As urgências do setor elétrico

Quem vencer a eleição enfrentará, ao chegar ao governo, uma série de problemas no setor de energia, passivos não resolvidos, subsídios que precisarão ser reduzidos ou eliminados, uma conta que tem aumentado cada vez mais, desde 2014. Os programas dos candidatos tratam de forma genérica o assunto, e mesmo quando estão certos são propostas de lenta implantação. No melhor cenário, se o país retomar o crescimento, a energia será um limitador.

Todo dia uma conta nova aparece, que a Aneel, sem hesitar, transfere para o consumidor. Hoje é até difícil explicar esse amontoado de pesos que acabou sendo depositado nos usuários. A Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia elétrica, calcula que os passivos juntos cheguem a R$ 90 bilhões. E eles podem ser repassados à conta de luz nos próximos anos.

O maior custo, nesse cálculo da Abrace, é o da Amazonas Energia, que mesmo se for vendida tem um rombo de R$ 20 bilhões para ser jogado sobre todos os brasileiros. O governo ainda tenta privatizar a empresa este ano, mas se conseguir irá apenas evitar prejuízos futuros. A conclusão de Angra 3, se for feita, representaria mais R$ 17 bi. Para recompor o chamado risco hidrológico, até dezembro deste ano, os consumidores terão que arcar com mais R$ 15 bi em 2019. A bandeira tarifária já tem uma conta de R$ 5 bilhões. Risco hidrológico é o quanto as empresas do setor alegam ter a receber por causa da queda do volume de chuvas. Elas dizem que está muito abaixo da média histórica e do que previam os contratos. Mesmo assim elas têm que entregar a energia contratada. Houve ainda decisões do governo Dilma que as obrigaram a gerar energia, quando deveriam estar poupando água.

Há mais custos não contabilizados. Na Justiça, há uma briga em torno de R$ 55 bilhões, diz Lucien Belmonte, diretor da Abividro, por causa das indenizações não pagas às transmissoras de energia, durante a implementação da MP 579. As concessões foram renovadas de forma automática, com redução de tarifas, e as empresas brigam para receber por investimentos feitos que não foram amortizados.

Ontem, em evento em São Paulo patrocinado pela Abrace, alguns representantes dos candidatos à Presidência não demonstraram grande familiaridade com o tema. O enviado pelo PT, Maurício Tolmasquim, que presidiu a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) durante o mandato da ex-presidente Dilma, admitiu que a gestão petista não conversou com o setor.

— Faço uma autocrítica. Faltou, no período, maior diálogo com o setor. Um mérito da equipe que nos sucedeu foi reatar esse diálogo, tanto geradores quanto consumidores — afirmou Tolmasquim.

Não houve qualquer entendimento não apenas com o setor, mas com a realidade. A MP 579 provocou a maior desorganização no sistema de financiamento e precificação de energia, distribuiu passivos e algumas contas ainda estão chegando.

O professor Helder Queiroz, do grupo de economia e energia da UFRJ, disse que em dezembro de 2019 vencerá o tratado assinado do gasoduto entre Brasil e Bolívia (Gasbol). Paulo Pedrosa, que foi secretário de Minas e Energia no governo Temer, lembrou que a Amazonas Energia tem um rombo anual de R$ 5 bi, e que se não for vendida continuará sendo pago pelos consumidores. O advogado Julião Coelho, especializado em energia e ex-diretor da Aneel, perguntou se vale a pena concluir Angra 3, que tem um custo anual de R$ 2 bilhões por ano. A agenda do setor é cheia de decisões urgentes.

— Será que já não chegou a hora de parar com Angra 3 e dar como perdido o investimento feito? Ainda serão necessários mais R$ 2 bilhões por ano para que a usina fique pronta sabe-se lá quando, em 2021 para frente — questionou.

Com outras fontes mais eficientes, baratas e seguras, está mais do que na hora de se perguntar se um erro que começou no governo militar, que enterrou bilhões em má gestão e corrupção, deve continuar consumindo recursos públicos.

Há muito o que discutir na energia, e há vários curtos-circuitos a desarmar. Se por um lado existem velhos passivos e dilemas, houve também um crescimento importante das novas fontes renováveis, principalmente eólica e solar. A eólica é uma realidade no Nordeste e o aumento da fonte fotovoltaica tem superado todas as expectativas. O governo que assumir terá que equacionar as confusões que ainda não foram resolvidas e ao mesmo tempo pensar no crescimento da oferta de energia no país.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

 

 

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Fonte: O Globo.

 

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