O programa, que deve ser lançado logo antes ou na primeira semana da CoP 26, está sendo gestado pelos ministérios da Economia e do Meio Ambiente e deve ser formalizado em decreto conjunto.
O governo federal está preparando um “Programa de Crescimento Verde” para ser lançado logo antes ou na primeira semana da CoP 26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática que irá acontecer em Glasgow, em novembro. Estão sendo estruturados incentivos econômicos para atividades e projetos considerados “verdes”. Além disso, recursos de cerca de US$ 2,5 bilhões estão sendo negociados com o New Development Bank, o banco dos BRICS, o grupo originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
“Ainda não é definitivo. Estamos em negociação, não está fechado”, disse ao Valor o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Álvaro Pereira Leite, que adiantou estar em conversa com Marcos Prado Troyjo, presidente do NDB e ex-secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Economia. O programa está sendo gestado pelos ministérios da Economia e do Meio Ambiente e deve ser formalizado em decreto conjunto. Outras pastas – Agricultura, Infraestrutura, Ciência, Tecnologia e Inovações, Casa Civil – também estão envolvidas.
A iniciativa “olha para a neutralidade em carbono em 2050 e considera conservação florestal, menor uso de recursos naturais, geração de emprego e remuneração para quem preserva a floresta. Estes são os grandes resultados que esperamos”, adiantou o ministro.
Ele falou da iniciativa a John Kerry, enviado especial de Clima da Casa Branca, há poucos dias, e em conversas bilaterais com representantes de outros governos, como Portugal e Cingapura.
“Tentamos desenhar um programa olhando critérios verdes ao redor do mundo para trazer isso para dentro do nosso programa, para que seja reconhecido globalmente”, diz o ministro, que foi levado à Pasta pelo antecessor Ricardo Salles.
Custo Brasil x ambientalistas
Sobre as fortes críticas dos ambientalistas feitas esta semana ao ofício do Ministério da Economia, pedindo ao MMA a flexibilização de normas ambientais como parte de um processo de redução do chamado Custo Brasil, Pereira Leite defende o governo e diz que “foi muito barulho por nada”.
O ofício do Ministério da Economia pede, entre outras coisas, a concessão automática de licenciamento se houver demora na análise dos pedidos pelos órgãos ambientais e alteração dos limites que dependem de anuência do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para corte de vegetação de Mata Atlântica. O MMA enviou há poucos dias o ofício ao Ibama, dando prazo somente até 30 de setembro para a resposta. A lista de pedidos do ME foi repudiada por entidades que a consideraram um “pacote antiambiental”.
A seguir, trechos da entrevista que Pereira Leite concedeu hoje ao Valor, por telefone:
Valor: Como será a negociação do Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata dos mercados de carbono, na CoP de Glasgow?
Joaquim Álvaro Pereira Leite: Teremos uma posição construtiva no Artigo 6 do Acordo de Paris. Disse isso ao governo de Portugal, na semana passada a John Kerry [enviado especial de Clima da Casa Branca], com Alok Sharma [presidente da CoP 26, a Conferência do Clima das Nações Unidas em Glasgow, em novembro.] Falo isso a todos.
Valor: O que é este Plano Nacional de Mudança do Clima que o governo prepara?
Pereira Leite: O Comitê Interministerial de Mudança do Clima se reuniu e criou grupos de trabalho [a reunião do CIM, de agosto, foi coordenada pela Casa Civil; estiveram presentes os ministros da Economia, Agricultura, Infraestrutura, Ciência e Tecnologia, Relações Exteriores]. Um grupo de trabalho para criar um programa de crescimento verde, outro para um Plano Nacional de Mudança do Clima, que já existe e será atualizado, e o aprimoramento do inventário nacional de emissões. Para atingir as metas de 37% de redução de emissões até 2025 e 43% até 2030, o objetivo do plano é monitorar as atividades e as ações que serão implementadas. O componente mais importante é zerar o desmatamento antes de 2030.
