Ainda que esteja num ritmo considerado abaixo do ideal pelo segmento, as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) começam a reverter o cenário de baixa perspectiva de negócios que vinha se mantendo ao longo dos últimos anos, com poucas usinas em construção. Recentes medidas tomadas pelo governo, que têm como ponto alto a realização do primeiro leilão de reserva do ano, exclusivo para PCHs e CGHs (centrais geradoras hidrelétricas, com capacidade máxima de 3 MW), em setembro, indicam que o segmento saiu do ponto morto e engatou uma primeira marcha. Falta ainda acelerar em direção a um cenário de maior volume de negócios.
Para o leilão estavam inscritos quase 900 MW de 73 PCHs e 60 CGHs e o preço-teto fixado era de R$ 248/MWh. O resultado foi a contratação de 30 usinas localizadas em 13 estados, que totalizaram 95 MW médios de garantia física e 180 MW, aproximadamente, de potência instalada, com perspectivas de investimentos da ordem de R$ 1 bilhão.
Antes mesmo desse resultado, algumas empresas, como a GE e a Andritz, já previam um cenário de poucos negócios, mas a simples realização da licitação já foi motivo de festa.
Como foi o caso de Roberto Miranda, representante comercial da GE Hydro para o Brasil, que celebrou a iniciativa do governo de realizar um leilão exclusivo, recordando que desde 2008 não se faz nada parecido.
Nessa linha, a GE formou uma força-tarefa para atualizar os produtos que seguem um conceito de padronização mundial, o que traz vantagens de custo e de prazo de implantação. Manutenção e operação também podem ser incluídas no pacote a depender dos planos dos investidores.
Já na estratégia da Andritz há a disposição para trabalhar projetos em esquema turnkey, incluindo construção no pacote. A ideia, inclusive, revela o presidente da Andritz, Sergio Parada, é começar a trabalhar no Brasil com CGHs, mas em geração distribuída, a exemplo do que a empresa faz largamente na Europa.
O problema, explica o executivo, é que essa modalidade não conta ainda com os mesmos benefícios tributários que as fontes eólica e solar dispõem.
Do mesmo modo, a Cotesa, empresa com três PCHs em operação, está de olho em contratos de prestação de serviços de operação & manutenção para este segmento.
A companhia até se preparou para o leilão, mas pendências burocráticas impediram a habilitação da usina Nova Trento, de 4,68 MW, conta o vice-presidente da Cotesa, Diomar Wechi.
A Cotesa presta serviços de operação e manutenção para PCHs e linhas de transmissão e enxerga no leilão de reserva uma oportunidade para ampliar a oferta de serviços, especialmente após inaugurar seu centro de operações de sistemas, desenhado para atender usinas que não podem contar com este tipo de estrutura.
“Esperávamos mais usinas habilitadas, pelo menos umas 100”, afirma Wechi.
Adriana Coli, sócia do escritório Coli & Lafuente Advocacia, especializado em infraestrutura e meio ambiente, destaca que o momento para as PCHs é de muitas oportunidades, até pela mudança da percepção de que a fonte de energia ganhou relevância que antes não se verificava. Por causa da discussão sobre a construção de hidrelétricas com reservatórios, as PCHs eram incluídas na discussão e acabavam sendo penalizadas no debate. “A entrada da geração eólica, mais forte, trouxe um impulso para as PCHs”, disse Adriana.
Leonardo Sant’anna, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), considera a realização do leilão um sinal positivo, apesar do baixo volume contratado. Para o executivo, as atenções se voltam agora para o leilão de energia nova A-5 do ano que vem, quando a entrada de mais usinas pode ser maior, dependendo do preço-teto que venha a ser fixado.
Sant’anna ressaltou que há atualmente um estoque de 2,5 GW pronto para ser leiloado, com possibilidade de se ofertar até 1 GW por ano em leilões, formado a partir das novas regras para a concessão de outorgas.
