Aneel vai para o confronto com ONS e manda CCEE republicar PLD

Um despacho publicado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de número 3280 e assinado pelo superintendente de Regulação dos Serviços de Geração, Christiano Vieira da Silva, mostra que a agência reguladora perdeu a paciência com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e resolveu enfrentar as inconsistências apresentadas pelos modelos computacionais que dão origem ao Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), uma das principais referências do mercado livre de energia elétrica.

 

No despacho, o superintendente da Aneel determinou ao Operador que encaminhe à CCEE o conjunto de dados necessários para o processamento dos modelos de programação eletroenergética de médio e curto prazo de todos os submercados, para todas as semanas operativas de novembro de 2016 e das três primeiras semanas operativas de dezembro de 2016. Além disso, a Aneel determinou à CCEE que recalcule e republique o valor do PLD.

 

Essa última decisão fez o mercado livre mergulhar numa crise existencial, tão logo tomou conhecimento do teor do Despacho 3280, nesta quarta-feira, 14 de dezembro. Os comercializadores imediatamente começaram a rodar os programas computacionais sob a responsabilidade do ONS e descobriram que a republicação poderá impactar profundamente os valores do PLD, uma coisa muito difícil de se explicar aos consumidores que optaram pelo mercado livre. Sem contar que as operações de compra e venda de energia, por parte desses agentes têm o PLD como referência.

 

Hoje, o valor do PLD é de R$ 161,24 por MWhora. Cálculos que estavam sendo fechados na noite desta terça-feira por uma comercializadora mostram que a republicação poderá representar um novo preço com uma diferença entre R$ 80,00 e R$ 100,00 por MWhora.  Um especialista da Aneel comentou com este site que não saberia dizer com precisão qual será o impacto da republicação, mas que não tem qualquer dúvida que os modelos rodados pelo ONS “estão totalmente descalibrados. Precisamos ajustar os critérios de trabalho do Operador da forma mais rápida possível, para não desmoralizar o mercado livre”, disse a fonte.

 

De fato, há vários dias, este site vem disponibilizando informações dando conta da queda de braço entre o ONS e a Aneel, em conseqüência de uma forte desconfiança que surgiu dentro da agência reguladora devido a uma estranha conclusão de uma nota conjunta elaborada pelo próprio Operador, EPE e CCEE, a qual indicava que a diferença entre a carga atual e a carga ajustada decorreria de “inconsistências encontradas nas informações prestadas pelos agentes ao ONS, à utilização de valores programados, a duplicidade devido a representação de conjunto de usinas e de usinas individualizadas, inconsistências pontuais e à maior precisão nos valores da medição da CCEE”.

 

Os técnicos da Aneel há muito tempo vinham desconfiando dos números elaborados pelo Operador e estranharam o fato de a NT conjunta atribuir os erros às inconsistências geradas pelas informações prestadas pelos próprios agentes. “É muito cômodo para o ONS sair por aí atirando nos agentes. Talvez seria mais correto se primeiramente refletisse sobre os critérios que vem utilizando para definir os números que produzem valores errados de PLD”, ponderou um qualificado especialista da agência.

 

A republicação era tudo o que o mercado não queria. Por uma questão de princípio, o mercado entende que devam ser religiosamente seguidos os dados que dão origem aos contratos de energia elétrica. Por isso, historicamente, a associação dos comercializadores, a Abraceel, nunca simpatizou com a idéia da republicação, embora da parte das autoridades a questão seja vista sob outro prisma: se o mercado está trabalhando com base em números errados, é preciso, antes de tudo, corrigir esses dados, pois os erros precisam ser refeitos.

 

“Não é fácil trabalhar desse jeito. A CCEE fixa o PLD com base nos cálculos feitos pelo Operador. Mas se este trabalha com dados equivocados, aí é uma confusão que não tem mais tamanho. Agora, por exemplo, não estamos falando de alguns poucos reais, como já aconteceu inúmeras vezes. Agora, a republicação talvez seja equivalente à metade ou mais da metade do valor do PLD. Como explicar isso para clientes?”, indagou o dirigente de uma comercializadora, que, por razões óbvias, não quis ter o seu nome citado nesta matéria.

 

A situação torna-se mais dramática ainda porque houve uma forte migração de consumidores cativos para o mercado livre, ao longo de 2016, e talvez nem todos estejam ainda familiarizados com os riscos que fazem parte do cotidiano do ML. Um desses riscos consiste exatamente não apenas na natural volatilidade do PLD, mas, principalmente em sustos como estes que a republicação está prestes a aplicar aos agentes.

