Relatório preliminar de técnicos do órgão de fiscalização obtido pelo GLOBO diz que medidas se concentraram no aumento da oferta de energia ‘sem estudos ou análises detalhadas’.
Um relatório de técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou uma série de falhas na condução pelo governo das medidas contra a crise hídrica no ano passado, quando o país passou pelo pior período seco em mais de 90 anos e enfrentou um risco de racionamento de energia elétrica.
A avaliação dos técnicos do TCU faz parte de um processo aberto pelo tribunal para acompanhar as ações do governo durante a crise. O relatório, obtido pelo GLOBO, é preliminar e foi encaminhado aos órgãos responsáveis pela gestão da crise antes de uma conclusão por parte dos ministros do tribunal. Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se manifestou.
Os técnicos do TCU afirmam que a maioria das medidas no ano passado “teve foco no aumento da oferta de energia, sem estudos ou análises detalhadas de impacto que corroborassem essa escolha, negligenciando ações do lado da demanda, havendo pouco incentivo para o deslocamento ou redução do consumo”.
Durante o auge da crise hídrica, o governo se concentrou em ampliar a capacidade de geração de energia no país, especialmente por meio de usinas termelétricas. Praticamente todas as usinas a gás natural, óleo diesel, carvão e biomassa do país foram acionadas, gerando aumento de custos mas garantindo o fornecimento de eletricidade.
Só em agosto foi anunciado um programa para incentivar a redução do consumo por parte dos clientes residenciais. Para a indústria e grandes consumidores, foi oferecido um programa que incentivou o “deslocamento” dos horários de pico para horários de menor consumo.
Os técnicos do TCU avaliaram que houve falhas no planejamento e na execução do programa voltado para os clientes residenciais ao não prever tempo hábil para comunicação da existência do mecanismo. O governo também “não disponibilizou as metas de redução antes do início de vigência; e ainda teve lacunas de informação nas faturas dos consumidores”, diz o documento.
O relatório do TCU também concluiu que “houve falhas na execução e na comunicação das medidas adotadas sob a ótica da demanda” e que “houve demora para adoção de algumas medidas”.
Para o Tribunal de Contas da União, o governo tomou medidas de “maneira açodada e com pouca previsibilidade” porque não teve um plano de contingência para enfrentar o problema.
As ações tomadas por conta da crise se intensificaram a partir de maio do ano passado, após o período das chuvas. Naquele momento, ficou claro que o país enfrentaria o período de seca sem precedentes, especialmente nas hidrelétricas do Centro-Oeste e do Sudeste, que concentram a “caixa d’água” do sistema nacional de energia.
Com o baixo nível dos reservatórios, entre outras medidas, o Ministério de Minas e Energia mudou regras de vazão de hidrelétricas para privilegiar a geração de energia; acionou todo o parque térmico do país; e aumentou a produção de eletricidade no Nordeste, onde a situação estava mais tranquila.
Outra medida tomada foi um leilão de contratação simplificada de termelétricas que, para o TCU, foi planejado para ser executado em tempo muito curto, muito inferior ao usual ou recomendável para contratações da magnitude desse leilão. O custo da medida estimado pelo TCU é de R$ 39 bilhões.
Para cobrir os custos dessas medidas, o governo criou a bandeira tarifária da Escassez Hídrica. Em vigor até abril, essa bandeira representa um custo extra de R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora consumidos.
Parte desses custos seriam transferidos para as contas de luz neste ano, mas o governo editou uma medida provisória (MP) que permite um empréstimo embutido nas tarifas de energia. Na prática, esse empréstimo socorre o setor elétrico, alivia as contas neste ano, mas adia o aumento das tarifas para os próximos anos, com adição de juros.
Para os técnicos do TCU, a medida provisória foi editada sem a realização de uma análise prévia dos custos e consequentemente dos impactos tarifários. O relatório recomenda que o MME realize antes da liberação dos recursos estudo de vantajosidade. As distribuidoras querem um empréstimo da ordem de R$ 15 bilhões.
“Importa registrar que a solução adotada pelo MME não é nova, sendo mais uma vez utilizado o expediente de editar uma Medida Provisória (MP) para resolver problemas conjunturais do setor através da instituição de operação de crédito em nome do consumidor. Agrava o fato de que essa solução tem se tornado recorrente”, afirma o relatório, lembrando que medidas semelhantes foram adotadas pelo governo Dilma Rousseff em 2014 e pelo governo Bolsonaro em 2020.
Fonte e Imagem: O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/tcu-aponta-serie-de-falhas-do-governo-na-conducao-da-crise-hidrica-que-elevou-contas-de-luz-25350457
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