Com redução na matriz e dificuldades para implementar novos projetos, setor discute desafios e perspectivas para os avanços da geração hídrica como base do sistema elétrico.

O Brasil deverá ter recorde histórico em 2023 na expansão da geração de energia, segundo estimativas apresentadas nessa semana pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). A perspectiva do crescimento se dará principalmente pelo incremento das tecnologias eólica e solar no mercado livre e na Geração Distribuída, o que impõe alguns pontos de atenção quanto ao equilíbrio e segurança do sistema, sobretudo quando se nota cada vez mais a redução da participação de hidrelétricas na matriz e os desafios que essa importante fonte de base vem passando para instalação de novas turbinas.

Atualmente a capacidade de produção elétrica nacional conta com 190 GW de potência nominal, segundo dados recentes da Aneel, com destaque para 103,2 GW de usinas hídricas, 46,1 GW de térmicas e 24,92 GW em eólicas. A geração solar totaliza 26 GW conforme monitoramento da Absolar, sendo 18,1 GW de GD, segmento não fiscalizado pelo regulador, sobrando 7,9 GW das usinas de grande porte nos dados computados pelo regulador.

Para muitos agentes do setor esse é um momento propício e crucial para discussão dos caminhos e decisões que o país terá que tomar visando a manutenção de uma matriz renovável confiável, no sentido da disponibilidade da oferta de energia a rede. Hoje a intermitência do vento e do sol são supridas em parte pelos reservatórios das UHEs e em outra parte pelo despacho das UTEs, a maioria movidas a gás natural. Já no futuro uma alternativa pode ser o uso de baterias, como as de lítio.

No entanto a expansão da hidreletricidade no país continua encontrando muitas dificuldades no campo socioambiental e na perda da competitividade de custo e preço dos projetos. Para o presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Menel, e outras fontes ouvidas nessa reportagem, um ponto fundamental dessa discussão passa pela revisão dos atributos das fontes e a correta valoração e remuneração aos geradores pelos serviços prestados para além da produção de energia.

“Um novo arranjo comercial trará sentido para as hídricas, que podem mudar seu papel para o acompanhamento da curva de carga, ficando em stand by para numa emergência entrar rapidamente no sistema”, disse o executivo à Agência CanalEnergia, afirmando que será necessário ajustar o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) e lidar com a falta de armazenamento hídrico inclusive para usos múltiplos d’água.

Questionado sobre quando essa nova regulamentação pode acontecer, Menel, que também preside a Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), disse que se reuniu há poucos dias com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para tratar do tema, lembrando de um projeto que está em curso no órgão e na Aneel para uma simulação de como ficariam as questões envolvendo os serviços ancilares, prestados normalmente e alguns exclusivamente por hidrelétricas. Após algumas comprovações a ideia seria fazer um leilão específico para contratações nessa modalidade, delimitando uma região e um regramento por tempo determinado para experimentação, o chamado sandbox.

“Se o projeto for aplicado nesse ano podemos ter uma experiência muito boa no curto prazo, com novos leilões a partir de 2024”, aponta o dirigente, que vê atualmente os geradores hídricos totalmente desestimulados para qualquer negócio de maior rendimento, visto serem deslocados e ainda terem problemas pela legislação imposta dos 8 GW de térmicas inflexíveis na lei da privatização da Eletrobras.

Um novo arranjo comercial trará sentido para as hídricas, que podem mudar seu papel para acompanhar a curva de carga.Mario Menel, do Fase

Flexibilidade ao sistema

Em entrevista à Agência CanalEnergia, o sócio da Neal e ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana, salienta que enquanto os preços da eólica, solar e GD estiverem caindo não haverá muito espaço para o avanço de outras fontes, com a última grande UHE entregue ao sistema tendo sido Belo Monte em 2019, uma usina sem reservatório, o que para o especialista torna o empreendimento tão variável como um parque eólico. Já a última de acumulação disponibilizada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) foi São Roque (SC), mas que possui uma barragem pequena.

“Não vamos ter grandes hidrelétricas pelo menos nos próximos 15 anos e algum recurso terá que acompanhar a curva de carga ao longo do dia, com a fonte hídrica representando a melhor solução para a variabilidade da geração, mas não sei se para oferta de energia”, analisa, vendo o papel das UHEs mais como de garantia de segurança e confiabilidade ao sistema, integrando as outras renováveis complementares.

