Somente projetos existentes até setembro terão direito ao desconto de 50% na chamada “tarifa-fio”
Por Rafael Bitencourt
O fim dos incentivos a fontes renováveis provocou uma corrida para conseguir outorgas de novas usinas junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A maioria está relacionada à geração fotovoltaica (solar) e eólica.
A pressa é explicada pela janela de 12 meses que garante o acesso ao desconto de 50% na chamada “tarifa-fio”, pelo uso das redes de transmissão e distribuição. A contagem do prazo foi iniciada em setembro do ano passado. Quando chegar ao fim, apenas os projetos existentes permanecerão com o benefício.
A movimentação chamou a atenção da diretoria da agência, que decidiu avaliar os riscos de saturação na oferta. Um dos aspectos é a restrição de acesso à rede usada para escoar a produção.
Outro efeito indesejado é o aumento de requisição por empresas com comportamento oportunista. A agência quer avaliar se tem alguém visando obter vantagem apenas com a transferência da titularidade da outorga para quem realmente tem capital e interesse de construir a usina.
O diretor da Aneel Sandoval Feitosa Neto, que levantou a discussão, verificou que há cerca de 1.000 novas outorgas no sistema de acompanhamento. Porém, só 260 estão em fase de execução. O restante ou está paralisado (53 usinas) ou (675) sequer teve início. A maior parte é de usinas fotovoltaicas (392 projetos) e eólicas (342).
O prazo de 12 meses começou a ser contado na publicação da Medida Provisória 998/20, já aprovada pelo Congresso e convertida na Lei 14.120/21. O fim do subsídio para novos projetos veio para frear o crescimento da despesa repassada para a conta de luz dos consumidores.
O desconto no fio custa R$ 4 bilhões por ano aos consumidores. A conta vinha crescendo em cerca de R$ 500 milhões a cada ano. Já é consenso entre as autoridades do setor que o benefício cumpriu o seu papel: fazer as fontes alternativas ganharem escala e participação na matriz energética.
A própria lei acabou estimulando a corrida por outorgas sem a previsão de início imediato das obras. É dada a carência de 48 meses (quatro anos), contados da data de emissão de outorga, para o empreendedor colocar a usina em operação plena. Atualmente, os projetos com painéis solares têm reduzido cada vez mais o tempo de instalação das usinas – em alguns casos, elas são concluídas em seis meses.
Sandoval reconhece que as exigências são menores para a liberação dos projetos de geração solar, segmento que mais demandou esse tipo de licença. Na eólica, por exemplo, o investidor precisa apresentar garantia financeira no valor de 5% do investimento total na usina.
A enxurrada de pedidos chamou a atenção da agência quando chegaram queixas de investidores já habilitados. Há uma preocupação com a incompatibilidade de usinas muito próximas.
O ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana considera também que a agência sempre foi “mais dura” com os projetos contratados nos leilões, que atendem a demanda das distribuidoras (mercado regulado), do que com os produtores independentes do mercado livre. Segundo ele, o rigor maior se dá na aprovação da outorga e no acompanhamento das obras.
De todas as outorgas monitoradas pela agência, 695 usinas são de investidores do mercado livre (produtores independentes). Desse total, 527 projetos não tiveram as obras iniciadas e 31 estão com o andamento paralisado.
Santana disse que o acesso à rede geralmente privilegia quem pede primeiro, seja para a distribuidora ou Operador Nacional do Sistema (ONS). “O problema maior está na baixa qualidade de projetos que podem chegar na frente prejudicando quem desenvolveu trabalho profissional”, disse Santana, ao Valor.
Outra corrida no setor relacionada à perda de incentivos é acompanhada de perto pela Aneel no segmento de geração distribuída (GD), que também oferece subsídios a fontes renováveis. Neste caso, o benefício é dado aos consumidores – pessoas físicas ou jurídicas – que produzem a própria energia, geralmente por meio de painéis solares.
Ao gerar energia excedente, esses consumidores têm descontos na tarifa ou acumulam créditos que podem ser usados em outra propriedade atendida pela mesma concessionária de distribuição. Os beneficiários da GD acabam se esquivando do rateio de taxas e encargos arcados por todos os consumidores.
A Aneel tentou revisar a própria norma de incentivo, editada em 2015, pois já houve queda expressiva do custo dos painéis solares e, por sua vez, do tempo de recuperação desse investimento (payback). Porém, a agência, diante da forte reação do setor, suspendeu o debate. Enquanto isso, acompanha o número de conexões de GD quase dobrar a cada ano e o Congresso ameaçando, por lei, estender o incentivo por mais uma década.
Fonte:
Valor Econômico
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