Crise hídrica, usinas flutuantes e o potencial das eólicas offshore


Mais que uma nova forma de geração de energia, a expansão de usinas eólicas e solares flutuantes são uma alternativa para navegar contra a crise hídrica que assola o País, abrindo as portas para um futuro de maior segurança e eficiência energética, aliado ao objetivo global de reduzir as mudanças climáticas através da adoção de fontes renováveis e de menor impacto ambiental.

Advogados, integrantes da área de Energia do ASBZ Advogados

Atualmente, muito se ouve falar da geração de energia offshore, ou seja, em alto-mar, lagos, reservatórios ou outras áreas costeiras. Isso decorre das grandes expectativas e esperanças que se colocam para que o Brasil consiga incluir e ampliar cada vez mais, dentre suas matrizes energéticas, usinas solares e eólicas “flutuantes”, a fim de competir, em níveis tecnológicos e de responsabilidade ambiental, com mercados estrangeiros, como o europeu, onde essa modalidade se concentra em maior número.

Com a semelhante tecnologia utilizada nas plataformas de petróleo offshore, como a do pré-sal, a geração em alto-mar revela-se de grandes benefícios e desafios, já que, por um lado, apresenta ganhos de eficiência energética, considerando a maior constância e intensidade dos ventos, somada à redução de perda por sombreamento e potencial proximidade de centros de consumo, porém, por outro, possui altos custos de manutenção e controle, além de impactos na vida aquática local.

Em que pese os obstáculos, variados estudos demonstram que o Brasil com cerca de 8 mil quilômetros de costa, possui um potencial imenso para que essa moderna tecnologia de energia renovável seja uma das maiores do mundo, fato este que impulsiona na busca em acomodar a tendência offshore, ainda que de forma ainda tímida.

Daniel H. R. Valle, advogado

Considerando que além de um corpo aquático vasto, o território brasileiro detém diversos reservatórios de hidrelétricas, os investimentos iniciais se voltaram à instalação de usinas solares fotovoltaicas “flutuantes” sobre os espelhos d’água em represas de hidrelétricas, como a de Sobradinho, na Bahia, que abriga a maior usina solar flutuante das Américas.

Já no que tange a geração eólica, a modalidade offshore ainda não é uma realidade nos mares brasileiros, apesar de o Brasil estar dentre os maiores países produtores de energia eólica em nível global e com enorme potencial de geração eólica em seu litoral, rios e lagos.

Todavia, esse cenário está prestes a mudar.

Recentemente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) regulamentou a chamada “hibridização dos sistemas de energia” – combinação de mais de uma tecnologia de geração, como por exemplo a energia solar à hídrica –, através da Resolução Normativa nº. 954/2021, que entrou em vigor em 3 de janeiro de 2022, estabelecendo as regras de utilização das instalações de distribuição e/ou transmissão para escoamento de energia compartilhada, quais são os agentes beneficiados, o tratamento dos benefícios tarifários das fontes, os contratos e procedimentos a serem observados.

Essa regulamentação da hibridização dos sistemas de energia dará maior impulso às usinas solares flutuantes, passando a serem mais conhecidas e visadas pelos empreendedores e investidores, já que podem ser uma solução para as eventuais ociosidades das usinas hidrelétricas, que enfrentam baixa nos reservatórios e geram temerosas crises hídricas.

Rafael Janiques, advogado

Mesmo antes dessa regulamentação, a Aneel já buscava o desenvolvimento dessa hibridização de sistemas solar e hídrico, por meio dos projetos do programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), nas Usinas Hidrelétricas de Sobradinho, Porto Primavera, Aimorés e Itumbiara, e na PCH Santa Marta.

Esse crescimento não é uma mera suposição. Pesquisadores da Michigan State University recentemente publicaram um estudo comprovando que a associação das hidrelétricas à geração solar flutuante pode aumentar em mais de 17,3% a capacidade de geração de energia brasileira.

E não para por aí: a complementariedade da fonte hídrica por meio da fonte eólica também se mostra uma possibilidade satisfatória, sobretudo levando-se em conta que os diversos projetos de usinas eólicas offshore tendem a começar a sair do papel, dada a recente publicação do Decreto nº. 10.946/2022, pelo governo federal, que entra em vigor apenas em 15 de junho de 2022, o qual estabelece as regras básicas que definem a exploração do potencial eólico offshore na costa brasileira.

Finalmente, um dos grandes entraves com relação à ausência de segurança jurídica para implantação de projetos de geração eólica em alto-mar parece ter sido eliminado, dando força aos planos de expansão de energia elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que incluem a fonte eólica offshore como geradora de 16 GW (gigawatts) até 2050, além de ser uma opção viável na produção de hidrogênio verde, que está cada vez mais sendo almejado para substituição do gás natural.

Ana Beatriz Dias Sousa, advogada

Os benefícios das usinas eólicas offshore são inegáveis: ventos mais fortes e mais constantes, o que amplia o fator de capacidade de usinas eólicas no mar e atenua a intermitência de geração de eletricidade a partir de ventos; ausência de limitações em termos de utilização dos solos e dos diversos impactos visuais; ausência de impactos sonoros (ao menos para os seres-humanos); ausência de obstáculos geográficos, como montanhas; ausência de rugosidade das turbinas do mar, fazendo com que não seja necessário turbinas tão altas quanto de usinas onshore etc [1].

Veja-se, portanto, que, mais que uma nova forma de geração de energia, a expansão de usinas eólicas e solares flutuantes são uma alternativa para navegar contra a crise hídrica que assola o País, abrindo as portas para um futuro de maior segurança e eficiência energética, aliado ao objetivo global de reduzir as mudanças climáticas através da adoção de fontes renováveis e de menor impacto ambiental.

NOTA:

[1] “Geração de eletricidade a partir de usinas eólicas offshore: premissas a serem consideradas”. In: Thiago Carvalho Borges; Tiago V. Zanella; André de Paiva Toledo; Leonardo de Camargo Subtil; Orlindo Francisco Borges. (Org.). Direito do mar: Reflexões, tendências e perspectivas. Belo Horizonte: D’Placido, 2017, p. 295ss.

 

Fonte: Canal Energia
Imagem: Veja
https://canalenergia.com.br/artigos/53204629/crise-hidrica-usinas-flutuantes-e-o-potencial-das-eolicas-offshore

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