Valor: O que farão?
Pereira Leite: O mais importante é o plano de combate ao desmatamento legal, que estamos revisando agora, porque os resultados da integração da Força Nacional estão aparecendo. É Polícia Federal junto com a Força Nacional, Ministério do Meio Ambiente, Icmbio e Ibama, Ministério da Defesa.
Valor: Qual a meta?
Pereira Leite: A que o presidente já anunciou é de zerar o desmatamento ilegal até 2030. Pretendemos antecipar esta meta.
Valor: O Plano Nacional será entregue quando?
Pereira Leite: O grupo de trabalho deve entregar diretrizes antes da CoP.
Valor: O que existe neste Programa de Crescimento Verde?
Pereira Leite: O Programa de Crescimento Verde olha para a neutralidade em carbono em 2050 e considera conservação florestal, menor uso de recursos naturais, geração de emprego e remuneração para quem preserva a floresta. Estes são os grandes resultados que esperamos.
Valor: Quem o está estruturando?
Pereira Leite: Sou eu (o Ministério do Meio Ambiente) quem está fazendo o Programa de Crescimento Verde, com a contribuição de todos os ministérios. Será lançado via decreto conjunto do Ministério da Economia e do Meio Ambiente, mas todos os ministérios estão ajudando. Estou desenhando para lançá-lo na semana antes ou na primeira semana da CoP. A minha agenda tem sido acompanhar o desenvolvimento deste programa ou reuniões de negociação para a CoP. E nas quartas-feiras estar na Amazônia para acompanhar a integração da operação de combate ao desmatamento.
Valor: O que terá o Programa?
Pereira Leite: Terá três eixos. O primeiro, de incentivos econômicos; o segundo, de transformações institucionais e o terceiro, de política de priorização.
Valor: Quais incentivos econômicos?
Pereira Leite: Juros mais baratos para atividades verdes. Quando uma atividade for comprovada por terceira parte como verde, a gente vai reconhecer isso. Isso já existe, e vamos incentivar mais. Empacotar tudo que fazemos de atividade verde para ter acesso a recursos mais baratos que atividades comuns.
Valor: Existe onde?
Pereira Leite: Na Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC) do Ministério da Agricultura, por exemplo. Vamos ampliar. Tentar trazer benefícios quando se tem baixa emissão. Estamos construindo isso. Fiz uma reunião com John Kerry e ele se prontificou a dar subsídios de sua equipe técnica para nos ajudar a desenhar este programa de crescimento verde com critérios técnicos. O governo de Portugal fez a mesma coisa hoje, e faremos uma reunião técnica para trazer subsídios do que os portugueses acham que é verde. Tive uma reunião com a ministra de Meio Ambiente de Cingapura hoje de manhã e ela falou que está à disposição e vai colocar a equipe técnica para nos ajudar. Tentamos desenhar um programa olhando critérios verdes ao redor do mundo para trazer isso para dentro do nosso programa, para que seja reconhecido globalmente.
Valor: O que o senhor viu de interessante em Portugal, nos Estados Unidos e Cingapura que possa ajudar o programa brasileiro?
Pereira Leite: Em Cingapura, tratamento de resíduos e água e geração de energia à base de resíduos. São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília são cidades que precisam se desenvolver de forma mais sustentável. Cingapura tem vários casos de sucesso. Portugal é forte em reciclagem de lixo, com vários projetos de ponta. E nos Estados Unidos, principalmente projetos de infraestrutura, que também podem ser verdes e eles têm capacidade para nos dar critérios verdes para isso.
Valor: O que o senhor está pensando, em infraestrutura?
Pereira Leite: Como a gente empacota projetos de infraestrutura para terem um componente verde. Como deixo claro quando um projeto de infraestrutura pode contribuir para o meio ambiente. Por exemplo, uma estrada-parque. Pode-se fazer uma estrada que tenha passagem de animais, pontos de parada para que se possa apreciar a floresta ou uma cachoeira. Dá para fazer uma estrada-parque bem diferente do que uma que não leva o verde em consideração. Só um exemplo para que se entenda como se podem trazer componentes verdes para todos os Ministérios, por isso eles participam junto.
