Tudo indica que o pior regime hidrológico em 91 anos é um problema que parece ter vindo para ficar

Transparência e comunicação adequada, transparência e comunicação adequada, transparência e comunicação adequada. Esse binômio deveria ser perseguido à exaustão, pelo governo Jair Bolsonaro, no enfrentamento da crise hídrica que fez reaparecer o fantasma de um novo racionamento de energia, duas décadas após a experiência de 2001. Os reservatórios das usinas hidrelétricas no subsistema Sudeste/ Centro-Oeste devem chegar ao fim de julho abaixo do volume armazenado naquele ano, com só 26,6% de sua capacidade máxima e os piores meses de estiagem ainda pela frente.

Na terça-feira, o governo publicou a MP 1.055, medida provisória que dá plenos poderes à Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg) para mudar vazões em rios importantes para a segurança do sistema, sem a necessidade de aval do Ibama e da Agência Nacional de Águas (ANA), que normalmente decidem sobre o assunto. Diante do agravamento da situação, foi uma medida acertada. Também foi positiva a retirada de menção, inserida em minuta da MP, à “racionalização compulsória” do consumo. O termo é estranho do ponto de vista técnico – fala-se em racionalização como ato voluntário e racionamento como ato compulsório – e só criava incertezas. Cabe agora impedir que a análise do texto pelo Congresso Nacional abra mais um balcão de atendimento dos lobbies no setor elétrico.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já exibiu seus planos até a volta das chuvas. Está previsto o acionamento de praticamente todo o parque térmico, atingindo 20 mil megawatts (MW) em novembro, mas a pergunta frequente é se essas usinas terão disponibilidade para operar como o desejado. A Petrobras deve paralisar para manutenção, por 30 dias, a plataforma de Mexilhão e o gasoduto Rota 1, que escoa gás natural produzido no pré-sal da Bacia de Santos. Algumas térmicas serão interrompidas. Pampa Sul e Candiota 3, duas usinas movidas a carvão que totalizam 695 MW de potência, também devem fazer paradas para serviços no auge do período seco.

Aplicadas todas essas premissas, o ONS diz que não haverá necessidade de racionamento neste ano, mesmo com um atraso no reinício da temporada de chuvas. O operador admite, no entanto, que o equilíbrio entre oferta e demanda será bastante apertado: novembro teria uma folga de apenas 3,3 mil MW no balanço energético. Uma margem tão pequena deixa o sistema mais vulnerável a imprevistos, como restrições nas linhas de transmissão e desligamentos súbitos de alguma máquina geradora. Isso pode resultar em blecautes, já que a reserva operativa torna-se menor.

Na tentativa de evitar apagões, o Ministério de Minas e Energia tem discutido com grandes consumidores industriais um incentivo ao deslocamento da produção para fora dos horários de ponta. Já se passaram algumas semanas desde o início das conversas, porém, sem que haja detalhamento de como funcionaria esse estímulo. A tarifa branca, criada em 2018 para induzir residências e comércio a reduzir seu consumo, teve adesão pífia. Em três anos, apenas 57 mil unidades consumidores – menos de 0,1% do universo potencial – pediram para entrar nessa modalidade, que prevê desconto tarifário a quem consome fora das horas-pico.

O ministro Bento Albuquerque fez um pronunciamento, em rede nacional, para explicar a gravidade do quadro e pedir aos brasileiros que ajam responsavelmente. Mas as palavras de Albuquerque, bem como as peças publicitárias do governo, ainda são tímidas na comunicação dos fatos. Ao mesmo tempo, a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou reajuste das bandeiras tarifárias em percentual inferior ao recomendado pela área técnica. Por mais que seja menos danoso para os índices de inflação, não reflete, da forma mais transparente, o custo atual da geração térmica e o grau de preocupação com o volume dos reservatórios.

Convém, ainda, não transmitir a impressão de que o pior regime hidrológico em 91 anos, apesar de um evento extremo, é algo isolado e dissociado das mudanças climáticas em curso. É um problema que parece ter vindo para ficar. Como demonstrou o Valor (22/3), entre 2016 e 2020, a água que chega às represas de hidrelétricas como reflexo das chuvas tem ficado permanentemente abaixo da média histórica registrada pelo ONS: 85,6% no Sudeste/Centro-Oeste, 49,3% no Nordeste, 88,4% no Sul e 76,2% no Norte. Chegou a hora de incorporar os efeitos do aquecimento global na operação do sistema e investir urgentemente na recomposição de matas que protegem nossas bacias hidrográficas.

Fonte: Valor Econômico
Imagem: Revista RMC
https://valor.globo.com/opiniao/noticia/2021/07/05/transparencia-e-comunicacao-adequada-na-crise-de-energia.ghtml

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