A Agência Nacional de Energia Elétrica havia aprovado uma mudança no cálculo das tarifas de uso dos sistemas de transmissão e de distribuição, que logo foi sustada por deputados.
A aprovação na Câmara dos Deputados de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que susta uma mudança no cálculo das tarifas de uso dos sistemas de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd) feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é considerada por agentes do setor como mais um sinal de interferência na autonomia da agência e de fragilidade na governança do setor elétrico.
Conhecida pelo jargão “sinal locacional”, a metodologia foi aprovada em setembro pela Aneel, depois de realizar três consultas públicas com os agentes do setor elétrico. No entanto, a iniciativa da Aneel gerou uma reação rápida pelo Congresso Nacional. O PDL 365/2022, que susta a decisão da Aneel, foi aprovado na Câmara dos Deputados e segue para tramitação no Senado Federal.
Em linhas gerais, o sinal locacional significa que pontos de rede com maior concentração de usinas terão tarifas maiores para a geração, enquanto pontos com mais concentração de consumidores terão mais custo nas tarifas de consumo. Antes, a metodologia de cálculo das tarifas de transmissão, na prática, estabelecia a cobrança de um valor estável, corrigido pela inflação a cada ano, independentemente da quantidade de energia injetada na rede.
Logo, a consequência natural da decisão será a redução na Tusd e Tust para os consumidores no Norte e no Nordeste e aumento do encargo para os consumidores do Sudeste e do Sul. Do lado da geração, usinas eólicas e solares localizadas no Nordeste e hidrelétricas instaladas no Norte, regiões que hoje são exportadoras de eletricidade, passariam a pagar mais pela transmissão.
O PDL é de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE). Na justificativa do projeto, o parlamentar alegou que a atuação da Aneel representou grave afronta ao Poder Legislativo, já que a agência alterou o sinal locacional enquanto os senadores apreciavam uma medida provisória (MP) que tratava do mesmo tema. Essa MP, porporém, caducou e perdeu a validade em setembro.
“Há uma compreensão da necessidade de uma harmonia sobre o que pensa o Executivo, o que pensam as agências reguladoras, e as decisões recentes do Ministério de Minas e Energia (MME). A reindustrialização do Nordeste depende da energia limpa”, disse Forte.
Na avaliação da Frente Nacional de Consumidores de Energia, o tema é de competência da Aneel e não deve ser tratado pelo Congresso Nacional sem o devido debate com a sociedade brasileira. A entidade havia pedido, sem sucesso, para que o tema não fosse pautado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e espera que o Senado reveja a posição.
A entidade afirma que uma eventual aprovação do PDL significaria um custo adicional de R$ 778 milhões no uso da Rede Básica pelos consumidores de energia, ao desfazer a proposta da Aneel. “Chamamos a atenção que o projeto em discussão trará aumento na conta de luz dos consumidores do Nordeste, aumentando ainda mais o custo de vida justamente num momento em que os brasileiros estão endividados e com seus orçamentos estrangulados”, disse a Frente Nacional, em comunicado.
Na mesma linha, a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) avalia que o PDL produzirá instabilidade e insegurança jurídica para o setor elétrico.
“A proposta de intervenção em um tema exclusivamente técnico e regulatório, e que foi amplamente debatido com todo setor elétrico e seus usuários, produzirá efeitos negativos no mercado de energia”, disse a Abrace.
Outra entidade, a Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), disse que a medida representa uma ameaça à entidade e foi tomada sem o devido diálogo.
“Nossa expectativa é de que o Senado seja mais cuidadoso em relação ao assunto e não promova mais esse aumento na conta de luz dos brasileiros”, destaca Carlos Faria, presidente da Anace.
Para o presidente da Engie Brasil Energia, Eduardo Sattamini, a Aneel aprimorou as regras de cálculo das tarifas de transmissão de forma serena, sempre se pautando pelo diálogo com todo o setor, com busca de consensos. O executivo diz não ver o risco de inviabilizar a implantação de usinas eólicas e solares no Nordeste, argumento utilizado contra a nova metodologia – pelo contrário: as fontes continuarão a ser as mais competitivas do país mesmo com as novas regras.
Sattamini, que preside uma empresa que possui ativos eólicos e solares no Nordeste e detém concessões de linhas de transmissão, avalia que a interferência política em temas regulatórios pode gerar considerável insegurança jurídica e elevar o risco do setor elétrico. Além disso, afirmou, caso o PDL prospere, será em vão todo o esforço dos estudos técnicos que embasaram a evolução proposta e implementada pela Aneel.
“Como se já não bastasse ser tecnicamente bastante adequada, ao colocar mais custos para as regiões do país que estão com o sistema de transmissão mais estrangulado, a regra ainda promoverá um incentivo às economias das regiões Norte e Nordeste. Estima-se que os consumidores do Nordeste deixarão de pagar quase R$ 1 bilhão por ano, em relação ao que paga hoje, quando a regra entrar em vigor”, afirmou Sattamini.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/11/19/projeto-aprovado-na-camara-coloca-em-xeque-a-autonomia-da-aneel.ghtml
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