Documento alerta para apagão, epidemias e para a imagem do Brasil no exterior
Paula SopranaDaniele MadureiraFernanda Brigatti
Uma carta assinada por mais de 160 empresários e figuras públicas foi enviada nesta quarta-feira (23) ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pedindo o veto a três projetos de lei da área ambiental que podem gerar “prejuízos irreversíveis” às companhias brasileiras e à imagem do país.
O documento é assinado por nomes como Roberto Klabin, membro do conselho da empresa de celuose Klabin, Guilherme Leal, da Natura, Walter Schaka, da Suzano, Luiz Fernando Furlan, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Nelson Sirotsky, ex-presidente do Grupo RBS, e a economista Elena Landau.
A missiva se opõe diretamente às propostas legislativas 984/2019, 490/2017 e 2633/2020, relacionadas a mudanças na legislação ambiental, com impacto na demarcação de terras indígenas, na mineração nessas áreas e na grilagem de florestas.
Questionado sobre a carta, Lira afirmou que o documento ainda será analisado.
Os postulantes dizem que a aprovação dos projetos provocaria uma enorme insegurança jurídica e que eles vão contra a Constituição Federal.
A carta alerta para a crise hídrica e para o desmatamento florestal, que impactam diretamente a economia, já que a falta de chuva prejudica os reservatórios e eleva o custo da energia elétrica, repassado aos produtores e ao faturamento das empresas.
“Além disso, com reservatórios secos, o racionamento de energia e possíveis apagões não podem ser descartados. Como as florestas são verdadeiras fábricas de água, sua destruição está diretamente ligada à diminuição do regime das chuvas”, afirma o documento.
Eles dizem que os parlamentares estão, na maioria, negando fatos cientificamente comprovados e que estão prestes a aprovar projetos de lei que alteram profundamente a legislação ambiental, “já sacramentada por vários governos e décadas de discussões, os quais agravarão sensivelmente esta já calamitosa situação”.
O PL 984/2019 é classificado no documento como um dos maiores retrocessos dos últimos tempos por interferir no Sistema Nacional de Unidades de Conservação e criar a categoria “estrada-parque”.
“No mundo desenvolvido, estradas-parque são instrumentos que favorecem a conservação, para proteger paisagens lineares e biodiversidade. O PL 984, porém, distorce o conceito, pois permite o desmatamento para abertura de estradas em áreas protegidas por lei, como parques nacionais”, diz um trecho.
Com esse projeto, mais de 2.500 unidades de conservação seriam cedidas à abertura de estradas, o que permitiria a destruição de florestas do Parque Nacional do Iguaçu, último grande remanescente de Mata Atlântica Estacional do Sul do Brasil, segundo a missiva.
O PL 2633/2020, conhecido como “PL da Grilagem”, apoiado por governistas, trata de mineração em terra indígena, regularização fundiária e concessão florestal.
“Aqui o prejuízo para o empresariado brasileiro já está anunciado por nossos clientes mundo afora. Mais de 300 mil europeus assinaram um pedido de boicote aos produtos brasileiros caso o PL não seja retirado de pauta.”
Já o PL 490/2017, de autoria do deputado Homero Pereira (PR-MT), que determina que terras indígenas sejam demarcadas a partir de leis, “coloca em risco a integridade de territórios já demarcados”, segundo os empresários, abrindo caminho para mineração em terra indígena, “algo que certamente trará terríveis consequências de toda ordem a povos isolados e totalmente desassistidos pelo Estado”.
Os empresários e intelectuais dizem que a pandemia trouxe duros aprendizados e que “não podemos insistir no erro”.
“O avanço das fronteiras humanas sobre áreas verdes exporá a nossa espécie a novas doenças. A invasão e destruição de áreas verdes até então protegidas colocarão milhares de pessoas em contato com uma infinidade de vírus e outros agentes patogênicos que hoje estão em áreas restritas”, diz a carta, alertando que o surgimento de uma nova epidemia é muito real.
“Será que não aprendemos nada com esta macabra pandemia e mais de meio milhão de brasileiros mortos?”
“As imagens de nossas florestas queimando ou tombando, que circulam pelo planeta, representam um estrago significativo à nossa reputação externa. E isso piora sensivelmente nossas oportunidades no campo do comércio e das relações internacionais. Nossa atratividade e retenção de mão de obra também sairão prejudicados.”
Por fim, a missiva também alerta que o retrocesso ambiental coloca o Brasil na situação sensível de receber sanções econômicas de grandes parceiros comerciais, como os Estados Unidos e a Europa.
Roberto Klabin, membro do conselho da fabricante de papel e celulose Klabin, afirma que o objetivo é fazer com que os deputados entendam que há um grupo de empresários e personalidades vigilante em relação a todas essas demandas em pauta no Congresso.
“Essas pessoas concordaram em assinar o manifesto para sinalizar aos parlamentares os anseios com as consequências nefastas que poderemos sofrer como sociedade, caso essas medidas sejam aprovadas”, afirmou Klabin, que é fundador da SOS Mata Atlântica e da SOS Pantanal.
“Os projetos de lei merecem mais discussão pela sociedade, pois o impacto da sua aprovação sem diálogo poderá prejudicar ainda mais a imagem do nosso país no exterior e afetar os negócios, tanto aqui quanto as nossas exportações.”
Em viagem ao Pantanal, onde mantém uma pousada e uma fazenda, Klabin falou à Folha que o grupo deseja mandar cartas aos deputados para pressionar pelo diálogo. Mais empresários também vão partir para a mobilização neste sentido, com a divulgação da carta intitulada “Retrocessos ambientais: Um péssimo negócio para o Brasil e para o desenvolvimento sustentável”, com o mesmo teor.
Para o economista Horácio Lafer Piva, a carta é “um misto de imposição democrática com sentido de urgência e defesa do patrimônio nacional”.
Bruno Wendling, diretor-presidente da Fundação de Turismo de Mato Grosso do Sul, diz considerar que a imagem do Brasil já tem ranhuras pela falta de uma política ambiental. A possibilidade de novas mudanças na legislação resultaria em uma mancha na imagem do país, especialmente na relação com turistas.
“Nossos principais ativos [turísticos em Mato Grosso do Sul] são ambientais. Não teria como não apoiar a carta, uma vez que vejo o tema com muita preocupação”, diz. “O turista quer vivenciar aquela experiência, mas também ter a certeza de como aqueles territórios estão sendo tratados.”
Criticado por sua condução fremte ao Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu demissão nesta quarta ao presidente Jair Bolsonaro. Ele é alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por operação da Polícia Federal que mira suposto favorecimento a empresários do setor de madeiras por meio da modificação de regras com o objetivo de regularizar cargas apreendidas no exterior.
Fonte: Folha de São Paulo
No comment