Baixa demanda do certame frustra planos da fonte, que ainda sofre com entraves no licenciamento e busca reconhecimento como fonte renovável.

Tradicionais no setor elétrico e consolidadas no mercado, as Pequenas Centrais Hidrelétricas tiveram no último leilão A-5 uma boa oportunidade para viabilizar mais empreendimento. Uma emenda no Projeto de Lei que permitiu a privatização da Eletrobras fazia com que metade da demanda do certame fosse oriunda da fonte e também de CGHs. Mas ao término da licitação realizada no fim de setembro, a baixa demanda resultou na contratação de 175,5 MW em 12 usinas, o que de certa
forma acabou frustrando os planos dos agentes.

O sentimento de frustração vem devido ao leilão A-4, realizado em maio. Nessa disputa, fora do âmbito do PL da Eletrobras, foram viabilizadas 189,75 MW de potência de PCHs e CGHs em 18 empreendimentos e 84,1 MW médios ao preço médio de R$ 281,65 por MWh, com deságio de 10,5% frente o preço inicial de R$ 315/MWh.

Na ocasião, a demanda reduzida já era esperada pelos agentes do setor. Apenas Cemig (MG) e a Equatorial Pará compraram energia. De acordo com Charles Lenzi, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, a expectativa é que com a retomada do crescimento econômico nos próximos anos, as projeções das distribuidoras melhorem e mesmo com fatores como a abertura de mercado e o enfraquecimento do mercado regulado, sejam possíveis leilões com maior pujança na contratação. “Acredito que nos próximos tenhamos uma demanda um pouco maior, mas bem superior ao que foi registrado neste leilão”, explica.

Charles Lenzi, da Abragel: expectativa melhor para os próximos leilões

A decepção com o resultado também chegou na Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas. Para a presidente Alessandra Torres de Carvalho, o resultado ficou aquém do esperado na comparação com o leilão A-4 e nesse ritmo de contratação, não será possível o alcance da meta de 3,3 GW da fonte até 2031, conforme previsto no Plano Decenal de Expansão. “É um pouco preocupante essa situação toda. A gente tem esperança de melhorar, mas até agora efetivamente
não vislumbra isso”, avisa.

Grandes players do setor como CPFL, Copel, Atiaia, Statkraft, Omega e Cemig possuem PCHs nos seus ativos. Por outro lado, alguns grupos fizeram o movimento contrário e venderam as suas usinas, como a EDP, que em 2018 as negociou com a Statkraft  a Neoenergia, em 2016, que vendeu para a Contour Global. Para Lenzi, essas negociações foram ocasionais, uma vez que outros grandes players do setor, estatais e privados, mantiveram seus investimentos através de PCHs.

Nos últimos anos, as fontes eólicas e solar se caracterizaram por conseguirem se desprender das indefinições do mercado regulado e viabilizarem empreendimentos no mercado livre. As PCHs não estão conseguindo acompanhar esse movimento no mesmo ritmo. Apesar da usina hídrica também ser considerada uma fonte limpa e ter vantagens como a proximidade da carga e não necessitar de grandes investimentos em transmissão, a disputa tem sido inglória.

Não considerar esses e outros atributos, aliado à altos custos e um viés de PLD baixo, faz com que os projetos de PCHs tenham dificuldade e as novas usinas não sejam direcionadas para o mercado livre e sim para o regulado. “O que tem hoje para as PCH é o leilão”, diz Cristiano Tessaro, CEO da Camerge. Para ele, a falta de uma tecnologia disruptiva que traga alterações significativas nos equipamentos, como acontece com eólicas e o esgotamento dos melhores locais para aproveitamentos hidrelétricos também aparecem como entraves para a fonte. A Camerge é uma das maiores gestoras de PCHs e CGHs do Brasil. Tessaro ressalta que a conjuntura tem feito com que o que deveria ser um momento de celebração para a fonte, por ter a contratação em um leilão assegurada, está se refletindo em momento de atenção, já que o objeto não está sendo alcançado

