Fontes renováveis ou subsídios renováveis?

Nos últimos meses assistimos um crescimento exponencial de usuários que investem em geração fotovoltaica, seja no telhado de suas casas ou por meio de outros arranjos como o autoconsumo remoto e o uso compartilhado. O tema tem sido conversa nas rodas de amigos e grande parte dessa expansão vem da combinação da consciência ambiental das pessoas e do atrativo retorno do capital investido.

 

Porém, como é possível a obtenção de uma taxa interna de retorno da ordem de 20% ao ano – ou seja, um retorno em 5 anos, conforme apregoado por diversos fornecedores dos sistemas fotovoltaicos – para um investimento de baixo risco, num momento em que a taxa Selic está a 6,5% ao ano? Será fruto exclusivamente do ganho de escala, de tecnologia e de eficiência na produção e instalação das placas fotovoltaicas? Lamentavelmente, a resposta é não. Há o que os economistas chamam de "subsídio cruzado implícito" para dinamizar essa performance.

 

Antes de colocar luz sobre esses fatos é importante realizar uma análise da regulamentação que criou as bases para esse ciclo de expansão: a resolução normativa 482/12 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O motor de viabilização da mini e microgeração foi a criação, nessa regulamentação, do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE).

 

Em breves palavras, durante o dia as placas fotovoltaicas geram energia suficiente para atender o consumo próprio e, ainda, um excedente que é injetado nas redes elétricas das distribuidoras. Durante a noite, quando não há sol, o fluxo se inverte e os consumidores usam a energia elétrica vinda das redes para seu conforto. No final no mês há um encontro de contas entre a energia injetada durante o dia e a consumida durante a noite. O consumidor só paga pela diferença, se houver. Caso exista mais energia injetada do que consumida, o usuário fica com o crédito que pode ser usado em até 60 meses.

 

Mas como se caracteriza o subsídio cruzado implícito? A tarifa de energia elétrica é composta por quatro componentes principais, fora os tributos do Estado: geração, transmissão, distribuição e encargos. As três primeiras componentes remuneram e custeiam os respectivos serviços, enquanto que os encargos são utilizados para bancar outros subsídios tarifários como a Tarifa Social de Energia Elétrica aos consumidores de baixa renda, os subsídios às fontes alternativas e outras sete rubricas.

 

Assim, quando a energia injetada pela mini e microgeração nas redes elétricas é integralmente compensada para uso posterior, é como se o sistema estivesse adquirindo-a ao valor da integral da tarifa de fornecimento de energia, ou seja, entorno de R$ 500/MWh, enquanto que a componente exclusivamente de geração está na ordem de R$ 230/MWh. O subsídio só não é maior pois os usuários do SCEE pagam o consumo mínimo, que representa algo da ordem de R$ 50 ao mês, ou seja, uma pequena fração do que seria a tarifação adequada, baseada na Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição.

 

Subsídios cruzados agora só viabilizam negócios de pequena escala, para consumidor de maior renda

 

Atualmente a própria Aneel indaga se a atual regulamentação passou do ponto: "Para evitar que se chegue em uma realidade em que a GD [Geração Distribuída] seja excessivamente benéfica a quem instala, e, ao mesmo tempo, prejudicial às distribuidoras e posteriormente aos demais consumidores, a questão a ser atacada é um possível desalinhamento da forma de compensação vigente em relação à atual realidade da GD", conforme apresentado na Consulta Pública 10/2018.

 

Além da questão do excesso de subsídios, destacamos outras máculas: a falta de transparência na própria quantificação dos subsídios, bem como a inobservância integral da legislação pertinente, em especial ao artigo 35 da Lei 9.074/95. Em nossa opinião, o atual mecanismo do SCEE não atende ao pressuposto de transparência, pois não há informação oficial alguma sobre o valor do benefício tarifário líquido oferecido aos seus optantes em prejuízo de outros.

 

Não obstante, nos últimos anos estamos assistindo uma redução consistente dos custos das fontes renováveis. A primeira política pública estruturada de incentivos às fontes renováveis foi o Programa de Incentivos às Fontes Alternativas (Proinfa), criado por meio da Lei 10.438/02. Atualmente o preço dessa primeira tranche de incentivos está na ordem de R$ 390/MWh. Nesses últimos 15 anos, de fato, por efeito da competição, de ganhos de escala e tecnológicos, vimos esses preços caírem continuamente, chegando no último leilão regulado de aquisição a R$ 118/MWh e R$ 68/MWh para a fonte solar e eólica, respectivamente. Ou seja, as políticas públicas de incentivos às fontes renováveis foram bem sucedidas e, por isso, poderíamos declarar: "missão cumprida e fim dos subsídios!".

 

Entretanto, alguns argumentam que ainda não é hora, especialmente para a mini e microgeração, haja vista os supostos benefícios que elas trariam às redes elétricas. Estudos técnicos por simulações computacionais e experimentais em campo, via projetos de pesquisa e desenvolvimento, apontam que a geração distribuída pode reduzir e/ou aumentar as perdas técnicas a depender de sua localização e do volume e, ainda, indicam que sua massificação provocará investimentos em reforços e controles das redes elétricas. Por isso, quedam os principais bastiões, alardeados num tom quase profético, para a manutenção desses subsídios cruzados.

 

Nossa expectativa é a de que a revisão da REN 482/12 reconheça os resultados obtidos pelas políticas de incentivos às fontes alternativas e suprima os subsídios cruzados implícitos que, agora, só viabilizam modelos de negócios de pequena escala e, pior, orientados para consumidores de maior renda, pois os sistemas de microgeração estão na ordem de R$ 20 mil. Dessa forma, a nova regulamentação deverá ratificar a aplicação da TUSD aos novos optantes e estabelecer um período de transição aos usuários atuais objetivando honrar os prometidos prazos de retorno dos investimentos.

 

Ao retirar a sombra sobre os subsídios cruzados implícitos, a geração distribuída poderá se desenvolver às claras, como o sol que gera sua energia.

 

Nelson Fonseca Leite e Marco Delgado são, respectivamente, presidente e diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

 

 

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Fonte: Valor Econômico.

 

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