Geração de energia limpa segue sendo prioridade e a tarefa é avançar na transformação “3D”: descarbonização, digitalização e descentralização.

Nos últimos anos, a preocupação com os efeitos da emissão de gases de efeito estufa (GEE) vem contribuindo cada vez mais para que os grandes consumidores de energia comecem a olhar e investir em fontes de energia renováveis e mais limpas. O cumprimento das metas estipuladas no Acordo de Paris e recentemente destacadas na COP26, contribui para que o mundo inteiro espere um maior desenvolvimento dessas fontes. Nesse sentido, a transição energética ganha mais destaque dentro da indústria brasileira.

Um relatório da Deloitte mostra que em 2022, a geração de energia limpa segue sendo prioridade, tendo como objetivos garantir confiabilidade, resiliência, manter a segurança e os custos baixos. E a aposta para cumprir a tarefa é avançar na transformação “3D”: descarbonização, digitalização e descentralização. E a indústria tem sido uma grande aliada no desafio de promover investimentos verdes e deve ser considerada parte da solução, já que tem atuado para acelerar a implementação de programas e tecnologias capazes de fazer o Brasil avançar em direção às metas de redução dos gases que causam o efeito estufa estabelecidas na esfera do Acordo de Paris.

Hoje já é possível observar que muitas empresas brasileiras passaram a compreender a sustentabilidade, que também faz parte da transição energética, como parte de sua estratégia não somente ambiental, mas também de gestão social, pois são premissas de seus investidores. O ambiente, a sociedade e as comunidades impactadas e beneficiados por esses passaram a ser considerados de forma mais relevante na matriz de stakeholders das empresas, com enfoque em mitigação das mudanças climáticas, mas também no impacto social.

“Temos acompanhado empresas que, tradicionalmente, concentram suas atividades na exploração de energia de fontes fósseis investindo em diversificar sua atuação para diferentes fontes renováveis e investir em pesquisa e desenvolvimento, buscando reduzir sua pegada de carbono, e a forma como isso tem sido feito varia entre cada empresa. Algumas empresas têm adotado uma estratégia mais acelerada ao expandir investimentos e incluir novos ativos de fontes renováveis em sua matriz. Outras, porém, buscando que as atividades relacionadas ao setor de petróleo e gás continuem equilibradas com as de novas fontes renováveis, que ganham espaço aos poucos. Outras ainda têm como objetivo manter suas atividades principais nos segmentos de petróleo e gás natural, porém, buscando tornar seus processos mais “limpos”, disse o diretor do GRI Infra, Moisés Cona.

Além disso, as empresas têm adotado em suas estruturas de governança padrões de eficiência energética que incentivam a inovação, o consumo responsável e também a busca por fontes renováveis. Essa busca por si só contribui para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas e um desenvolvimento mais sustentável. Em longo prazo, essa mudança comportamental se refletirá em um compromisso contínuo com a transição energética.

Cona ainda destacou à Agência CanalEnergia que no setor de infraestrutura hoje, por exemplo, o termo “impact investing” tem tomado protagonismo. “Isso significa dizer que as empresas têm buscado canalizar seus esforços e investimentos em ativos e serviços que tenham a sustentabilidade como fator central, seja voltado para a eficiência energética, gestão consciente da água, mitigação de impactos para comunidades locais, incentivo a biodiversidade e preservação do meio ambiente e etc”, ressaltou.

O gerente executivo de meio ambiente e sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo, disse à Agência CanalEnergia que esse desafio mundial veio para ficar e hoje é necessário. “Hoje podemos observar vários anúncios acontecendo não só de países, mas também de empresas de ser NET ZERO, de ter neutralidade de carbono em 2040 e 2050. E para alcançar esse objetivo é necessário desenvolver um plano de ação e isso terá que passar por energia e daí a necessidade que se tem desenvolver novas tecnologias de substituir combustíveis, de se trabalhar processos não só para redução de custo que vai muito na vertente econômica. Hoje o perfil do consumidor vem mudando cada vez mais, ele quer saber como aquele produto é produzido, como que aquele serviço é prestado e quanto aquela empresa emitiu de gás de efeito estufa e além disso, se a empresa tem um programa de gestão de resíduos, de eficiência energética e hídrica e se contempla aquela comunidade onde a planta fica estabelecida. Hoje a sustentabilidade já está incorporada na estratégia corporativa”, disse.

