Entre as medidas que devem amortecer a conta de luz, apenas a lei que limita a alíquota do ICMS e isenta tarifa fio e encargos é vista como um solução estrutural.
Três novas medidas de desoneração tarifária previstas para 2022 tem o mérito de amortecer a conta de luz, mas em apenas uma delas o efeito é estrutural, por limitar a alíquota do ICMS e alterar a base de cálculo do tributo, na visão de especialistas do setor elétrico. Outras despesas continuarão a pressionar o setor nos próximos anos, caso dos subsídios, da contratação compulsória de usinas prevista na lei da Eletrobras, da compra de energia de térmicas emergenciais e do pagamento dos empréstimos da Conta Covid e da Conta Escassez Hídrica.
A primeira dessas medidas é a devolução ao consumidor de créditos de PIS e Cofins, que já vinha sendo feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica, mas foi turbinada esse ano com a aprovação da Lei 14.385.
A segunda, a antecipação de R$ 5 bilhões da Eletrobras à Conta de Desenvolvimento Energético, e a última a aprovação da Lei Complementar 194, que limitou a cobrança do ICMS, antes na casa do 25% em média, à alíquota padrão entre 17% e 18%.
A Aneel calcula em 5% a redução média proporcionada pelo uso dos créditos tributários, em 2,3% com o aporte da Eletrobras e em 12,7% (ao ano) o efeito da alteração no ICMS.
A Lei 194 também altera a base de cálculo do tributo estadual, ao incluir as tarifas de uso dos sistemas de transmissão e de distribuição e os encargos setoriais entre as operações isentas de ICMS. Uma questão que ainda terá de ser tratada pelas secretarias de Fazenda estadual, lembra a diretora-geral substituta da Aneel, Camila Bomfim.
“A gente tem esclarecido que essa matéria é uma matéria tributária, que depende de regulamentação das secretarias de Fazenda estaduais. O que a gente tem feito é mostrar, nas reuniões públicas, uma estimativa de impacto que, para a média Brasil, é uma redução em torno de 12% na fatura final do consumidor”, explicou Camila à Agência CanalEnergia.
A diretora-geral disse que a autarquia tem trabalhado muito para subsidiar o Conselho Nacional de Política Fazendária, com informações que permitam uniformidade no entendimento do fisco estadual em relação à forma de aplicação da lei. O texto, frisou, não trata apenas da redução da alíquota, mas também da alteração da base de cálculo, que a princípio não deveria incidir nas parcelas de transmissão e distribuição e nos encargos do setor.
Para o mercado, no entanto, a própria agência reguladora terá o papel de sinalizar aos estados sobre quais componentes da conta podem ser tributados. É o que pensa, por exemplo, o diretor Regulatório e Jurídico da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Wagner Ferreira.
O advogado defendeu em evento da Associação Nacional dos Consumidores de Energia Elétrica que a Aneel discuta a implementação da isenção prevista na lei complementar com o Confaz.
Em sua avaliação, cabe à agência reguladora sinalizar ao fisco o que é transmissão, distribuição e encargos setoriais. “O que fica fora disso, tributa”, concluiu o representante da Abradee.
Pelos cálculos da entidade que representa as distribuidoras, o conjunto de efeitos da lei 194 dá algo em torno de R$ 40 milhões em termos de redução de tributos. “Nosso percentual de redução é maior que o da Aneel. A Aneel chegou a um percentual de 12% e a gente a 14%. Então, a gente tem que correr atrás.”
Ferreira destacou que os encargos setoriais e a tributação representam 37,4% da conta de energia, sendo que os encargos quase triplicaram nos últimos 12 anos. Ele calcula que o orçamento da CDE, hoje em R$ 34 bilhões, pode chegar a R$ 50 bilhões. Uma parte é paga pelo mercado cativo, outra pelo mercado livre.
Alguns estados, entraram com ação no Supremo Tribunal Federal contra a lei do ICMS, aparentemente buscando postergar sua aplicação. Isso porque, o STF fixou o entendimento de que energia é um bem essencial, e limitou o ICMS à alíquota padrão das demais operações estaduais.
Ao modular os efeitos da decisão, os ministros atenderam, no entanto, um pedido dos governadores, e determinaram que a aplicação vale a partir de 2024. “Olho vivo nisso. Acho que uma petição dos consumidores ajuda os ministros a se posicionarem”, aconselhou Ferreira.
Angela Gomes, consultora da PSR, entende que o trecho da lei que trata da isenção da tarifa fio e dos encargos do setor elétrico não é autoaplicável. Precisaria, então, de um detalhamento maior, porque cada subgrupo tarifário tem pesos diferentes na alíquota, sendo a participação na alta tensão bem maior que na baixa tensão.