Santana lembra que a fonte já atua praticamente como uma bateria, mas muito mais barata do que o lítio. Ao se preparar para a entrevista, ele contou que foi ao site do ONS observar como estava a oferta de energia às 11 horas, algo em torno de 76 GW, sendo 7 GW de eólica, 6 GW de solar centralizada, 4 GW de térmicas inflexíveis e quase 2 GW de nuclear, com as UHEs entrando com 58 GW. Até às 16 horas a energia hidráulica cresceu 14 GW para acompanhar a carga, passando para 72 GW e com a solar desaparecendo.

“O grande desafio será ter pelo menos uma grande hidrelétrica com reservatório, de 4 GW ou 5 GW, tendo alguns projetos existentes de mais de 20 anos, como Santa Isabel”, pontua Santana, que prega a eliminação de subsídios para qualquer fonte e a formulação de leilões a partir da ampla competição entre todas as tecnologias.

Hidrelétrica sem reservatório é tão variável como um parque eólico. Edvaldo Santana, da Neal

Sob o ponto de vista da operação, os ativos hidráulicos apresentam recursos flexíveis, capazes de prover uma série de funções como o controle automático de geração, tensão e frequência. Muitas possuem reservatórios de acumulação, que permitem regularizar as vazões afluentes aos rios, transferindo água de períodos úmidos para secos e, em alguns casos, de anos úmidos para anos secos. Também podem promover diversos usos, como como controle de cheias, irrigação, processamento industrial, suprimento de água para consumo humano, recreação e serviços de navegação.

Para se ter uma noção, a flexibilização das restrições hídricas implantadas pelo ONS no ano passado como forma de combate à crise hídrica de 2021 gerou uma economia na ordem de R$ 15,8 bilhões junto ao custo da operação. Com as medidas foi possível preservar em torno de 4,1% da energia armazenada do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que concentra cerca de 70% da água usada pelos reservatórios.

Na avaliação do presidente executivo da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), Charles Lenzi, é preciso olhar com atenção para a metodologia do MRE não só como um grande consórcio da integração das bacias hidrográficas compartilhadas, mas pelo fato de termos uma quantidade de fontes que deslocam as UHEs, com o conceito necessitando de revisão para isonomia de tratamento aos custos aplicados a esses empreendimentos.

“Não podemos abrir mão da construção de novas hidrelétricas, não só pela questão energética mas pelas mudanças climáticas e a preservação e gestão dos usos múltiplos da água como uma decisão estratégica fundamental ao país”, defende Charles Lenzi, da Abragel, citando ainda que as outras alternativas como gás natural e baterias são mais caras e poluentes.

Mário Menel, do Fase, lembra que há 40 anos os reservatórios admitiam segurança de 20% do sistema oferecendo energia por quatro anos à frente, nos chamados regimes plurianuais. Atualmente em seis meses e cada vez menos se esvaziam os lagos, com a mesma capacidade e a capacidade hídrica crescendo conforme a carga, assim como as restrições vide as outorgas para irrigação, hidrovias, turismo como no lago de Furnas e até o abastecimento em algumas cidades.

Lenzi também ressalta que a expansão da geração precisa estar atrelada ao aumento do consumo, este diretamente ligado ao crescimento do PIB no país, apontando que para novas usinas é preciso que o Brasil cresça. “Defendo a volta de um planejamento mais determinístico e menos orientativo para decisões envolvendo 40 anos, com a vantagem de que as usinas hidráulicas podem continuar operando por 100 anos após o período de autorização”, complementa.

Por sua vez o presidente do conselho de administração da Associação Brasileira das Pequenas Centrais Hidrelétricas e Microgeração Hídrica (Abrapch), Paulo Arbex, destaca que as hidrelétricas entregaram 72,4% de todo MWh consumido no Brasil, em 2022 e que ao mesmo tempo em que se prega atualmente liberdade para todos os agentes, como acontece no mercado livre, os investidores hídricos têm que operar pelo ONS e seguindo a conveniência de outras fontes, gerando também o chamado GSF, hoje em torno de R$ 40 bilhões.