E muitas indústrias já relataram as suas iniciativas em relação a transição energética e já estão colhendo os primeiros resultados. A Usiminas que investe no aproveitamento de gases residuais de processos já consegue reaproveitar esses gases que são inerentes à produção e consegue produzir em torno de 25% da energia elétrica e 100% do vapor que necessita. Com isso, a companhia consegue evitar a captação de água de rios próximos às localidades das plantas. Além disso, em torno de 96% dos resíduos que geram são aproveitados de alguma forma ou, ainda, comercializados. “Outra ação que deve se iniciar a partir de 2025 é a produção de energia solar por meio de um parque de geração fotovoltaica, em uma parceria com a Canadian Solar. O empreendimento vai entregar o equivalente a 30MW médios, ou seja, por volta de 12% do consumo da Usiminas”, disse o gerente de contratação de energia e vendas especiais da Usiminas e membro do conselho diretor da Abrace, José Ronaldo Silveira Junior.

E eles não pretendem parar por aí, pensam em expandir o portfólio com a contratação de energia renovável para o futuro. “Isso vai resultar em um ganho em termos de emissões para o sistema energético como um todo e, especificamente, em relação às emissões da Usiminas. Estamos continuamente buscando novas opções, seja para o suprimento energético, considerando fontes mais limpas e renováveis, ou para a comercialização e aproveitamento dos resíduos”, ressaltou.

“Quando falamos de transição energética, incluímos pensar de forma mais racional e consciente sobre a energia dentro do negócio, visando um consumo energético de baixo carbono. Isso indica trabalhar mais aspectos relacionados à eficiência energética, ao aproveitamento de recursos, além de abordarmos outros temas como resíduos e água. O contexto da transição energética é bastante genérico. Muito embora a palavra “energética” nos induza a pensar somente em energia, entendemos que esse contexto é mais amplo, incluindo por exemplo sustentabilidade ambiental e social”, explicou.

Outra empresa que também tem investido na questão da transição energética é a Novelis. “Esse é um assunto que estamos vivendo muito aqui na companhia. Quando falamos de transição, estamos falando de conversão. O nosso entendimento é o de que precisamos converter uma energia que não é renovável – principalmente energia com base fóssil – para uma energia renovável, que vai garantir uma sustentação capaz de neutralizar as nossas emissões em algum momento. Ou seja, o processo de transição passa pela conversão. A empresa adota novas tecnologias para migrar de uma energia que não é tão limpa para um processo de utilização de energia limpa. Nesse sentido, quando falamos de transição, precisamos lembrar dos compromissos assumidos pela Novelis. Nós temos algumas iniciativas de longo prazo que são mais do que objetivos. São compromissos que assumimos com o nosso País, com o nosso planeta, que é tornar a Novelis uma empresa “Net Zero”, com neutralidade de carbono até 2050 – ou antes disso”, compartilhou a gerente sênior de estratégia e sustentabilidade da Novelis, Beatriz Sobreira, em depoimento inédito colhido pela Abrace para um especial sobre a transição energética.

A Novelis adota novastecnologias para migrar de uma energia que não é tão limpa para um processo de utilização de energia limpa

Segundo Beatriz, a Novelis já recicla há muitos anos. “Nós temos um compromisso muito forte com a reciclagem, o que fortalece o nosso modelo de economia circular. Essas ações se unem a outras iniciativas projetadas para serem alcançadas até 2026, como a meta de reduzir em 10% o nosso consumo de energia, em 20% a produção de rejeitos e 10% na intensidade do uso da água. Essas são algumas das ações planejadas e que contribuem para o nosso objetivo de descarbonização”, ressaltou.

Ela ainda destacou que o Brasil é um benchmarking quando a questão é transição energética e energia limpa. “O que me leva a falar isso são, principalmente, os dados do governo federal que apontam uma capacidade instalada de energia elétrica muito grande para fonte eólica. A nossa matriz energética, mais especificamente quando falamos de usinas eólicas, passou de 1 GW para 20 GW de potência em 2021. O Brasil vai subindo nesse ranking mundial e a nossa posição vai se tornando mais sólida. Em 2021, alcançamos o sexto lugar de capacidade total instalada de energia eólica onshore. Estamos em um processo de crescimento que é diretamente impactado por todos os investimentos em tecnologia e isso está garantindo ao Brasil uma nova posição nesse cenário internacional”, explicou.

Já para a Air Liquide, a transição energética é o caminho para alcançar um futuro sustentável. “Nós participamos desse movimento reduzindo nossas emissões de CO2 e de nossos clientes por meio do fornecimento de gases industriais de baixo carbono, captura e gestão de CO2 e transformando os processos industriais de nossos clientes. A Air Liquide se comprometeu a começar a reduzir as emissões de CO2, em valor absoluto, em 2025 e reduzir nossas emissões em um terço até 2035, alcançando a neutralidade de carbono até 2050”, afirmou o gerente de negócios para o segmento large industries da Air Liquide, Sergio Gutierrez.

