Às vésperas da troca de governo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está recomendando formalmente uma redução na barreira de entrada ao mercado livre. Em ofício ao Ministério de Minas e Energia, a diretoria colegiada da agência aconselha diminuir para 2 megawatts (MW) a demanda mínima para que empresas deixem de comprar eletricidade obrigatoriamente das distribuidoras onde se situam e possam escolher livremente os seus fornecedores.
Hoje o mercado livre só pode ser acessado plenamente por grandes consumidores de energia, principalmente indústrias e pesos-pesados do comércio (como shopping centers e hipermercados), com demanda acima de 3 MW. No ofício, a Aneel informa que uma redução para 2 MW poderia beneficiar 1.197 de unidades consumidoras, com demanda total de 874 MW médios.
De acordo com simulações da Aneel, essa mudança pode trazer ganhos de competitividade às empresas, mas sem impacto tarifário relevante para os consumidores cativos (das distribuidoras).
Na hipótese de um PLD médio de R$ 200 por megawatt-hora e GSF igual a 85%, a agência estima que uma migração de 100 MW médios para o mercado livre teria custo anual de R$ 22 milhões a ser repassado para os demais consumidores do mercado regulado. O reflexo para as contas de luz seria, em média, de 0,01375% – pouco mais ou pouco menos, dependendo da distribuidora.
PLD é o preço de liquidação de diferenças, usado como referência no mercado à vista ou "spot". GSF é a sigla em inglês para o fator de geração hídrica, ou seja, se as usinas hidrelétricas estão gerando toda a energia que efetivamente se comprometeram a entregar.
"A abertura gradual do mercado livre é uma tendência que possibilitará a valorização das decisões individuais do consumidor", diz o diretor-geral da Aneel, André Pepitone. "É uma escolha que implica maior protagonismo, porém maiores responsabilidades."
Ele e o ministro Moreira Franco participam hoje, em São Paulo de um seminário internacional sobre comercialização de energia elétrica. À plateia de agentes do setor, Moreira pretende dizer que a redução na barreira de entrada ao mercado livre, com base nos estudos técnicos da agência, é uma medida ainda para este mês.
"Queremos uma energia limpa, abundante e a preços justos", afirma o ministro, prometendo uma decisão no atual governo. A equipe de transição já foi informada da iniciativa e não teria manifestado qualquer desaprovação. Para concretizar a mudança, não é necessário medida provisória ou projeto de lei. Bastaria decreto presidencial ou, segundo análise jurídica em reta final, talvez até mesmo portaria do ministério.
Caso efetivada, seria a primeira mudança no funcionamento do mercado livre de energia desde 2006, quando a Aneel regulamentou a figura dos consumidores especiais. Nesse caso, empresas com demanda entre 0,5 MW e 3 MW têm liberdade de escolha, mas desde que contratem das chamadas fontes "incentivadas" – usinas eólicas, solares, de biomassa ou pequenas hidrelétricas.
No ofício ao ministro, a Aneel cita dois ganhos paralelos para os consumidores especiais. Aqueles com demanda entre 2 MW e 3 MW, mas que hoje compram necessariamente dessas fontes, poderão contratar de qualquer fornecedor a partir de agora. Com isso, mais energia "incentivada" fica disponível para os consumidores entre 0,5 MW e 2 MW. "O aumento da competitividade poderá ocorrer inclusive no eventual mercado especial remanescente, podendo-se inferir que parte da energia especial comercializada com consumidores com carga superior a 2 MW passaria a ser comercializada com consumidores com patamares menores de carga", diz trecho do ofício.
Um aspecto curioso do documento é que ele está sendo firmado por quatro integrantes da diretoria colegiada da agência, não só pelo diretor-geral, como costumava ocorrer na maioria das ocasiões. Somente a nova diretora, Elisa Bastos, não assina o ofício. Ela toma posse no dia 11.
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