“Se vamos para um mercado livre competitivo não dá mais para continuar com o despacho centralizado. As UHEs precisam ter a liberdade de administrar seus estoques de acordo com a necessidade e para não serem penalizadas depois com multa”, pontua, rogando um leilão com preço horário formado pela tecnologia que conseguir em determinado momento entregar a energia mais barata ou ainda a separação do lastro que consta no Projeto de Lei 414.

Por outro lado, ele entende que o cenário para as UHEs está melhorando nos últimos dois anos a partir do crescimento no número de entidades renomadas que tem chamado atenção para o equilíbrio na expansão das renováveis. Um caso é da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena), que aponta não existir descarbonização sem hidrelétrica e que a capacidade instalada da fonte terá que ser mais do que duplicada até 2050 para que se atinjam as metas, prevendo investimentos de US$ 93 bilhões em todo mundo. No final deste mês a associação fará um evento no Centro Internacional de Convenções, em Brasília, com a presença da Irena para falar exatamente sobre estes pontos.

Defendo a volta de um planejamento mais determinístico e menos orientativo para decisões envolvendo 40 anos.Charles Lenzi, da Abragel

Caminhos para expansão

Arbex disse à reportagem que existe ainda espaço para UHEs de até 2 GW e usinas reversíveis no país, mas que é preciso entender o contexto e momento de uma guerra econômica permanente com lobistas da indústria do petróleo e mineração. A entidade segue lutando por PCHs com pequenos reservatórios, o que depende de topografias diferentes e das análises socioambientais e econômicas, que tendem a ser mais céleres do que nos grandes projetos.

“O que estamos buscando fazer são usinas flexíveis, com reservatório e colocar em mercado específicos”, resume. Um ponto a ser retomado pela associação em discussões com os agentes é sobre a alocação do custo do fio proporcionalmente à distância dos empreendimentos, o que ficou estagnado após a aprovação de uma emenda de um deputado ligado a energia eólica. Hoje uma usina no Chuí (RS) ou Oiapoque (AP) tem que fazer uma linha para trazer a energia ao consumo, o que pode custar mais que o próprio empreendimento.

A Abrapch trabalha com um potencial de 13,7 GW de projetos já com inventário aprovado na Aneel, além de pelo menos 10 GW que ainda não foram devidamente analisados. Os números são próximos a um levantamento do novo governo antes das eleições, o qual apontava a prioridade no desenvolvimento de 98 hidrelétricas de menor porte e somando 12 GW longe de áreas mais sensíveis como terras indígenas e unidades de conservação.

O mesmo estudo apresentado antes das eleições por Maurício Tomalsquim mostra que atualmente existem estudos de viabilidade de 59 GW de hidrelétricas, sendo que 77% desse potencial estão ou em terras indígenas, ou em unidades de conservação, ou ainda em unidades de uso sustentável. O que sobra são projetos que representam menos de um terço dessa potência.

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o potencial hidroelétrico no país é estimado em 172 GW, dos quais mais de 60% já foram aproveitados. Cerca de 70% do potencial ainda não aproveitado está localizado nas bacias Amazônica e Tocantins-Araguaia. Já considerando usinas menores as regiões de maior potencial estão concentradas no Centro-Oeste, Sudeste e Sul, sendo a verdadeira fonte distribuída por estar presente também em todo país e não requerendo aportes adicionais de transmissão, além de reduzir perdas por serem implementadas perto dos centros de consumo.

Para o CEO da divisão de Hydro da GE Renewable Energy na América Latina, Cláudio Trejger, o primeiro passo na expansão da fonte é a modernização das usinas, garantindo que elas estejam disponíveis por mais tempo como base do sistema, vislumbrando novas oportunidades para esse segmento após a privatização da Eletrobras e compromisso desse tipo de iniciativa nos ativos do grupo. “O mercado está com expectativa para os planos de modernização das UHEs, com alguns projetos sendo assinados nos últimos anos com a Chesf e Furnas”, destaca.

A fabricante de turbinas e provedora de Operação & Manutenção possui atualmente contratos para modernização das usinas de Itaipu, São Simão, Ilha Solteira, Jupiá e Salto Osório, cada um com escopos diferentes, além do aumento de capacidade e ampliação da UHE Curuá-Una e O&M da usina de Igarapava e manutenção de Belo Monte.