A Air Liquide se comprometeu a começar a reduzir as emissões de CO2, em valor absoluto, em 2025 e reduzir nossas emissões em um terço até 2035, alcançando a neutralidade de carbono até 2050

Ele informou junto a Abrace, que há alguns anos atrás, a Air Liquide já começou a atuar em compromissos de descarbonização. Um exemplo é o eletrolisador de 20 MW no Canadá, que iniciou operações em 2021. Esse eletrolisador fornece hidrogênio livre de carbono para os clientes industriais da companhia. “Também temos uma planta de hidrogênio líquido de 30 toneladas por dia em Nevada, nos EUA. Essa planta visa atender 40.000 veículos à base hidrogênio, formando parte de todo esse movimento do hidrogênio na transição energética. No Brasil, a Air Liquide assinou importantes acordos de energia renovável para abastecer nossas instalações de produção de fases do ar e atualmente capturamos o CO2 da nossa produção de hidrogênio”, explicou Gutierrez.

A companhia pretende continuar contribuindo na transformação dos processos industriais de seus clientes através da produção de hidrogênio livre de carbono e serviços de captura de CO2. No longo prazo, a Air Liquide se comprometeu a investir, até 2035, € 8 bilhões na cadeia de fornecimento de hidrogênio de baixo carbono. “Esse compromisso da Air Liquide é internacional e inclui também o Brasil. Além disso, continuaremos nossos esforços para alcançar a neutralidade de carbono e apoiar nossos parceiros e clientes para fazê-lo também”, afirmou.

O executivo ainda declarou que o Brasil está em um bom nível de investimentos em transição energética, especialmente em geração de energia renovável. “Se compararmos o Brasil internacionalmente, temos uma das matrizes energéticas mais limpas, com mais de 80% delas sendo renovável. Ainda assim, como mencionado anteriormente, o Brasil tem muito a avançar em termos de políticas de carbono para estimular a implantação de projetos de transição energética. O Brasil tem muito potencial para promover a transição energética, mas ainda precisa estabelecer o ecossistema correto para as empresas avançarem com seus projetos. Vimos esse potencial ser plenamente aproveitado em outros países onde projetos de transição energética são incentivados e já estão em construção ou operação. Podemos tomar o recente exemplo do Chile que implementou uma estratégia nacional de hidrogênio verde e ajudou a financiar projetos desse tipo”, disse.

Oportunidades

A sócia da área de Energia e Recursos Naturais do Demarest, Rosi Costa Barros, afirmou à Agência CanalEnergia que se comparado com o cenário internacional, o Brasil ainda tem muito a avançar no tema transição energética. “Está tudo muito no começo e a insegurança jurídica com relação à regulamentação é uma trava. A inovação demanda uma certa liberdade e menos travas regulatórias. O Brasil tem um grande potencial para avançar e ser uma referência na transição energética, mas é necessário um diálogo amplo entre regulador, investidores e especialistas em tecnologias”, ressaltou.

Ela ainda explicou que o Brasil ainda está longe de utilizar todo o seu potencial para a transição energética. “Somos um País de dimensão continental, com recursos naturais vastos e ainda não amplamente explorado. A boa notícia é que há um movimento grande direcionado para a transição energética, basta que os atores se coordenem e foquem seus esforços para resultados efetivos. Precisamos explorar mais as experiências dos outros países e selecionar as que deram certo com
potencial de sucesso aqui também. O grande problema é que essa coordenação é difícil e exige planejamento, um exemplo disso é que existem mais de 4.000 pedidos de outorgas pendentes de análise na ANEEL, para a maioria dos quais não há margem de escoamento da energia para o sistema, tampouco certeza de demanda para todo esse potencial de geração”.

Rosi, porém, acredita que as grandes empresas são os grandes potenciais investidores no impulsionamento da transição energética. “Já vemos muitas delas estudando possibilidades de investimentos em projetos de baterias, usinas híbridas, eólicas offshore. Um grande incentivo das grandes empresas na transição energética é a meta de redução de emissão de gases de efeito estufa, niciativas ESG”, disse.

“Com relação ao viés de sustentabilidade, sem dúvida, há um grande movimento nesse sentido, até impulsionado pelos financiadores dos projetos, que exigem a comprovação de adoção de políticas ESG, sendo o setor elétrico e a exploração de fontes renováveis e tecnologias para a redução de gases de efeito estufa pontos relevantes para essas metas. Penso que as empresas devem abrir um diálogo com o Governo e o regulador para trabalhar nas questões relacionadas à transição energética de uma maneira coordenada. Para tanto, o Governo e reguladores, do seu lado, precisam assumir um papel de parceria, com escuta ativa para experiências que podem ser trazidas por grandes empresas, com um olhar mirando a viabilidade de projetos em um movimento coordenado, evitando travas desnecessárias”, finalizou.

Por Canal Energia
https://www.canalenergia.com.br/especiais/53222381/grandes-consumidores-focam-na-transicao-energetica

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