Cristiano Tessaro, da Camerge:só restam leilões para PCHs

Maior vencedora do leilão A-5, a Atiaia Renováveis vendeu 25% da energia do certame, com as UHE Estrela (48,4 MW) e da PCH Taboca (29,7 MW), em Goiás. No A-4, a empresa já havia viabilizado a PCH Fundaõzinho ( MS – 22 MW). Rodrigo Assunção, CEO da empresa, vê uma diferença de capex que penaliza as PCHs. O capex dessas usinas está muito centrado na construção. Segundo ele, a inflação dos itens que formam a cesta da construção civil subiu muito ao longo dos anos, em especial
após a pandemia, com destaque para cimento e aço. No contraponto, embora eólicas e solares também tenham registrado aumento no seu capex, ele ficou direcionado nos equipamentos.

“Implantar projetos novos de PCHs para o mercado livre não tem se mostrado viável em função desse movimento”, explica.

O executivo também acredita ser necessária uma revisão do Mecanismo de Realocação de Energia, de maneira que as PCHs não sejam penalizadas e consigam competir de forma adequada no mercado livre. Na busca por mostrar os benefícios da fonte, a PCH Bandeirantes (MS – 28 MW) recebeu do Instituto Totum a certificação REC Brazil, por atender os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas. Outra PCH da Atiaia, a Porto das Pedras já havia obtido a certificação, mas ao atingir 11 ODS.

Rodrigo Assunção, da Atiaia Renováveis: alta no capex de construção atrapalha PCHs

Com oito PCHs em operação, a nona usina da Atiaia deve entrar em operação nos próximos dias. Para 2023, a meta é iniciar a construção das usinas viabilizadas nos certames desse ano, devendo alcançar pelo menos 12 empreendimentos até 2028.

O CEO da Tradener, Walfrido Ávila, também vê os custos de construção das PCHs muito mais altos que os de outras fontes. Para Ávila, há uma concorrência desleal interna entre as PCHs e as outras fontes, uma vez que os custos de mão de obra e construção são superiores, além de uma alta carga de impostos. Para o executivo, o momento de baixa demanda e poucos projetos deveria ser usado para ajustar pontos que poderiam oxigenar o mercado.

O executivo acredita que a retirada de todos os impostos de construção poderia trazer competitividade para as PCHs. Ele lembra que a medida poderia viabilizar projetos parados que não iriam à frente. O executivo, um dos pioneiros no mercado livre, acredita que pensar a PCH organizadamente traz benefícios para quem desenvolve e para quem investe. Ávila é mais um a
ressaltar as vantagens que PCHs e CGHs trazem, como a estabilização dos sistemas próximos e uma cadeia industrial nacional.

PCH Bandeirantes, da Atiaia: primeira a conseguir certificado de ODS da ONU

Outro ponto que tem tirado o sono dos agentes é o licenciamento ambiental, considerado o grande gargalo. Segundo o presidente da Abragel, há cerca de 9.000 MW ou 600 em usinas, mas ainda sem o aval final, reduzindo o número de projetos que poderiam disputar os leilões de energia. “Na medida que a gente consiga ter uma celeridade maior no licenciamento, certamente vamos conseguir colocar um rol maior de projetos habilitados a participar dos leilões”, pontua Lenzi. Rodrigo Assunção, da Atiaia, não quer menos rigor nas normas ambientais, mas pede mais celeridade ao processo de maneira que não se cause desequilíbrio na comparação com as outras fontes. Há projetos que levam até dez anos para obter o licenciamento.

“É importante que se cobre dos players responsabilidade ambiental, mas que também se cobre dos agentes públicos mais celeridade no processo de análise, aprovando os que são bem desenvolvidos e reprovando os que não são”, aponta o executivo. A falta de uma uniformização nacional no licenciamento dos estados é um entrave. Cada unidade da federação adota um padrão para licenciamento e mesmos nos estados há diferenciações entre os projetos.

