No começo da década passada, com o boom da energia eólica, existiam gargalos para escoar a energia gerada no Nordeste para trazer ao Sudeste, por conta do descompasso do tempo de construção de um parque eólico e de uma linha de transmissão, assim como acontece com a energia solar. No entanto, o que temos visto recentemente parece não ser um gargalo como se via no passado, mas sim um problema conjuntural em meio à crise de escassez hídrica, que, segundo analistas consultados pelo Broadcast Energia, pode ser resolvido com um planejamento concomitante entre a geração renovável e a transmissão.
No caso da energia eólica, a forte expansão teve início em 2010 e 2011, após o primeiro leilão competitivo do segmento, realizado em 2009. Em 2011, começaram a ser inauguradas as usinas resultantes desse certame. De lá para cá, as eólicas vêm participando de forma regular dos leilões do governo, com contratações por ano de cerca de 2 gigawatts (GW) até 2017. A partir de 2018, passou-se a viabilizar cerca de 3,5 GW a 4 GW, sendo que 75% disso para o mercado livre.
“A expansão da geração renovável se deu fortemente a partir desses anos e a expansão da transmissão tem que acompanhar. Tivemos um gargalo em 2012 e 2013, uma vez que os parques são implementados em no máximo dois anos e, às vezes, a transmissão leva de três a quatro anos, principalmente por conta do atraso nas licenças ambientais”, explicou a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum.
Segundo ela, o período mais difícil para a fonte foi em 2013, quando quase 1 GW estava pronto para entrar e não tinha linha de transmissão. “Isso trouxe um choque de realidade para a cadeia e tivemos que mudar a regulação e a metodologia, com a transmissão passando a ser licitada com antecedência”.
Hoje, para um parque eólico entrar num leilão, precisa primeiro do parecer de acesso do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e ter uma certificação de que haverá uma linha de transmissão. “Porém, como a geração é uma coisa que entra muito rápido, temos que observar tempo todo se a transmissão está acompanhando. Falar sempre com a EPE [Empresa de Pesquisa Energética] e ficar interagindo para que a transmissão acompanhe a geração. Isso tem evoluído muito nesse processo. Isso fez com o que o setor não tivesse mais o gargalo visto no passado”, diz Gannoum.
A presidente da ABEEólica disse que a restrição recente foi causada por uma geração maior das eólicas para levar energia para o Sudeste, embora para isso a estrada tenha ficado um pouco engarrafada. “Trouxemos muita energia, mas o ONS teve que flexibilizar alguns critérios de segurança, sem colocar o sistema em risco, para trazer mais energia para cá [Sudeste]. Essa é uma das razões do Brasil não ter chegado ao racionamento. Não tivemos uma restrição de transmissão de uma conjuntura errada do passado. Foi uma conjuntura de operar o sistema de forma não ortodoxa para confortar o sistema”.
Já a energia solar teve uma ascensão meteórica nos últimos anos, após mudanças na regulação, barateamento de alguns equipamentos e a associação à geração distribuída (GD). Para o conselheiro da Absolar Ricardo Barros, há uma preocupação para o escoamento da energia para o Sudeste, já que existem usinas que não estão produzindo toda a sua capacidade por essa circunstância.
“Nos últimos meses e anos, o ONS tem chamado essas usinas a reduzir a geração porque a linha está com gargalo e não tem sistema suficiente para colocar a energia no mercado. E é especialmente para a exportação do Nordeste para o Sudeste. Esse gargalo está impactando a geração, principalmente no curto prazo”, analisa Barros.
O conselheiro da Absolar ressalta que, se tem dificuldade para escoar essa energia hoje, imagine para a expansão das usinas. “É verdade que a EPE e o ONS têm feito estudos para garantir a expansão na região, mas tem sido tímida. Isso já foi feito no passado e as usinas cresceram mais do que o planejamento. Essa situação afugenta os investimentos. São empresas multinacionais vendo isso. Onde tiver melhor ambiente de negócios é para onde vai o dinheiro. Por isso, temos preocupação com o gargalo dos projetos existentes e os planejados”, disse.
Para atender à entrada em operação de parques eólicos e solares até 2025 será necessário fazer uma expansão exponencial na Transmissão. Foto: JF Diório/Estadão
Recentemente, o ONS divulgou um estudo onde demonstra que para atender à entrada em operação de parques eólicos e solares até 2025 precisa fazer uma expansão exponencial. Até lá, serão 36 GW de potência de geração eólica e solar que estarão inseridas no sistema. O próprio Operador reconhece que, levando em consideração todos os pedidos do sistema, o montante de renovável não seria de 36 GW, mas sim de 52 GW. Essa correria se dá provavelmente porque os empreendedores não querem perder os descontos nas Tarifas de Uso dos Sistemas de Transmissão (TUST) e de Distribuição (TUSD), que se encerram em março próximo.