Trejger explica que quando se moderniza um ativo, além de manter a disponibilidade com peças mais novas e sistemas de controle atualizados, pode haver a repotenciação e outros benefícios que são parcialmente explorados atualmente. São usinas antigas, de épocas em que as hidrologias eram diferentes, sendo possível trabalhar em estudos e análises para otimizar a eficiência das turbinas, o que gera resultados de maior potência, mas que também exige custos ao gerador, que hoje não conta com incentivos para tal.

Estamos buscando fazer usinas flexíveis com reservatório e colocar em mercado específicos.Paulo Arbex, da Abrapch

“Outros pontos a serem aproveitados é a compensação ao sistema intermitente, com as máquinas das usinas podendo trabalhar com compensadores síncronos, algumas até já prontas para receberem essa capacidade, algo que poderia ser algo previsto em leilão”, adiciona o executivo. Ele lembra também de conversas com diretores de empresas que reclamam precisar partir e parar as turbinas muito mais vezes do que foram concebidas, o que diminui a vida útil das unidades.

A ideia é propor uma coleção de mudanças regulatórias necessárias para remover barreiras a comercialização de novos serviços nesses ativos pós-modernização, reforma ou repotenciação, aumentando assim o apetite do operador da planta e do investidor para realizar ou financiar as obras. Entre elas estão a inclusão nos leilões de reserva, esclarecimento dos conceitos de “Ampliação” e “Melhorias” utilizados em contratos de concessão, além de alocar garantia física decorrente de melhorias e expansão para descarte gratuito do gerador.

Quanto ao potencial de repotenciação de usinas superiores a 100 MW e vida operativa de pelo menos 25 anos e que ainda não foram eficientizadas, a EPE identificou um total de 49,9 GW entre 51 usinas em todos os submercados do país. Em outra pesquisa, feita pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no ano passado, a modernização de algumas hidrelétricas suscetíveis poderia resultar em 4,7 GW adicionais ao sistema.

Outra oportunidade de rápida disponibilidade de oferta de potência é o preenchimento de espaços prontos nas usinas para receberem novas turbinas. O potencial também foi levantado em estudos da EPE de 2012, onde se contabilizou 7,2 GW possíveis de implantação.

Entre esses casos está a UHE São Simão, com quatro buracos prontos para receber novas máquinas instalação, mas com a atual regulação as unidades a serem adicionadas iriam agregar em potência e muito pouco energia, já que nos contratos atuais os dois produtos estão juntos e as condições não são remuneradas. A usina de Porto Primavera também tem espaço para mais turbinas mas não possui água para produção da energia, o que poderia ser resolvido com um leilão de lastro e energia no longo prazo, com o pagamento sendo feito pelo setor visto ser um bem sistêmico.

Procurada pela reportagem, a CTG Brasil possui duas usinas nessas condições, Rosana e Taquaruçu. Com 12 UHEs, duas PCHs e participação em outras três usinas, a geradora entregou a UHE São Manoel em 2015 e não está construindo nenhuma nova usina, focando suas atenções no que refere como o maior projeto de modernização do setor no Brasil, na UHE Ilha Solteira, sexta maior do país e a primeira dessas dimensões a ser implementada no país, na década de 1970. O projeto vai aumentar a disponibilidade e a confiança das operações e garantir a eficiência do sistema gerador de energia por mais 30 anos.

Ao todo serão destinados R$ 3 bilhões em investimentos para instalação, substituição e reforma de 34 unidades geradoras e adequação dos sistemas existentes. Somente em 2023 serão investidos R$ 228 milhões no programa, que também abarca a UHE Jupiá, a qual já computou aumento de 18,3 MW médios após o início do processo. Outras usinas da empresa no radar para esse tipo de trabalho são as da bacia do Paranapanema, o que dependerá também da definição da renovação das concessões dentro do PL 414.

“O grande desafio tecnológico é a digitalização das usinas para melhorar a eficiência na produção, sendo capaz de no longo prazo ter utilizado menor quantidade de água para produzir mais energia”, comenta à Agência CanalEnergia o vice-presidente de geração da CTG Brasil, Evandro Vasconcelos. Ele acrescenta que a companhia está investindo também em um novo centro de operação em Ilha Solteira e um sistema de obtenção de dados vindos das turbinas para desenvolver mecanismos de inteligência artificial que permitam buscar esse ponto ótimo.