Valor: O que são as transformações institucionais?
Pereira Leite: Decretos, portarias e instruções normativas, tudo o que puder acelerar projetos verdes. Que valorizem o que é verde nos projetos que sejam de desenvolvimento econômico.
Valor: O que o senhor quer dizer com isso?
Pereira Leite: Como a portaria do Floresta+ Bioeconomia. Fiz uma portaria que valoriza a compra de produtos da bioeconomia. O comprador deveria pagar para o extrativista um valor razoável para remunerar o extrativista pelos serviços ambientais de proteger a floresta. O extrativista extrai a castanha ou o açaí, mas, ao mesmo tempo, protege a área. Durante todos os 12 meses do ano, está prestando serviço ambiental. A ideia do Floresta+ , feito via uma portaria, é trazer uma pegada verde de conservação de quem protege a floresta para o mercado de bioeconomia e extrativismo, para dar um exemplo. Daqui para a frente, em toda transformação institucional que fizermos via Ministérios, dentro do Comitê Interministerial, vamos trazer este componente verde. Para toda vez lembrar dele nas ações e portarias dos ministérios.
Valor: O que é uma política de priorização?
Pereira Leite: Tudo o que faço no governo, dou prioridade a projetos verdes. Vem um projeto menos verde do que outro. Vou acelerar o que for verde. Vamos criar políticas de priorização destes projetos. Se eu tenho orçamento do governo federal, vou fazer um projeto comum ou fazer um projeto verde? Farei o estudo de dois projetos, o que tiver mais pegada verde será priorizado.
Valor: Isso irá funcionar em todos os ministérios?
Pereira Leite: Não. Isso funcionará em um comitê interministerial que a gente deve criar para tentar trazer estes critérios verdes e fazer com que estes projetos acelerem mais que os “cinzas”.
Valor: O programa de crescimento verde é do governo federal?
Pereira Leite: Sim, com os nove ou dez ministérios que estão dentro do Comitê. Isso estará no decreto. Agricultura, Indústria, Infraestrutura e outros.
Valor: E dinheiro para isso?
Pereira Leite: Estou negociando com o Troyjo [Marcos Prado Troyjo, que foi Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Economia e, hoje, preside o NDB, o New Development Bank, o banco dos Brics], recursos de cerca US$ 2,5 bilhões, mas isso ainda não é definitivo. Estamos em negociação, não está fechado. Estamos em conversa.
Valor: Para fazer o programa, o senhor precisará deste montante?
Pereira Leite: Não precisaria de nada. Preciso fazer estes incentivos, que podem ser feitos via bancos federais, BNDES. Estamos montando políticas para os bancos fazerem incentivos nesta linha, além disso, teria o banco dos BRICS com um volume grande de recursos extras para direcionar o programa.
Valor: Que impacto este programa pretende ter?
Pereira Leite: Neutralidade de carbono até 2050. Geração de empregos — o pessoal da Economia está fazendo contas —, conservação florestal, remunerar a floresta e utilizar menos recursos naturais. Estes são os quatro resultados que a gente espera, mas ainda não temos as metas.
Valor: E sobre o ofício do Ministério da Economia ao MMA pedindo flexibilização em normais ambientais (o ofício é de maio, feito pelo ME e foi enviado recentemente do MMA ao Ibama, com prazo de resposta até 30 de setembro. Foi fortemente criticado por entidades ambientalistas)?
Pereira Leite: Aquilo, para mim, foi muito barulho por nada, para nada efetivo. Consultas são feitas pela sociedade o tempo todo. Isso não significa que se faça qualquer coisa que não esteja de acordo.
Fonte e Imagem: Valor Econômico
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/09/24/governo-busca-reconhecimento-global-para-programa-de-crescimento-verde-diz-ministro-do-meio-ambiente.ghtml
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