Participação de fontes limpas na oferta de energia tem aumentado no Brasil.
A crise hídrica, que trouxe um alerta sobre o abastecimento do setor elétrico neste ano, expõe os desafios que o setor de energia terá no Brasil para o cenário de transição para uma economia de baixo carbono. O país tem uma matriz diferente da maioria dos países: cerca de 80% da matriz de energia elétrica é renovável, enquanto quase metade da energética é baseada em fontes limpas, ao contrário do mundo em que o carvão tem grande participação.
Mesmo assim, os desafios brasileiros não são triviais: o país precisará equilibrar demanda de energia em alta, gestão de recursos hídricos cada vez mais complexa, o avanço do gás, a exploração gradual da camada pré-sal e a redução das emissões de dióxido de carbono.
O sistema está mais vulnerável às mudanças climáticas, o que cria maior volatilidade nos preços e impõe reflexões sobre o planejamento e a gestão do uso múltiplo das águas”, diz Luiz Barroso, presidente da consultoria PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão estatal de planejamento.
“Os resultados da COP ficaram aquém do necessário, mas melhor que o esperado, mantendo vivo o Acordo de Paris. O mais importante, a meu ver, foi o alinhamento do setor privado e as centenas de parcerias e compromissos firmados em diversas frentes no tripé comida, floresta e finanças. Países com florestas tropicais como a Amazônia podem criar oferta nos mercados de carbono, já que essas áreas são responsáveis por relevante redução das emissões globais de gases de efeito estufa. A floresta em pé pode ser a grande criptomoeda verde global”, observa Barroso.
Ele destaca que 84% da energia consumida no mundo em 2020 foi de origem fóssil. Portanto, o mundo ainda depende das fontes mais poluentes. “Assim, quando pensamos em transição energética, é importante separar as ações pelo lado da oferta daquelas pelos lado da demanda. E as ações pelo lado da demanda são fundamentais. Se a demanda por combustíveis fósseis não for reduzida, a mudança no perfil de oferta para tecnologias limpas apenas vai criar problemas econômicos, políticos e geopolíticos para atender essa demanda, que podem atrapalhar as próprias ações de descarbonização.”
Usinas eólicas e solares respondem por 13% da eletricidade consumida no país. O avanço dessas fontes intermitentes tem levado à discussão sobre o uso de energia firme, como termelétricas a gás natural e até a construção de uma quarta usina nuclear no país. Neste ano, as termelétricas chegaram a responder em alguns momentos por um quarto da geração de energia elétrica. São usinas que consomem bastante água em seu processo, emitem mais poluentes e têm um custo mais alto de operação.
“O preço do sistema está errado. Estamos gerando com térmicas a quase R$ 2.000 mil o MWh e o preço no curto prazo está abaixo de R$ 100 o MWh. Estamos esvaziando reservatórios assim e depois os enchemos com preços mais altos”, aponta o presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia, Paulo Pedrosa.
Projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que entre 2021 e 2030, o gás natural deverá ser uma das fontes de geração de energia elétrica com maior expansão do país, adicionando até 16 GW de capacidade. No mesmo período, a produção brasileira do combustível deverá crescer de 73 milhões de metros cúbicos diários para 140 milhões de metros cúbicos diários no cenário de referência. “Nosso ponto de partida é muito bom porque a matriz já é renovável, mas precisaremos complementar nossas fontes e reduzir a presença de combustíveis fósseis com uma demanda em alta. Em alguns cenários de longo prazo, a demanda energética chega a triplicar nas próximas décadas”, diz a diretora de estudos de petróleo e gás natural da EPE, Heloisa Borges
Heloisa aponta que o gás poderá ter participação não apenas na matriz elétrica, mas como combustível que abastecerá frotas de caminhões, que hoje são fortemente dependentes do diesel. Os caminhões, por exemplo, são grandes fontes emissoras de gases de efeito-estufa e se aproximam bastante das emissões de todo o setor industrial.
O gás ainda poderá ter outro papel na matriz energética com a exploração gradual da camada pré-sal, em que há o insumo associado ao óleo extraído. Como há limites ambientais para sua queima e existem obstáculos técnicos para sua reinjeção, o gás terá de ser aproveitado. “Nosso problema atual de crise hídrica é um aperto conjuntural. Nosso problema não é falta de gás, mas como usar esse gás abundante para viabilizar e potencializar nossa indústria no cenário de descarbonização”, aponta a diretora da EPE.
Fonte e Imagem: Valor Econômico.
https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2021/11/24/crise-hidrica-expoe-desafio-de-manter-a-matriz-limpa.ghtml
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