Mercado em expectativa para os planos de modernização das UHEs da Eletrobras.Cláudio Trejger, da GE Renewable

Sobre novas usinas, o executivo ressalta o longo caminho de maturação para entrada em leilões em função de medições, sondagens e análises, e que há muitos anos o governo não investe nessa área, o que deve mudar agora a partir da sinalização do Tolmasquim. Para ele um dos desafios é desenvolver um tipo de conhecimento socioambiental que envolva sociólogos, assistentes sociais, biólogos e outros profissionais para avançar na elaboração de projetos que dialoguem com áreas sensíveis em respeito ao meio ambiente e aos povos nativos e diferentes culturas.

“É preciso desenvolver mecanismos sofisticados que respeitam a cultura e especificidade desses povos e temos esperança de que o projeto de São Luis do Tapajós (AM) venha a se tornar viável nesses moldes mais amigáveis, assim como outras UHEs no país possam vir a leilão no futuro”, afirma Vasconcelos, acrescentando que a empresa também avalia possibilidades com PCHs por novas aquisições ou construções, embora não esteja no topo de suas prioridades. “Estamos disponíveis para investir naquilo que surgir como oportunidade para produção de energia, o que depende também do arcabouço regulatório e políticas do país”, completa.

O VP da CTG Brasil também aponta ser possível desenvolver UHEs na Amazônia utilizando a tecnologia que a Petrobras adota no oceano, sem a construção de estradas de acesso e desmatamento, construindo a usina via plataformas e com a logística acontecendo por helicópteros e outras alternativas aéreas. Esse modelo de retomada vem sendo sugerido e corroborado pela Abrage, que também se debruça na aprovação da nova regulamentação para Segurança das Barragens junto à Aneel e as tratativas sobre o Preço Mínimo para a Exportação de Energia Vertida Turbinável (EVT) para a Argentina e Uruguai.

Questões ambientais

Segundo Mario Menel, do Fase, a usina mais próxima de ser viabilizada no país é Tabajaras (RO), que já passou por diversas audiências públicas e compensações definidas, um ativo que era de 700 MW e está hoje em 400 MW, desenvolvendo tecnologias para ter produtividade com quedas baixas d’água e não tirando o rio de sua calha. “O setor elétrico se autocensurou no caso das hidrelétricas. Na primeira dificuldade ambiental ao invés de combatê-la foi reduzida a potência de uma usina ou de um reservatório”, opina.

Temos esperança de que o projeto de Tapajós se torne viável em moldes socioambientais mais amigáveis.Evandro Vasconcelos, da CTG Brasil

Na visão do presidente da Abiape é preciso primeiro não demonizar os projetos, com alegações de deslocamento de pessoas, morte de peixes e entre outros, citando que as usinas fazem planos de florestamento e outros como no caso de Itaipu, cercada de terras férteis e protegidas. “As compensações são mais do que suficientes. Não existe nenhuma obra que não tenha dano ambiental, como na eólica e como nas térmicas, mais fáceis de licenciar do que uma hidrelétrica”, pondera.

Segundo Paulo Arbex, da Abrapch, uma UTE a gás admite uma pegada de carbono de 469 g/Kwh e uma UHE a fio d’água possui 4 g/Kwh, emitindo 115% a menos, ficando melhor posicionada também nesse quesito do que a solar e eólica. Faz 20 anos que saímos de 0 para quase 30 mil MW de eólica e solar e ao invés de reduzir explodimos as emissões de carbono no setor, subindo 700% nesse período pelo suprimento de origem fóssil”, atenta.

Para ele são anos de manipulação da informação e lobismo, mas agora está caindo a ficha do setor de que não haverá modicidade tarifária, descarbonização e abastecimento hídrico sem novos reservatórios. O assunto também envolve a perenidade dos rios, lembrando de problemas recentes em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. “Criamos um sistema maluco que paga R$ 2.500/MWh por uma fonte fóssil e não paga R$ 300/MWh por uma hidrelétrica”, critica, citando o termo estelionato ambiental.

