Setor elétrico atualiza Banco Central sobre implicações da crise hídrica


Operador Nacional do Sistema fez um panorama do setor aos diretores de política econômica e de política monetária da autoridade

Dois diretores do Banco Central foram atualizados por representantes do setor elétrico sobre as implicações da crise hídrica em reunião por videoconferência na terça-feira (20). A atenção dada ao tema pela autoridade monetária não é à toa. São monitorados, pelo menos, dois impactos da falta de água nos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste, afetadas pela maior estiagem dos últimos 91 anos.

Um deles é o efeito inflacionário provocado pela alta nas contas de luz, com o acionamento à plena carga das termelétricas. Outra implicação — porém considerada incerta — envolve o risco de déficit elevado na oferta de energia pelo sistema elétrico, que pode gerar consequências desastrosas para a recuperação econômica, no caso de ocorrências de blecaute ou decretação de racionamento, como em 2001.

No encontro, os diretores de política econômica, Fabio Kanczuk, e de política monetária, Bruno Serra Fernandes, assistiram à apresentação do Operador Nacional do Sistema (ONS) sobre a escassez hídrica e a estratégia de enfrentamento desse cenário, conforme informou a entidade, em nota. Procurado, o BC não quis comentar sobre os assuntos tratados.

Ainda em nota, o ONS esclareceu que foram indicadas aos diretores do BC as ações excepcionais que estão sendo tomadas tanto pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) como pela recém-criada câmara de ministros instituída por medida provisória para funcionar como um “comitê de crise”. Essa câmara, chamada de Creg, atuará até o final deste ano com poderes para emitir ordem para outros órgãos federais e, assim, tentar evitar um novo racionamento.

O ONS foi representado pelo diretor-geral, Luiz Carlos Ciocchi, além do diretor de operação, Sinval Gama. O Ministério de Minas e Energia (MME) escalou para a conversa com o BC os secretários de energia elétrica, Christiano Vieira, e de planejamento energético, Paulo Cesar Domingues.

Com a exceção de Domingues, todas as autoridades do setor que estiveram no encontro virtual estão à frente das estratégias de enfrentamento da crise hídrica. Procurado, o MME informou que a reunião teve apenas a finalidade de “aproximar as instituições” para “aprimorar as estimativas de crescimento da carga [demanda por energia]” no país com base nas projeções de PIB do BC.

A demanda por energia tem superado a expectativa do setor. Se por um lado, confirma a tendência de recuperação da economia, por outro, aumenta a pressão por oferta de no momento em que as hidrelétricas, que representam 63% da capacidade de geração do país, não podem entregar tudo que prometem diante da falta de chuvas.

Kanczuk e Serra são os diretores com maior responsabilidade sobre a condução da política monetária. Nos últimos meses, o BC vem mostrando preocupação com o impacto que a crise hídrica pode ter sobre a inflação, em um momento em que a trajetória de preços já está fortemente pressionada.

O mais recente alerta recebido pelo mercado foi a decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de aumentar, no fim de junho, a cobrança nas contas de luz da bandeira vermelha 2 de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100 quilowatt-hora (kWh). Na ocasião, ainda sinalizou que deveria elevar essa cobrança R$ 11,50/100 kWh, a partir de agosto, para fazer frente à elevação constante de gasto com térmicas.

O Comitê de Política Monetária (Copom) já pontuou, conforme a última ata divulgada, que as “implicações da deterioração do cenário hídrico sobre as tarifas de energia elétrica” têm ajudado a manter “a inflação elevada” no curto prazo. No Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de junho, o comitê também colocou os impactos da “situação hídrica” sobre o preço da energia como risco para a inflação projetada no cenário central, que vai até 2023.

“Ressalta-se que a inflação dos anos calendário de 2021, 2022 e 2023 será afetada de forma significativa pela bandeira de energia elétrica que se verificará em dezembro de cada ano”, indicou o relatório. Atualmente, o BC trabalha com bandeira vermelha em patamar 1 em dezembro de 2021 e 2022.

No RTI, principal documento da instituição sobre política monetária, o BC destacou ainda que “eventuais implicações da crise hídrica” fazem parte dos fatores que “podem atenuar o ritmo de recuperação da atividade”.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está em 8,35% no acumulado de 12 meses até junho. Atualmente, para conduzir a taxa básica de juros, o Copom mira apenas o ano que vem, cuja meta de inflação é 3,5%, com intervalo de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

O Boletim Focus divulgado na segunda-feira (19) mostrava que, entre os economistas de instituições financeiras e consultorias que mais acertam as suas projeções (Top 5 de médio prazo), a estimativa mediana para a inflação de 2022 estava em 3,74%. Já o cenário básico do BC aponta inflação na meta, em 3,5%. Procurada, a autoridade monetária não quis comentar a reunião. Atualmente, a Selic está em 4,25% ao ano.

Sob o ponto de vista da operação do sistema elétrico, o momento mais crítico da crise hídrica ainda está por vir. Entre outubro e novembro, hidrelétricas da região Sudeste deverão praticamente interromper a operação das turbinas pois terão atingido níveis de armazenamento inferiores a 10%. Isso irá ocorrer justamente no momento do ano em que o país começa a registrar alta no consumo, devido ao aumento da temperatura, mas ainda com pouca chuva.

As autoridades do setor confiam na eficácia das medidas que estão sendo tomadas para contornar a atual situação. Além de acionar um grande volume de térmicas e restringir a vazão de água nos reservatórios, o governo prevê o deslocamento de consumo da indústria na fase mais crítica da crise para evitar “corte de carga” — ou blecaute — no horário de “ponta”, quando mais se demanda energia ao longo do dia. A aposta é que a união de esforços será capaz de livrar o país de um novo racionamento.

O mercado acompanha com atenção os desdobramentos da crise hídrica. O chamado “apagão” do fim da era FHC trouxe, segundo cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU), um prejuízo de R$ 45 bilhões ao país. Como hoje, havia expectativa de recuperação econômica. Isso, porém, não ocorreu. O PIB, que vinha embalado com o crescimento de 4,3% em 2000, foi achatado para 1,3%, em 2001.

Fonte e Imagem: Valor Econômico
https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/07/22/setor-eletrico-atualiza-banco-central-sobre-implicacoes-da-crise-hidrica.ghtml

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