“É preciso pensar juntos, não encontrar culpado, o ponto é que hoje já tem problema. Existem diferentes camadas de expansão para resolver o hoje, depois para atender o incremento de potência e atingir o potencial adicional que pode chegar a 60 GW”, afirma o conselheiro da Absolar.
Por outro lado, o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (Abrate), Mário Miranda, disse que o planejamento do passado era com base nas hidrelétricas que demoravam muito tempo para serem implantadas e o empreendedor da transmissão tinha tempo para colocar o projeto em pé, mas com a eólica e a solar esses prazos caíram muito.
“Há uma necessidade do planejamento da transmissão. Temos falado com a EPE de antecipar e colocar linhas para fazer face ao grande potencial que existe na região [Nordeste]”, diz Miranda.
De acordo com o presidente da Abrate, o ideal seria uma interligação plena do Nordeste com o Sudeste, uma espécie de intercâmbio de energia que interaja com o Brasil e, dessa maneira, toda a energia pode ser transportada para o consumidor com o melhor sinal econômico.
O que diz o outro lado
A EPE, vinculada ao Ministério de Minas e Energia (EPE), responsável pelo planejamento do setor elétrico, afirmou que vem continuamente avaliando as necessidades de expansão do Sistema Interligado Nacional (SIN) de modo a viabilizar a integração e o escoamento de geração das diversas fontes energéticas.
Dentro desse contexto, a entidade afirma que os estudos já emitidos recomendaram reforços, atualmente em fase de implantação, que farão a capacidade de exportação total da região Norte e Nordeste praticamente dobrar até o ano 2026, quando comparada aos valores vigentes no início da década, alcançando um limite aproximado de 17,2 GW.
Para o órgão, os gargalos de transmissão discutidos nos últimos anos são conjunturais e ocorreram, principalmente, em função do atraso na entrada em operação de importantes obras de transmissão, anteriormente planejadas, em decorrência de processos de caducidade de contratos de concessão.
“Tais gargalos, que tendem a se concentrar em cenários de elevada disponibilidade de geração hidráulica na região Norte, coincidentes com excedentes de geração eólica e fotovoltaica na região Nordeste, serão minimizados, até o ano 2023, com a entrada em operação da rede planejada”, diz a EPE.
A entidade afirma ainda que quando todos esses estudos estiverem finalizados, a capacidade de intercâmbio entre as regiões Norte e Nordeste e Sudeste e Centro-Oeste aumentará significativamente, passando de 17,2 GW, previsto para o ano de 2026, para aproximadamente 30 GW, viabilizando, assim, o escoamento de geração de cerca de 57 GW de geração renovável.
O relatório mais recente divulgado pela EPE aponta que o escoamento de energia da região Nordeste, Área Sul, prevê a expansão de 6,6 mil quilômetros de linhas de transmissão em 500 quilovolt (kV) e quatro novas subestações da rede básica, com um investimento total de R$ 18,2 bilhões. Estima-se que as obras recomendadas a partir desses novos estudos sejam licitadas nos leilões de transmissão a serem realizados em 2023, devendo entrar em operação até o ano de 2028.
Indagada sobre a necessidade de aumentar o número de leilões de transmissão realizados anualmente pelo governo, que normalmente são dois, a EPE explicou que considerando todos os prazos envolvidos, são necessários cerca de 11 meses para a execução dos processos para a realização do certame, entre eles a condução dos processo pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o controle externo efetuado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o que dificulta a execução de mais do que dois leilões do segmento ao ano.
O ONS, por sua vez, explicou que, além do planejamento feito pelos órgãos responsáveis pela expansão do sistema, são feitas ações visando identificar medidas operativas, como a implantação de Sistemas Especiais de Proteção (SEP) e a otimização de controles de geradores e outros equipamentos, com o objetivo de maximizar a transferência energética entre subsistemas nas condições presentes da rede, preservando a segurança da operação do SIN.
Além disso, o Planejamento Anual da Operação Energética 2022 a 2026, divulgado em dezembro passado, estima o investimento de R$ 23,9 bilhões a ser realizado na transmissão até 2026. “Além do conjunto indicado no PAR/PEL 2022-2026, o ONS acompanha de perto estudos que estão sendo conduzidos pela EPE e que deverão resultar em reforços adicionais no SIN voltados a aumentar a capacidade de transferência energética entre subsistemas”, diz a nota.
Fonte: Estadão
Imagem: CPE
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