“Pelo que eu vi com as distribuidoras, elas tem dúvida sobre como fazer [o cálculo]. E a Aneel pode fazer isso, por meio de uma regulamentação” , disse a consultora, lembrando que isso foi feito no passado quando a cobrança de PIS e Cofins no setor passou do regime não cumulativo para o cumulativo.
Independentemente do que os estados vão fazer, a agência pode definir o que vai entrar na base de calculo do imposto. “Existe um tecnicismo por traz que exige conhecimento da aplicação tarifária”, afirma Angela Gomes.
Para a consultora, a questão dos encargos ainda não tem nenhuma solução estrutural a caminho. Ela prevê que os subsídios às renováveis vão crescer bastante antes de começar a estabilizar. O encargo de energia de reserva também terá crescimento exponencial, com a contratação obrigatória dos 8 GW de térmicas a gás previstas na lei da Eletrobras e das usinas emergenciais contratadas no ano passado, por meio de procedimento competitivo simplificado. O impacto projetado é de R$50/MWh.
“Fora o tema da redução da base de calculo do ICMS, o resto é cenário de aumento [de custo]. Agora, tem algumas coisas que podem acontecer de bom, que é o fim do serviço da dívida de Itaipu. Mas aí focado no Sul, Sudeste e Centro-Oeste.”
Na linha de outras avaliações, o ex-diretor da Aneel e consultor Edvaldo Santana lembra que a devolução de créditos e a antecipação da CDE são ações conjunturais e de efeito temporário. Já a redução do ICMS tem impacto apenas sobre a classe média, que paga alíquota maior que o limite estabelecido na lei. Santana explica que quem consome abaixo de 200 kWh, já tem alíquota inferior ao teto estabelecido na lei, enquanto o consumidor de baixa renda não paga ICMS.
Ele aponta para a trajetória dos custos setoriais. Dos R$ 32 bilhões em despesas da CDE desse ano, R$ 13 bilhões são descontos para fontes renováveis. Com as autorizações para projetos solar e eólicos que participaram da “corrida do ouro” pelo desconto de 50% na tarifa de uso da rede, o que é R$13 bilhões vai passar para R$ 25 bilhões até 2025.
A isso se soma o custo de contratação de termelétricas inflexíveis e do pagamento dos empréstimos para mitigar os impactos da pandemia em 2020 e da crise hídrica no ano passado.
Também para o coordenador de Energia do Instituto Pólis, Clauber Leite, todas as ações que estão sendo tomadas são medidas de conjuntura. “Há muito o que pode ser feito. Politicas muitas vezes abandonadas, como de eficiência energética, tem que ser tratadas de forma estrutural e não só em época de crise”, exemplifica, citando ainda a necessidade de maior incremento de energia renovável, com fontes mais baratas para que não seja necessário subsidiar gasodutos onde não existe infraestrutura de escoamento de gás, ou usinas a carvão com subsídios até 2040.
Leite vê uma pressão muito grande por subsídios dentro do Congresso Nacional. “São lobbies poderosos que conseguem convencer parlamentares a colocar esses jabutis, que, no final das contas, a gente é que paga”, destaca. Para o especialista, é preciso expor quais são os parlamentares que atendem a esse tipo de interesse, ao tomar decisões que acabam prejudicando a sua base de eleitores. “Energia representa um impacto importante no orçamento das famílias”, lembra.
O advogado tributarista Andre Edelstein avalia que a redução perene na tarifa virá mesmo com a lei complementar que limita a alíquota do ICMS e reconhece a não incidência do tributo estadual sobre tarifas de uso e encargos. A lei explicita a questão, mas como é genérica pode haver dúvidas das distribuidoras quanto à sua aplicação, afirma.
A devolução dos créditos bilionários de PIS e Cofins terá impacto no curto prazo, mas não é uma coisa que vai acontecer todos os anos. Da mesma forma, o aporte de recursos da privatização da Eletrobras vai impactar mais os processos tarifários de 2022, mas será diluído ao longo da concessão da empresa.
O advogado Luís Semeghini de Souza, da Stocche Forbes, também aponta para a natureza precária do efeito das medidas, exceto a que altera de forma estrutural o ICMS. Na avaliação de Semeghini, elas são, de um lado, necessárias, dado a escalada dos preços de energia elétrica e combustíveis, mas também tem um componente de uso político em ano eleitoral.
Por Canal Energia.
https://www.canalenergia.com.br/especiais/53220351/desoneracao-alivia-tarifa-mas-pressao-continua-nos-proximos-anos
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