sido recorrente em Minas Gerais. Foi em Uberaba onde ele anunciou elevação do percentual de etanol na gasolina para 30%. Em abril, esteve num evento da Associação das Mineradoras de Ferro do Brasil (AMF) em Belo Horizonte sobre a mineração do futuro.

O distanciamento do ministro também se dá com a imprensa: no mesmo dia que a Light anunciou o pedido de recuperação judicial, jornalistas que acompanham o setor solicitaram um posicionamento de Silveira sobre o tema e questionaram sua agenda para o dia. A inauguração da usina de etanol não estava na agenda do ministro, algo previsto pela Lei de Acesso à Informação (LAI).

É obrigação das autoridades informar os compromissos diários, com antecedência. Um decreto de 2021, o 10.889, estabelece regras para a publicação da agenda pública de compromissos, sendo obrigatório publicar informações de agendas de compromissos públicos.

Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/05/19/setor-de-energia-ve-ministro-distante-e-com-agenda-propria.ghtml

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