A migração do governo federal para o mercado livre de energia pode transferir para esse ambiente de negócios um volume da ordem de 500 megawatts (MW) médios, o equivalente a algo entre 0,7% e 1% do consumo total de energia do país, de acordo com estimativas de comercializadoras. O montante tem potencial para ampliar a participação do mercado livre para 27,7% do total do país, contra a média atual de 26,8%, a partir de dados do consumo do Brasil em 2016.
Na última semana, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, informou que, com a migração, o governo prevê uma redução de 20% das despesas com energia, atualmente de R$ 2,2 bilhões. A ideia é iniciar este ano a migração das unidades localizadas no Distrito Federal e expandir para o restante do país ao longo do próximo ano.
De acordo com o presidente da comercializadora Comerc, Cristopher Vlavianos, o consumo da União é "uma carga enorme". Embora o governo federal não seja intensivo no uso de energia, ele tem o perfil de consumo semelhante ao de shopping centers e hotéis, cujos principais itens de uso de energia são iluminação, ar condicionado e elevadores.
A expectativa, segundo comercializadoras ouvidas pelo Valor, é que o governo federal faça compras de energia por meio de pregões eletrônicos, atendendo a lei. 8.666/1993 a Lei das Licitações. Não se sabe, porém, a quantidade e periodicidade dessas operações.
"Ainda não está muito claro como será a migração. Nada impede que o governo prepare um mega leilão e faça uma única compra, e depois diga para onde será destinada a energia, dividindo entre os pontos de conexão", afirmou o presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros.
Procurado, o Ministério do Planejamento não se manifestou até o fechamento desta edição.
Outro ponto importante, devido ao histórico de atraso nos pagamentos por parte do poder público em geral, é que o governo federal terá de ser pontual com suas despesas no mercado livre. Isso porque os consumidores inadimplentes estão sujeitos ao desligamento do mercado livre pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
"O grande fator que tem de ser tratado para que esta iniciativa tenha sucesso será oferecer garantias eficazes de que os compromissos serão pagos pontualmente", afirmou Paulo Mayon, diretor da Compass.
De forma geral, porém, as comercializadoras entendem que a migração da União evidencia a credibilidade do mercado livre, além de ser um incentivo para uma abertura maior desse ambiente de contratação, para contemplar consumidores de menor porte, hoje limitados ao mercado cativo, das distribuidoras.
"O governo aposta que o mercado livre é uma realidade e abre uma porta para que seja olhada de maneira positiva uma eventual expansão do mercado", disse Paulo Toledo, diretor da Ecom Energia.
Para Walfrido Avila, diretor da Tradener, primeira comercializadora do país, o governo poderia ter planejado a migração para o mercado livre há mais tempo, para reduzir custos. "De qualquer forma, a decisão mostra que o próprio governo vê a maturidade do mercado livre", afirmou.
Lucas Rodrigues, analista de mercado da Safira, concorda com a visão de Avila. "A atratividade da migração para o mercado livre este ano não é tão vantajosa como era há dois anos, mas ainda há economia", explicou.
A migração da União também pode ajudar a destravar financiamentos a empreendimentos de geração destinados exclusivamente ao mercado livre, destacou Reinaldo Ribas, gerente de gestão de clientes do grupo Delta Energia. "Essa é uma grande barreira hoje".
Se as comercializadoras estão comemorando a medida, as distribuidoras estão tensas. A CEB, distribuidora que atende a capital federal, informou ao Valor que "está avaliando o impacto que, no tempo, essa eventual migração gerará no faturamento da companhia". A companhia, porém, destacou que não perderá toda a receita decorrente dessa migração, porque, a União continuará pagando pelo uso da infraestrutura do serviço de energia, o "aluguel do fio", como se diz no jargão do setor elétrico.
Já o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, classificou como "preocupante" a migração do governo federal. Segundo ele, a saída da União do mercado cativo terá um efeito de aumento na conta dos consumidores das distribuidoras. O executivo lembrou que são esses consumidores que pagarão os empréstimos firmados pela CCEE e destinados às distribuidoras em 2014, no valor de R$ 11,2 bilhões.
"A migração nos preocupa porque ele [governo] deixaria de pagar o empréstimo feito em 2014. Mas essa discussão ainda é muito embrionária", afirmou Leite
Fonte: Valor Econômico
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