Diferentemente das últimas medidas provisórias relacionadas ao setor elétrico, a Medida Provisória (MP) 1055/2021, que deu poderes para o governo enfrentar a crise hídrica caminha para perder a validade sem ser analisada pelo Congresso Nacional. Além de aumentar a conta de luz dos consumidores nos próximos anos, as alterações propostas pelo relator do texto na Câmara, deputado Adolfo Viana (PSDB-BA), podem ter custado à aprovação da MP. O parecer desagradou a gregos e troianos. Enquanto o governo trabalhava para derrubar as sugestões, a Câmara demonstrou a indisposição com a retirada do texto da pauta em outubro.
A MP foi editada pelo governo em junho para abrir caminho às medidas emergenciais devido aos baixos níveis nos reservatórios das hidrelétricas. Para isso, o texto institui a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), que determinou, por exemplo, a retenção de água nos reservatórios e a criação de um patamar mais caro da bandeira tarifária. O texto, no entanto, precisa ser aprovado pelo Congresso até o próximo domingo, 7, para se tornar lei definitiva.
Entre os deputados, a avaliação é que a versão apresentada pelo relator traz “jabutis” – jargão do Congresso para trechos estranhos ao texto do Executivo -, que desfiguraram o objetivo inicial da MP. O texto do relator vai na linha que pode encarecer ainda mais as contas de luz dos brasileiros. O maior impasse é em relação ao repasse do custo de construção de novos gasodutos para os consumidores. A medida é uma “solução” para viabilizar as térmicas a gás que o governo terá que contratar nos próximos anos, conforme determina a lei que permitiu a privatização da Eletrobras.
O texto ainda traz medidas que aumentam benefícios para alguns segmentos, como a prorrogação de subsídios para o setor de carvão mineral – bancados por meio de encargos na conta de luz. Do jeito que está dificilmente terá o apoio dos deputados. “Se for o texto do relator, não será votado”, afirmou o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Para destravar a votação, seria necessária a apresentação de um novo parecer, o que não há indicação que irá acontecer, além de um esforço político para análise em uma semana legislativa mais curta.
As alterações também acenderam alerta no setor elétrico. Estimativas da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) mostram que os jabutis terão um custo de até R$ 46,5 bilhões a serem bancados pelos consumidores. O presidente da associação, Paulo Pedrosa, avalia que, frente aos custos que seriam impostos nas contas de luz, a perda de validade da MP é a melhor opção. Para ele, o posicionamento do governo contrário às alterações, principalmente do ponto de vista econômico, é positivo e essa mesma linha deve ser considerada na discussão de modernização do setor elétrico.
Pedrosa avalia que o vencimento da MP não deve trazer prejuízos para o enfrentamento da crise energética que o País enfrenta. “As medidas mais importantes foram tomadas no início, que foram para cumprir o papel dela [Creg] ao dar segurança jurídica para preservação de água nos reservatórios quando isso foi muito necessário”, afirma. “Não é bom caducar, mas o custo-benefício sinaliza claramente que é a melhor opção. Espero que as ações que levaram a essa convergência, que são associadas à proteção dos consumidores, continuem determinando as discussões em torno da modernização do setor”, disse.
Lacunas
Mesmo com o entendimento no setor indicar que a perda de validade da MP não traz grandes prejuízos, o cenário pode levar a algumas lacunas no comando da gestão da crise hídrica. O sócio da Reis Gomes Advogados, Henrique Reis, explica que a legislação prevê que os atos praticados pela Creg nos últimos meses continuam valendo, já que as medidas provisórias têm força de lei durante sua vigência. No entanto, o vencimento da MP traz dúvidas sobre a continuidade do funcionamento do colegiado.
“Novas decisões não poderão ser tomadas [pela Creg], mas as que já foram se mantêm, porque foram emitidas por órgão competente. O Congresso pode editar um decreto legislativo para regular as situações constituídas com fundamentos da MP durante seu período de vigência”, afirma. “Mas, mesmo que não tenha, os atos são conservados, o que manteria, por exemplo, os efeitos das decisões da própria Câmara, da Agência Nacional de Energia Elétrica e dos demais entes públicos na gestão da crise”.
Resta saber como o governo irá manter ações para garantir o fornecimento de energia elétrica e amenizar os impactos que a crise terá no crescimento econômico do País. Apesar do risco de um vácuo na gestão da crise, a caducidade da MP representaria uma vitória para o governo, que se manifestou publicamente contra o parecer do relator. E também para o consumidor, que não terá que assumir uma conta salgada para bancar mais encargos e subsídios embutidos na conta de luz, que já pesou no bolso nos últimos meses para manter as térmicas e deve ficar ainda mais cara no próximo ano.
Fonte e Imagem: Estadão
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,jabutis-em-mp-da-crise-hidrica-custarao-r-46-5-bi-a-consumidores-diz-associacao,70003858043
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