À primeira vista os rumores da edição de uma nova Medida Provisória com o objetivo de promover (mais uma) reforma do setor elétrico pode causar desconfiança, especialmente considerando o histórico dos últimos anos, a exemplo da tão malfadada MP 579/2012, convertida na Lei 12.783/2013.
No entanto, tal reforma se faz necessária inclusive para reparar os efeitos da MP 579/2012 e dar ao setor novos rumos, sem os quais não se vislumbra melhora para o cenário dos anos vindouros. Normas mais simples e mais flexíveis são necessárias para que o setor possa se desenvolver e enfrentar os temas a ele pertinentes de forma a evitar o travamento do mercado e incentivar o seu desenvolvimento.
Durante o primeiro dia do Encontro Nacional do Setor Elétrico (Enase), que ocorreu em 17.05.2017, no Rio de Janeiro, ficou claro por parte do governo que a ideia é de fato promover a reforma por meio de uma Medida Provisória, tendo em vista a celeridade que o assunto demanda, especialmente considerando as alterações que poderiam ocorrer nos ministérios, com destaque ao de Minas e Energia, em decorrência das eleições do próximo ano.
Nada obstante, é necessário que os agentes distribuídos nos diferentes segmentos do setor elétrico se organizem e mantenham o tema em pauta independentemente do governo que aqui esteja. A relevância do assunto e grandes impactos a todos os brasileiros impõem que a busca de soluções não cesse e ocorra como política de Estado digna da grandeza dos desafios que estamos a enfrentar.
Em que pese todos os recentes acontecimentos e rumores, não se pode admitir uma nova Medida Provisória às pressas, sem o devido debate, com a imposição de mudanças pelo governo que estanquem a crise atual, mas que poderão causar impactos relevantes no longo prazo. A participação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), além dos demais interessados, se mostram de alta importância.
Não obstante as ressalvas feitas, algumas medidas que já haviam sido anunciadas no início de maio aparentemente vêm em boa hora e prometem trazer benefícios ao mercado, como é o caso, por exemplo, da maior abertura do mercado livre, ainda que de forma parcial.
Atualmente o mercado consumidor está dividido entre consumidores cativos (residenciais/baixa tensão), os quais não têm opção de contratar livremente sua energia, consumidores especiais (demanda de 0,5Mw a 3Mw) e consumidores livres (demanda de pelo menos 3 Mw). A reforma pretende ampliar o segmento acabando com a figura do consumidor especial, diminuindo, assim, a barreira para entrada no mercado livre, cuja demanda mínima seria fixada em 0,5 MW.
Apesar de ser vista com bons olhos, essa medida não impacta apenas o número de empresas que poderão se beneficiar das tarifas do mercado livre, mas afeta também as distribuidoras, que poderão perder ainda mais seu mercado consumidor, agravando as suas sobras de energia (sobrecontratação). E aqui, de imediato, se vislumbra espaço para maior amadurecimento das discussões.
Apesar da existência de outras medidas anunciadas para aliviar a sobrecontratação das distribuidoras, como é o caso do processo de "descotização", é fato que a onda de migração para o mercado livre contribui consideravelmente para o aumento das sobras das distribuidoras.
Caso realmente a figura do consumidor especial deixe de existir, reduzindo-se a demanda necessária para migração ao mercado livre, seria no mínimo recomendável que a Aneel revisitasse o que foi decidido ao final de abril/2017, quando entendeu que não devem ser considerados como sobrecontratação involuntária os montantes de energia decorrentes da migração de consumidores livre e especiais para o Ambiente de Contratação Livre (ACL).
Segundo a diretoria da Aneel, as situações particulares apresentadas pelas distribuidoras serão analisadas considerando-se o princípio do "máximo esforço" previsto na regulação. Contudo, não há uma regra geral que de imediato forneça segurança a propósito do trato de tema, o que, dada a possibilidade de incremento nas migrações do mercado cativo para o livre, deve permanecer na pauta governamental.
Apesar do reconhecimento da sobrecontratação involuntária em decorrência da migração de consumidores para o ACL causar impacto na tarifa, não pode a distribuidora, invariavelmente, ter que arcar com eventual prejuízo que as sobras podem causar, uma vez não ter dado causa às mesmas.
Assim, se de fato a figura do consumidor especial deixar de existir, reduzindo-se a barreira de entrada para o mercado livre, se compreende ser dever da Aneel fixar alguns parâmetros concretos para facilitar o trâmite dos processos que vierem a discutir a sobrecontratação de energia perante a diretoria, até mesmo porque a tendência de migrações será inevitável e os pedidos das distribuidoras terão que ser atendidos com a devida brevidade e segurança, evitando-se que mais essa questão faça parte da tão falada judicialização do setor, que por vezes paralisou inclusive a Liquidação na CCEE.
Não se pode deixar de dizer que o setor passa sim por um período de grande judicialização, no entanto, não há como evitar o caminho do judiciário quando as regras são impostas e os efeitos impactam sobremaneira o mercado.
Muito tem se falado sobre a falta de diálogo e acordo entre os próprios agentes do mercado livre de energia e destes com os entes reguladores. É preciso ponderar, no entanto, que por acordo presume-se que ambas as partes farão concessões, chegando-se a um termo que atenda parcialmente cada um dos envolvidos. As partes, mesmo que parcialmente, precisam ceder.
Ainda, há que se dizer que não há como entender por "conversa", por exemplo, um procedimento em que boa parte do setor apresenta suas contribuições e questionamentos os quais, na maioria das vezes, não são levados em consideração. Há necessidade de haver mais que isso. Reuniões, debates, encontros e análises profundas de determinados assuntos são essenciais para que não sejam publicadas medidas inócuas que posteriormente não serão possíveis de se operacionalizar. É o que se espera com a razoável brevidade, apesar de tantas incertezas políticas.
Fonte: Valor Econômico.
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