O dirigente da associação conta que recentemente foi feito um levantamento pelo Instituto Água e Terra (IAT) sobre as áreas ocupadas por PCHs e CGHs em todo estado e as áreas de proteção permanente que as usinas estão construindo, conseguindo comprovar que para cada 1 hectare implementado de projeto é concebida 3,5 vezes mais de floresta nativa.

Empresas tem optado pela construção de CGHs devido a menos trâmites e mais celeridade aos projetos (Hy Brazil)

Arbex questiona também por que os desenvolvedores de projetos eólicos e fotovoltaicos não tem a obrigação de criar áreas de proteção ambiental e a indústria das térmicas e do petróleo capturar carbono e retirar plástico para aterros sanitários, como as hídricas fazem. “Essa exigência ambiental de retirar lixo do rio eleva os custos em 20% para os geradores hídricos em relação a outros empreendedores”, aponta o executivo, referindo-se ao que atualmente é feito por estruturas chamadas de Log Booms.

Em entrevista à Agência CanalEnergia, o CEO da Hy Brazil, Bruno Menezes, classificou o licenciamento moroso como principal desafio e entrave para o investidor, que ao longo do tempo passa por vários momentos de mercado e preço. “Falamos ambiental mas na prática são questões jurídicas que travam o processo, uma série de leis, resoluções e portarias em âmbitos e agentes variados”, salienta, afirmando que a empresa passou a focar mais no nicho das CGHs visando imprimir uma velocidade maior nos projetos, com menos trâmites que as PCHs e depois colocando os projetos para GD.

Outra ideia que parece emergir para dificultar ainda mais o avanço de usinas com reservatório é o imaginário da população de que pode haver o rompimento de uma barragem, falta de água ou alagamento de áreas. “Teve processos atropelados no passado do ponto de vista social que influenciaram também nessa imagem, assim como os casos em Mariana e Brumadinho, ainda que sejam barragens diferentes”, destaca Menezes.

A Hy Brazil investiu mais de R$ 600 milhões desde 2009 e hoje conta com 32 usinas em operação entre CGHs e PCHs, somando 150 MW em Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Espírito Santo e Bahia. A menor possui 1 MW e a maior de 25,6 MW. Pensando no futuro a carteira já está sendo diversificada, com a previsão de aplicar mais R$ 630 milhões nos próximos dois anos em outras fontes como a solar, e R$ 70 milhões para novas usinas hídricas, com uma de 4 MW em fase de conexão e outras duas previstas para esse ano.

“Temos alguns projetos na carteira mas apostando mais no futuro, se houver um crescimento econômico que aumente a demanda e justifique novos investimentos em um mercado atualmente sobreofertado”, resume o CEO.

Governo terá de escolher entre UHEs e UTEs a gás natural para manter base do sistema elétrico.Bruno Menezes, da Hy Brazil

Preço

Na avaliação do CEO da América Energia, Andrew Frank Storfer, e também das outras fontes ouvidas na reportagem, além da questão ambiental, os principais inibidores nesse momento para a fonte são os preços no futuro, com juros e inflação apresentando um desequilíbrio que dificulta retornos ao gerador e inibe investimentos, o que não é problema visto a sobra estrutural de energia no país.

“Seguimos investindo pois temos experiência em construção o operação desses ativos, com a destinação para GD ou o mercado regulado via leilões. Temos algumas usinas no mercado livre, mas algumas delas descontratadas nas condições atuais”, informa Andrew Frank Storfer, da América Energia, afirmando que o pipeline da empresa está sendo redirecionado.

O portfólio da companhia é composto por 13 usinas hídricas operando e mais oito em desenvolvimento, somando 87 MW, as maiores com 10 MW e as menores com 2,5 MW, além de estar construindo uma CGH para GD e uma PCH de leilão, com entrega programada para 2025. Como complemento está atuando em parceria com a Casa dos Ventos em um complexo de 200 MW para 2024, além de atingir 115 MW na fonte solar.

“Um consumidor no mercado livre quer preço, essa parte ambiental é secundária, coisa de país rico. Coincidentemente ele compra de fontes renováveis e pode adequar a prática um discurso ambiental, mas quem vai suprir os atributos do sistema é o mercado regulado”, comenta. Para os próximos três anos a empresa vai investir R$ 160 milhões em mais quatro PCHs, com 65% de financiamento e o resto de capital próprio.

