Os subsídios da União constituem fonte de financiamento das políticas públicas e se efetivam mediante benefícios tributários, creditícios ou financeiros. O Ministério da Fazenda mapeou esses subsídios públicos em 2017 e 2018, mostrando sua evolução crescente de 3% do PIB, em 2003, para 6,7%, em 2015, recuando, posteriormente, para 5,4% do PIB em 2017. A publicação dos resultados desse mapeamento deverá ser anual.
Mas, além dos subsídios públicos da União, cuja avaliação e ajuste são fundamentais para a recuperação do equilíbrio das contas públicas, há também os "subsídios privados", ou "subsídios cruzados". A reforma dos subsídios cruzados não contribui diretamente para o ajuste fiscal, embora seja de grande importância para a melhoria da eficiência alocativa e do crescimento da produtividade da economia brasileira.
Os subsídios cruzados são uma forma de intervenção pública sobre os preços do consumidor, ou sobre os custos do produtor. Não envolvem transferências de valores públicos. Não são pagos diretamente pelo contribuinte de tributos, e sim pelo consumidor. Trata-se de transferência entre os consumidores, dentro do escopo de um mesmo setor, segundo Jones & Steenblik (2010)1.
Exemplo típico de subsídio cruzado pode ser encontrado no setor de energia elétrica e se caracteriza pela distribuição dos recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Esta conta foi criada2 em 2002, com os três seguintes objetivos: i) promover a universalização do serviço de energia elétrica em todo o território nacional; ii) garantir recursos para atendimento à subvenção econômica destinada à modicidade tarifária aos consumidores residenciais de baixa renda; e iii) promover a competitividade da energia produzida a partir de fontes renováveis, a exemplo da eólica, termossolar e fotovoltaica.
Apesar desses objetivos já serem um tanto quanto amplos, foram ainda ampliados, no decorrer dos anos, com as principais alterações feitas a partir da MP 579/2012, convertida na Lei 12.783/2013, da Lei 12.839/2013 e da Lei 13.360/2016. Estas leis ampliaram ainda mais o escopo de aplicação dos recursos da CDE, que apresentou desembolso crescente ao longo dos anos, desde sua criação.
A CDE contém objetivos tão amplos ao ponto de serem capazes de abarcar quase qualquer demanda que vise "resolver" algum problema do setor elétrico, e, após a intervenção ocorrida nesse setor em 2012, essa tendência de crescimento contínuo dos desembolsos se intensificou, especialmente por não haver clareza quanto aos objetivos nem limites para o desembolso da conta. Com isso, o dispêndio da CDE passou de um patamar de R$ 8 bilhões, em 2011, para aproximadamente R$ 19 bilhões, em 2018.
'Resolver' os problemas via aumento de recursos da CDE piora as contas públicas e encarece a conta para o consumidor
Assim, a CDE tem sido utilizada para atender a variadas demandas setoriais, às vezes de mérito questionável. É necessário, pois, prover accountability sobre a CDE, para que sua governança seja ampliada, contribuindo para a melhoria da eficiência alocativa e evitando possíveis gastos públicos no futuro.
A CDE é um exemplo interessante de financiamento de política pública, visto que é constituída tanto por subsídio público quanto privado, ou cruzado. Ou seja, é custeada em parte por recursos públicos e em parte, privados. Atualmente, cerca de 95% dos subsídios da CDE são cruzados, sendo um dos encargos que encarece a conta de energia elétrica.
De fato, aproximadamente 95% da CDE é custeada pelos agentes privados que atendem aos consumidores (finais, cativos e livres) de energia, mediante o repasse desse encargo para as tarifas de uso dos sistemas de distribuição e transmissão de energia elétrica. E os outros 5% de recursos da CDE constituem subsídios (públicos) providos diretamente pelo contribuinte, por meio do Tesouro Nacional.
Em 2013 e 2014, ao contrário do que ocorre hoje, a maior parte dos dispêndios da CDE foram providos pelo contribuinte, o que ajudou a deteriorar as contas públicas no período, com um dispêndio diretamente executado pelo orçamento público federal de aproximadamente R$ 9,3 bilhões, em 2013, e R$ 12,5 bilhões, em 2014. Já em 2015, tal como ocorre atualmente e ocorria antes de 2013, a CDE passou a ser preponderantemente financiada pelo consumidor, encarecendo a conta de energia elétrica.
Em outras palavras, a usual solução de "resolver" os problemas do setor elétrico por meio da ampliação dos recursos da CDE leva necessariamente a uma piora nas contas públicas ou a uma elevação da conta de energia do consumidor brasileiro. Não há almoço grátis.
Nesse sentido, a exemplo de qualquer outro subsídio (público ou privado), qualquer política pública realizada com recursos da CDE deveria ter duração limitada, possuir objetivos e metas precisas e ser continuamente avaliada, com previsão de descontinuação quando não houver impacto positivo.
É premente a necessidade de aumentar a transparência dos gastos da CDE, com a definição clara de seus objetivos e precisão de suas metas. Também é preciso quantificar seus impactos, a fim de que se possa aferir não apenas o eventual montante de recursos públicos alocados de forma ineficiente, mas também as perdas de eficiência em decorrência da má alocação (perda de peso morto, no jargão do economês).
O incremento da transparência e a avaliação contínua da CDE ampliará a governança sobre esse subsídio, e conseguirão impor uma triagem adequada de iniciativas que visem a ampliação dos desembolsos dos recursos dessa Conta.
1. JONES, D; STEENBLIK, R. Subsidy estimation: a survey of current practice, 2010. Switzerland: IISD, 2010.
2. Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002.
Alexandre Manoel Angelo da Silva é economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e hoje exerce o cargo de Secretário de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria do Ministério da Fazenda.
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