Para Roberto Correa, presidente da Cogecom, não houve avanço nos últimos anos, com a burocracia se fortalecendo. Por demandar estudos ambientais em diferentes áreas, o processo acaba ficando mais complexo e demorado. Segundo Corrêa, o gerador é o principal interessado na preservação do entorno da usina, uma vez que desmatamentos ou desequilíbrios podem interferir no fluxo do rio e na produção de energia. “A gente precisa desmistificar esse paradigma de que as PCHs tem Impacto
negativo no meio ambiente”, avisa.

Roberto Correa, da Cogecom:sem avanços no licenciamento nos últimos anos

Levantamento do Instituto Ambiental do Paraná citado pela AbraPCH mostra que as PCHs reflorestam três vezes mais que a vegetação suprimida prevista em lei. A associação solicitou para a Agência Nacional de Energia Elétrica a celebração de acordos de cooperação com órgãos similares de outros estados para que os benefícios sejam aferidos.

Apesar de ter “pequena” no nome, as PCHs não conseguiram perante o público se diferenciar dos grandes projetos hidrelétricos quanto a percepção dos impactos ambientais. A falsa impressão tem feito com que a fonte muitas vezes não seja definida como limpa e acabe preterida pelas fontes eólica e solar. Para Cristiano Tessaro, da Camerge, há uma identificação mais fácil dessas tecnologias, que aliada a um forte aspecto cultural do passado por erros de UHEs acabaram por tirar das PCHs o carimbo de renováveis no imaginário do público. “A PCH sofre um pouco do ranço das grandes hidrelétricas, existe um aspecto do passado que na cabeça das pessoas a PCH não é tão renovável quanto uma solar e uma eólica são”, comenta.

O CEO da Atiaia lamenta a falha de comunicação de mercado que levou a essa percepção das PCHs, enfatizando que o impacto de uma PCH não pode ser comparado com o de uma grande UHE. Ele destaca que o trabalho não é fácil, mas que muitas vezes no mercado livre é possível fazer com que um cliente compre um produto de eólica ou solar que ofereça complementaridade com as PCHs.

“Com o esforço do dia a dia temos boas chances de mostrar ao mercado que a PCH é tão renovável quanto as demais fontes e que pode trazer do ponto de vista ambiental, até mais benefícios que as outras”, aponta.

Como remédio para viabilizar usinas, a presidente da AbraPCH propõe aumentar para 7 GW o montante de PCHs e CGHs do PDE. Segundo ela, o sistema vai precisar desse volume, uma vez que a geração distribuída só tende a aumentar nos próximos anos. A aposta é que a fonte seja capaz de coibir a variabilidade da GD fotovoltaica. O sistema não vai suportar tanta intermitência. Nós somos parte da solução”, adverte. A associação também pretende apresentar um plano de reinserção da
fonte, instigando o governo a criar um leilão de reserva para PCHs.

Alessandra Torres de Carvalho, da AbraPCH: fonte é parte da solução para conter intermitência

Alessandra lembra que as usinas precisam de previsibilidade, uma vez que não são construídas em menos de 36 meses. A previsibilidade poderia vir através do certame de reserva, que levaria em consideração os atributos da fonte.

O Projeto de Lei 414, que moderniza o setor, é acompanhado de perto. Lenzi, da Abragel, elogia o PL, mas alerta que questões estruturais do setor elétrico devem ser avaliadas, de forma a garantir mudanças de forma concatenada e que todas as fontes saiam fortalecidas. O projeto traz desafios para as PCHs, uma vez que a abertura de mercado deve reduzir o tamanho dos leilões regulados, mecanismo por onde as PCHs têm se viabilizado. “A abertura me parece adequada, mas sim é uma ameaça importante para as PCHs e até por siso se torna mais urgente que se discuta e corrijam distorções”, pontua o CEO da Atiaia Renováveis.

Cristiano Tessaro, da Camerge, também pede mais discussões regulatórias. Com foco no futuro, ele vê revoluções que vão abrir espaço para todas as fontes e espera que os atributos das PCHs sejam reconhecidos quando a busca por energia limpa aumentar. A Camerge busca ser mais digital nos próximos anos e se expandir para além da região Sul do país.

Por Canal Energia.
https://www.canalenergia.com.br/especiais/53228450/o-pos-leilao-das-pchs

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