Valor é decorrente de aumento das chamadas Despesas de Exploração e, do total, 86% serão pagos por consumidores brasileiros, pois o Paraguai não consome toda energia a que tem direito

No ano em que se comemora os 50 anos do Tratado Bilateral que permitiu a construção da hidrelétrica de Itaipu, os consumidores de Brasil e Paraguai vão pagar um adicional de US$ 459,1 milhões (R$ 2,3 bilhões) na conta de luz por causa do aumento das Despesas de Exploração, resultado de um acordo entre os representantes dos dois países realizado dia 17 deste mês.

Do total, 86% serão pagos pelos brasileiros, uma vez que o Paraguai não consome toda energia a que tem direito e por regra do Tratado, o Brasil contrata a parcela que sobra. O valor é referente a nova tarifa de Itaipu – US$ 16,71 -, que elevou as Despesas de Exploração de pouco mais de US$ 1 bilhão em 2022 para US$ 1,51 bilhão em 2023, ou seja, uma diferença de quase um terço a mais.

Até 2021, as despesas de exploração se mantinham estáveis (ver gráfico acima). Porém acordo da tarifa realizado no ano passado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) representou um aumento de cerca de US$ 257 milhões na conta de exploração e parte dos recursos foi usado para financiar parcerias de interesse regional, como uma espécie de braço de obras do governo estadual, comandado pelo seu aliado Ratinho Jr (PSD).

Com o acordo que acaba de ser feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as despesas de exploração dobraram em dois anos. Os gastos para manter a usina (Custos de Serviço de Eletricidade – Cuse, no jargão do setor) é formada por um tripé que inclui a dívida para a construção, pagamento de royalties e Despesas de Exploração.

Entretanto, no final de fevereiro, Itaipu pagou a última parcela e quitou a dívida histórica da construção da hidrelétrica, que representava cerca de 60% dos custos da usina. Como o Tratado estabelece que Itaipu não pode ter lucro, a expectativa era que a eliminação da dívida reduziria a tarifa de repasse da energia para as concessionárias e, dessa forma, provocasse redução na conta dos consumidores, cerca de 130 milhões de brasileiros.

No entanto, parte do valor deve ser usado para bancar programas socioambientais e obras (incluídas no custo de exploração), anulando em grande a redução da tarifa em razão do fim da dívida.

Por ser uma usina binacional, para cada dólar gasto no país, obrigatoriamente outro dólar é destinado ao Paraguai. Como a maior parte da receita é gerada com a venda de energia no Brasil, na prática são os brasileiros que pagam por obras no Paraguai e no Paraná.

A tarifa de Itaipu deve ser negociada anualmente, com base nas regras de cálculo do Cuse definidas pelo Anexo C do Tratado, com a nova negociação, a tarifa vigente vai injetar US$ 400 milhões no país vizinho pago pelos brasileiros para investimentos, além de todos os royalties que os países já recebem.

Segundo o diretor-geral paraguaio, Manuel María Cáceres, uma quantidade significativa deste valor adicional será utilizada para apoiar as obras necessárias para os investimentos no sistema elétrico paraguaio. “São cerca de US$ 250 milhões que serão destinados à Ande [estatal paraguaia] para obras consideradas prioritárias”.

Especialistas avaliam que essa foi uma derrota na queda de braço com o Paraguai, que sempre demonstrou insatisfação com a tarifa, alegando que o valor da energia que exporta para o Brasil é baixo.

O anúncio da nova tarifa se deu às vésperas das eleições presidenciais no Paraguai, previstas para 30 deste mês. As vantagens obtidas pelo país devem ainda favorecer o candidato governista, Santiago Peña, do Partido Colorado, de direita.

As concessões ao Paraguai complicam as negociações do Anexo C, que fixa as bases financeiras da usina, deixando o Brasil com poucas opções para corrigir distorções do Tratado. Há ainda questionamento se o acordo será enviado à apreciação do Congresso Nacional.

Em entrevista ao Valor, o diretor-geral da Itaipu, Enio Verri, disse que disse que da maneira como foi construída a proposta do governo Lula, a modicidade tarifária não é a prioridade e parte dos recursos serão alocados em projetos sociais.

“A questão da escolha de modicidade tarifária ou de investimentos em políticas sociais está ligada a uma análise da conjuntura. Neste momento, com o resultado do governo passado, temos que ajustar a crise social que vivemos. Pode ser que daqui 2 ou 3 anos nossa prioridade seja a modicidade tarifária”.

Entidades ligadas aos consumidores dizem que as obras são financiadas como uma espécie de encargo setorial bancado por todos os brasileiros, porém só os paranaenses e paraguaios se beneficiam. Observa-se que o Oeste do Paraná é uma região voltada ao agronegócio e considerada rica, de modo que não precisaria tanto de políticas sociais. Verri quer agora estender o uso dos recursos para todo o Estado.

O dirigente lembra que o governo Bolsonaro havia fixado unilateralmente uma tarifa de serviços de eletricidade de US$ 12,67 por kw sem conversar com os paraguaios e que provavelmente o Brasil não conseguiria manter o valor.

Entretanto, a Frente Nacional dos Consumidores de Energia diz que a tarifa de Itaipu poderia ser um terço menor do que foi aprovada se ela tivesse um custo real próximo daquelas usinas antigas já amortizadas, como a hidrelétrica Três Irmãos.

O valor de US$ 459,1 milhões que vai entrar na conta de Itaipu não sofre nenhuma fiscalização externa, pois, pelo Tratado, a usina não se subordina a nenhuma legislação dos países, ou seja, a empresa gasta o valor como bem entender.

A divulgação causou reação também das distribuidoras de energia. O presidente da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, lembra que a contratação de energia no mercado regulado assume os custos pela energia de Itaipu, que traz segurança ao Sistema Interligado Nacional (SIN), mas têm o custo maior. “É um peso que fica para o mercado regulado e são as distribuidoras que levam este custo ao consumidor”, diz.

Por Valor Econômico.
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