Leilão em 2025 e atenção a resolução do Anexo C de Itaipu e térmicas que terão a concessão vencida.Andrew Storfer, da América Energia

A viabilidade financeira dos projetos também tem feito com que geradores maiores coloquem o pé no freio em todos novos projetos de geração, com os preços dos equipamentos muito elevados em função da pandemia e em parte pela guerra na Ucrânia, principalmente os custos atrelados a obras civis, como minério de ferro e outros componentes como o cimento. O custo de implementação atualmente estaria numa faixa de R$ 15 milhões o MWh, o que depende muito de cada projeto.

Nessa parte de inserção econômica, Evandro Vasconcelos, da CTG Brasil, reforça que a hidrelétrica é a fonte mais barata para produção de energia e aparentemente não está competitiva por conta de subsídios não explícitos e o já citado desequilíbrio entre a valoração dos atributos das tecnologias. “Subsídio é perigoso pois gera falsa impressão de um falso barato, mas alguém está ou estará pagando essa conta no futuro”, afirma, vendo um momento perigoso para o país por uma falta de racionalidade econômica no setor elétrico.

Ele cita uma prática que vem acontecendo no segmento fotovoltaico da “GD fake”, onde investidores constroem parques industriais em um local distante, de potências entre 10 MW e 30 MW para dividir em lotes de até 3 MW e ofertar energia sem pagar pelo transporte do fio para os centros de consumo, o que gera atualmente uma sobreoferta de energia no país e preços para contratos de longo prazo no mercado livre mais baixos desde a série histórica de 2002.

De acordo com o executivo, o preço mais barato de energia foi de R$ 40/MWh pós racionamento em 2001 (hoje estaria atualizado entre R$ 100/MWh a R$ 120/MWh), com excedente de 20% na oferta de energia, o que gerou uma falsa impressão no mercado e ninguém construiu nova oferta de energia. Depois a demanda cresceu e os preços atingiram R$ 400/MWh em 2008, baixando atualmente para o mesmo patamar de 2001 pela falta demanda e GD subsidiada.

“É por conta dessas distorções que o país tem as fontes de energia mais baratas no mundo e as tarifas mais caras, com muitos subsídios e irracionalidade no meio do caminho. A abundância do Brasil gerou uma capacidade para ser ineficiente economicamente”, avalia Evandro Vasconcelos, da CTG Brasil.

Outras fontes da reportagem alertam também para um possível problema de sucateamento da reconhecida indústria nacional para esse tipo de construção no Brasil, com fábricas que tinham capacidade de produzir toda parte mecânica e eletrônica de uma usina hidráulica com excelência já tendo algumas dificuldades pelo setor ter investido muito pouco nos últimos anos.

“Eu vi por exemplo uma usina recentemente em que o proprietário disse que deu pena de ver a fábrica da Voith com pouquíssimo trabalho e muita gente demitida pela falta de demanda por esse tipo específico de turbina”, relembra Mario Menel, do Fase.

Ele lembra que as PCHs não tem reservatórios consideráveis ou plurimensais mas se o ONS mandar um ordem para segurar água e gerar em determinado momento esse tipo de usina responde bem, estando também próximas aos centros de carga. Na concepção de modelo comercial que vislumbra para o futuro, Menel aponta que os 12 GW citados pelo partido do novo governo poderiam compor o lastro do sistema pago por todos e a energia vendida para quem quiser, no mercado livre ou cativo.

Em suma, está na mão do novo governo e das lideranças do setor resolver algumas pendências e decidir quais caminhos seguir para manutenção de uma rede elétrica segura, robusta e o mais barata possível para investidores e consumidores. Entre as escolhas ou caminhos para acompanhar as eólicas e solares, despontam os novos potenciais hídricos e o gás natural, com a fonte hidráulica sendo sem dúvidas a renovável com maiores desafios pela frente para sua expansão, seja de ordem ambiental, inserção econômica ou necessidade de remuneração adequada mediante os serviços prestados ao sistema.

Por Canal Energia.
https://www.canalenergia.com.br/especiais/53240805/o-futuro-das-hidreletricas

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