O mundo prioriza segurança de suprimento.

O mercado global de energia apresentou dois marcos no ano de 2021: a retomada da demanda energética junto à crise de oferta das fontes fósseis e o discurso de mudanças climáticas reforçado principalmente durante a COP26, em Glasgow, na Escócia.

A elevação dos preços das commodities energéticas, principalmente a partir do segundo semestre de 2021, mostra o quanto a economia mundial ainda recorre às fontes tradicionais, como petróleo e gás natural, e torna seus olhos mesmo para a fonte nuclear, refletida pelas altas nos preços do urânio.

Conforme dados do Investing.com, foram observados os seguintes movimentos para os preços máximos atingidos até o final do ano com referência ao preço de fechamento médio no mês de julho de 2021: o barril de petróleo (Brent) passou de US$ 74 e atingiu a máxima de US$ 86 (+16%); o Japan Korea Marker (Platts JKM), referência para o gás natural, foi de US$ 13 para US$ 49/MMBTU (+276%); e o urânio escalou de US$ 32 para US$ 43 (+34%) para cada 250 libras da commodity, seguindo a agregação de contratos futuros da Chicago Mercantile Exchange (CME). Embora correções de preço tenham ocorrido em relação aos patamares máximos atingidos, o viés de alta permaneceu até a primeira quinzena de janeiro.

Fundo ICLN pode ser um rastreador global do progresso de se conciliar crescimento com pegada de carbono

Embora não haja uma commodity representativa da energia solar e eólica, o sentimento do mercado sobre essas renováveis emergentes pode ser verificado por outro instrumento financeiro, aqui sugerido: o iShares Global Clean Energy ETF (ICLN). O ICLN é um Exchange Traded Fund (ETF) listado na bolsa da Nasdaq, com cerca de US$ 5 bilhões de capitalização de mercado, cujo objetivo é refletir a performance do setor de energia limpa no mundo.

O fundo, criado em 2008, possui atualmente uma regionalização do capital, dividida em 50% nos EUA, 37 % na Europa, 10% na Ásia-Pacífico, 2% na América Latina e 1% na África e Oriente Médio. As 10 maiores empresas dentro da capitalização do ETF compõem cerca de 50% do fundo, com atividades nos segmentos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, incluindo a produção de equipamentos com representatividade da fonte eólica e solar. Assim, em analogia ao ETF BOVA11 na bolsa brasileira, que busca atrair cotistas interessados em se expor ao índice Ibovespa e ao crescimento do mercado de capital aberto do país, o ICLN é um índice em potencial do setor de energia renovável no mundo.

A comparação de um ETF com commodities (petróleo, gás ou urânio) tem limitações, por se tratarem de classes de ativos diferentes. Simplificadamente, o primeiro trata-se de um agregado de empresas que performam economicamente (tem a meta de gerar caixa, valor, atrair investidores e recursos). São selecionadas semestralmente para compor o ETF pelo gestor, dentro de regras baseadas em um índice composto por ações globais do setor de energia limpa em termo de impactos ambientais, sociais e de governança. Já as commodities, respondem por si só, conforme a demanda e oferta do mercado pelo insumo básico.

Contudo, a aceleração ou desaceleração dos preços de ambas as classes no tempo é uma proposta de se interpretar a perspectiva de mercado sobre as fontes renováveis frente às fontes tradicionais, principalmente quando se carece de um preço para o sol ou vento.

Ao se observar a evolução desse ETF em 2021, houve uma desvalorização de US$ 33 a US$ 22 (-33%) no primeiro trimestre, seguido de estagnação das fontes renováveis (entre US$ 20 e US$ 25 de março a dezembro), durante a escalada citada das fontes tradicionais, mesmo no calor do discurso da COP26. Não obstante, vale ressaltar que o ICLN cresceu significativamente de US$ 8 a US$ 33 (+312%) em 2020, com maior força que a recuperação de 143% do preço do barril de petróleo (US$ 23 a US$ 56) após o choque de demanda provocado pela crise sanitária. Dessa maneira, as empresas representativas das fontes renováveis apresentaram crescimento significativo durante a retomada econômica. A evolução desses indicadores desde 2017 pode ser verificada na elaboração realizada pelo Instituto de Energia da PUC-Rio (www.iepuc.puc-rio.br/).

O mundo continua dependente do petróleo e fontes tradicionais, conforme os preços se mostram no passado e presente. Enquanto elas forem essenciais para a cadeia produtiva vigente, os eventos de recuperação econômica serão contrastados pela briga de oferta e demanda por esses insumos de matéria-prima ou energia. As renováveis vêm ganhando espaço, mas, enquanto houver dificuldades de gestão da intermitência, provavelmente o mundo continuará a priorizar as fontes que tragam segurança de suprimento, seja petróleo, gás ou mesmo urânio.

O discurso e a vontade de descarbonização das nações, pelo menos, se mostraram descorrelacionados da perspectiva do mercado em 2021. Mudanças no perfil das curvas no futuro podem demonstrar a retomada da atratividade dos empreendimentos e o progresso das políticas energéticas e ambientais. Uma eventual retomada de longo prazo do ICLN, frente principalmente ao petróleo, pode ser um rastreador global do progresso de se conciliar crescimento econômico-social com a pegada de carbono.

Outros ou novos ETFs com objetivos similares ao ICLN, mas restritos a ações em continentes ou regiões específicas, ou mesmo a segmentos de fontes de energia, poderiam contribuir para atrair investimentos e verificar a percepção do mercado localmente. O Brasil poderia se valer dessa proposta, através de um produto financeiro que incluísse suas principais empresas no setor de energia, transmissão e distribuição. É importante destacar que contamos com 3 das 4 empresas do continente no ICLN (as brasileiras Cemig, Eletrobras e Copel e a filial continental da Enel baseada no Chile), embora a participação das três empresas brasileiras juntas seja de 1,8% dentro da capitalização.

Um ETF brasileiro, sendo gerido dinamicamente conforme o sucesso de atuação e a transição energética realizados pelas companhias de capital aberto, poderia medir a performance do país ou da América Latina neste tema, frente ao restante do mundo.

Eloi F. y Fernández, Florian Pradelle e Sergio L. P. Castiñeiras Filho são do Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC)
Fonte: Valor Econômico
Imagem: ABRAPCH – PCH Fazenda Velha
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/busca-por-energias-renovaveis-ainda-nao-aparece-nas-bolsas.ghtml

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