 

“O mercado livre convive naturalmente com a volatilidade dos preços, pois faz parte da essência dos mercados. Mas é difícil conviver com essa espécie de trem fantasma, que aplica um susto em cada curva. O ONS precisa aferir melhor os números com os quais trabalha”.

 

No passado, os números do ONS geraram um tremendo mal-estar com a associação dos comercializadores, pois um diretor da Abraceel disse que havia tanto erro nas contas do Operador que até parecia que elas eram feitas por algum estagiário. Foi necessário muito tempo para que as relações entre o ONS e a Abraceel se normalizassem, depois dessa declaração, embora ela tivesse um fundo de verdade.

 

O tempo se encarregou de recompor o clima de paz e amor entre a associação e o Operador. Entretanto, entre os comercializadores sempre existe alguém com um pé atrás quando se fala em ONS. A republicação determinada pelo Despacho 3280 reacendeu as dúvidas quanto à efetiva necessidade de se utilizar programas computacionais na formação de preços para a energia elétrica, quando muitos países simplificaram as coisas e partiram para o procedimento mais simples baseado na oferta e na procura.

 

No mercado livre, as pessoas não são contra o ONS, que é um Operador respeitado internacionalmente. Contudo, os comercializadores entendem que o papel do ONS deveria parar por aí, deixando o preço por conta do próprio mercado. Como o ONS se recusa a perder espaço na tecnoburocracia, fica a confusão no ar, embora praticamente todo mundo no setor elétrico já esteja convencido que os programas computacionais já não representam a melhor solução. Paradoxalmente, embora o Newave e o Decomp sejam programas tecnicamente sofisticados, eles são considerados como uma solução atrasada para o mercado brasileiro de energia elétrica.

 

Cheio de dedos, com certo receio em enfrentar de frente o poder do Operador, o Ministério de Minas e Energia fez aprovar, no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), nesta quarta-feira, 14 de dezembro, uma proposta de governança dos modelos computacionais do setor elétrico, definindo as competências e as diretrizes para alteração dos dados de entrada, dos parâmetros e das metodologias da cadeia desses modelos.

 

Ficou definido o novo valor do patamar da função de custo do déficit de energia, em R$ 4.650,00 por MWhora. Além disso, o CNPE fixou, na resolução, as competências da Aneel na gestão dos dados de entrada, parâmetros e algoritmos. “As mudanças visam melhorar a governança da formação de preços, proporcionando mais transparência e previsibilidade aos agentes. Esse é um movimento importante para a melhoria do ambiente para investimentos”, assinalou uma nota distribuída pelo MME após a reunião do CNPE.

 

Falando rapidamente sobre a decisão, o secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa, afirmou que a resolução pretende aproximar a realidade técnica para a realidade em que operam os agentes, tornando os procedimentos mais claros.

 

No mercado, entretanto, não há muita esperança, pelo menos no momento, em relação ao que o MME possa fazer quanto aos eventuais equívocos do ONS. O “xis” da questão, como explicou o diretor de uma comercializadora, consiste exatamente na forma como os dados dão entrada nos programas computacionais Newave e Decomp. “Tudo é muito simples, embora custe muito caro. Mas se o dado entra errado, é lógico que o produto final do programa estará contaminado pelo erro. Não é preciso ser um grande matemático para entender o processo. Alguém duvida disso?”, argumentou a fonte.

 

Além disso, foi lembrado que a figura-chave do planejamento governamental do setor elétrico brasileiro, hoje, é o matemático Luiz Barroso, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Barroso é considerado um dos melhores especialistas de todo o setor elétrico brasileiro e a sua indicação para a presidência da EPE foi extremamente bem recebida pelos agentes. No MME, hoje, ele é o braço direito de Pedrosa, que também não esconde a sua enorme admiração pela capacidade intelectual de Barroso.

 

Porém, da mesma forma que coleciona admiradores, Barroso também é um fã ardoroso dos modelos computacionais e, no seu emprego anterior, como diretor da empresa PSR, a sua missão principal consistia exatamente em fazer com que as pessoas não perdessem a fé na validade do Newave e do Decomp. Como ninguém acredita que ele mudou de idéia, de uma hora para outra, também não se acredita que o MME poderá fazer, no contexto atual, alguma coisa objetiva contra tais programas.

 

Fonte: ParanoáEnergia

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