“A gente entende o esforço do governo para trazer as PCHs de volta”, destacou. Para ele, a situação atual, de sobrecontratação de energia, pode ter interferido no resultado da licitação, mas o foco maior acaba sendo o longo prazo, especialmente a partir da premissa de que as PCHs que eventualmente contratarem energia no próximo A-5 vão entrar em operação em 2022, horizonte para o qual já há previsões de um cenário econômico mais otimista.
Outra entidade que atua no mercado de PCHs, a Abrapch, divulgou logo após o leilão de reserva uma carta segundo a qual o setor foi um dos mais prejudicados por “políticas equivocadas” nos últimos anos e se disse frustrada com o resultado, mas seguiu a mesma linha da Abragel, ao afirmar que enxergou o esforço da União em viabilizar a fonte. “O governo poderia ter contratado um volume pelo menos 35% maior sem qualquer impacto negativo para o setor ou nos níveis de sobre contratação”, disse a entidade.
Regras mais flexíveis
O número de usinas contratadas até não é tão ruim para o mercado, mesmo com uma potência instalada abaixo da pretendida pelo mercado, pois em termos de equipamentos, principalmente turbinas, o volume de negócios já ajuda a manter uma certa atividade, num mercado que já vinha demonstrando recuperação nos últimos anos.
A mudança no cenário começou a se concretizar já em 2013, diante da maior contratação de PCHs em relação aos anos anteriores. Naquele ano, com dois leilões A-3, foram contratadas 24 usinas, que totalizam 481,3 MW de potência instalada.
A contratação não manteve a regularidade nos anos seguintes, mas quando se olha num horizonte mais extenso, percebe-se que o mercado já é outro.
Entre 2013 e o leilão A-5 de 2016 (ou seja, sem contar com as usinas do leilão de reserva deste ano), 63 PCHs contrataram energia em seis leilões, num total de 1.050,7 MW de capacidade instalada (veja gráfico).
Antes de 2013, o ano de 2010 teve uma contratação expressiva, sendo que as usinas contratadas naquele ano já estão em operação comercial, mas nos anos anteriores, o cenário era de baixa compra ou domínio de usinas a óleo combustível.
Além do crescimento da oferta de usinas, estabeleceu-se novo marco para o setor no ano passado, quando a Aneel, aprovou modificações para análise de estudos de PCHs, deixando de aprovar o projeto básico e passando a atestar a adequabilidade de um sumário executivo dos estudos desenvolvidos pelo empreendedor, por meio da Resolução Normativa 673/2015. A medida, na prática, torna o sumário como o principal documento para a análise na agência, e agiliza o processo de outorga.
Outra medida da Aneel foi a permissão para a recomposição dos prazos de vigência das outorgas de PCHs que tiveram atrasos na implementação apenas em razão de ato do poder público, de modo a preservar o prazo original de 30 anos.
Um balanço divulgado em junho pela reguladora indicava que 176 PCHs haviam sido analisadas até àquela data desde a entrada em vigor das novas regras, num total de 2.064 MW. Do montante, 17 já haviam recebido a outorga e outras 159 usinas ainda aguardavam a autorização da Aneel.
Sant’anna, da Abragel, destaca as vantagens da geração por PCHs ante eólicas e solares, usinas renováveis que aceleraram mais fortemente nos últimos anos. Um dos pontos fortes da fonte hídrica, segundo o executivo, é o fato de que uma PCH possui vida útil acima de 100 anos, contra cerca de 25 anos de eólicas e solares.
A ofensiva se justifica pelo fato de que solares contratadas já somam cerca de 2,6 GW, enquanto eólicas já ultrapassaram a marca de 10 GW instalados e mais 8 GW, aproximadamente, contratados em leilões.
Em 2015, a capacidade instalada de PCHs era de 5.671 MW, e a perspectiva é de que chegue a 2020 com 6.619 MW de potência, uma evolução anual média da ordem de 3,1%, segundo dados da própria Abragel.
Considerando que a Aneel fez a parte dela, mudando regras para simplificar o registro e a análise, e que o MME começou a retomar a contratação, a expectativa do mercado é de aumento do ritmo, com mais usinas novas entrando na matriz e fazendo com que a indústria saia da inércia que era praxe.
Fonte: Brasil Energia
No comment