Os impactos da Lei nº 13.360/2016 no Setor Elétrico brasileiro

Urias Martiniano Neto, advogado, Artigos e Entrevistas 
23/11/2016 – 16:00h

 

A Lei nº 13.360, de 17 de novembro de 2016, trata da (a) Conta de Desenvolvimento Energético – CDE; (b) privatização das concessionárias de distribuição, (c) repasse dos custos decorrentes do Tratado de Itaipu para os consumidores e (d) outras alterações relevantes ao setor de energia.

 

A referida lei é fruto da conversão da Medida Provisória nº 735, de 22 de junho de 2016. Com o afastamento e impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff, o Vice-Presidente Michel Temer vislumbrou a necessidade de aperfeiçoamento e alterações de algumas das regras do setor elétrico brasileiro.

 

A seguir serão destacadas as principais alterações propostas pela Lei nº 13.360, de 17 de novembro de 2016:

 

Conta de Desenvolvimento Energético – CDE

 

A Conta de Desenvolvimento Energético – CDE exerce dois papéis no setor de energia elétrica, o primeiro com um fundo setorial fomentado pelos mais diversos agentes do mercado de energia, além do Governo Federal, destinado a subsidiar determinadas políticas do setor e o outro como um encargo cobrado dos consumidores e incorporado na Tarifa de Energia – TE e Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD.

 

A Lei nº 13.360, de 17 de novembro de 2016 promoveu significativas alterações na Lei 10.438/2002, com destaque para as seguintes mudanças:

 

i. transfere para a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE a gestão da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, anteriormente administrada pela Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás, bem como a gestão da Reserva Global de Reversão – RGR e Conta de Consumo de Combustíveis – CCC.

 

ii. amplia as despesas da CDE para abarcar (b.1) a compensação dos descontos aplicados nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão; (b.2) o impacto tarifário da reduzida densidade de carga do mercado de cooperativas de eletrificação rural, concessionárias ou permissionárias, em relação à principal concessionária de distribuição supridora; e (b.3) os custos administrativos, financeiros e tributário da CCEE devido pela administração da CDE.

 

iii. limita a R$ 3,5 bilhões até o exercício de 2017, os custos dos reembolsos do pagamento das despesas com aquisição de combustível, incorridas até 30.04. 2016 pelas concessionárias de distribuição cujas capitais estejam no Sistema Isolado.

 

iv. estabelece a apresentação de plano estrutural de redução das despesas da CDE, até 31.12.2017.

 

v. altera os prazos e forma rateio das quotas anuais da CDE.

 

vi. isenta o pagamento das quotas anuais da CDE, para a Tarifa Social.

 

vii. possibilita a exploração do serviço público estadual de gás canalizado para os agentes autorizados de geração de energia elétrica.

 

viii. exclui os custos para compensar o efeito da não adesão à prorrogação de concessões de geração de energia elétrica.

 

Em que pese tenha ocorrido a revogação do inciso IV do art. 13 da Lei nº 10.438/2002 , o § 13, artigo 13 do mesmo dispositivo legal prevê que a CDE cobrirá as despesas assumidas da amortização de operações financeiras vinculadas à indenização por ocasião da reversão das concessões e para atender à finalidade de modicidade tarifária.

 

Inicialmente, observa-se que as alterações promovidas com a publicação da referida lei federal, não acarretarão em uma redução expressiva dos custos da CDE assumidos pelos consumidores.

 

Registra-se que, a atual metodologia da CDE é discutida judicialmente por alguns agentes do setor elétrico brasileiro, uma vez que:

 

a) promoveu o deslocamento de custos nos ambientes de contratação (ACL e ACR), o que descumpre os preceitos legais da Lei nº 10.848/2004 e cria subsídios cruzados, sem previsão legal;

 

b) Transferiu os valores de políticas públicas (cuja obrigação é exclusiva do Governo Federal) para os consumidores; e

 

c) Desrespeitou o princípio da reserva legal, pois a alteração do encargo CDE não poderia ocorrer por meio de decreto, mas exclusivamente via lei ordinária, por respeito aos artigos 37 e 175 da Constituição Federal, sob pena de inconstitucionalidade da cobrança.

 

Destaca-se, ainda, que existem diversas decisões judiciais favoráveis, para (i) excluir algumas das parcelas que compõem a CDE da base de cálculo da TUSD, (ii) restituir os valores pagos a partir de fevereiro/2015 e (iii) afastar o impacto do rateio decorrente de decisões judiciais sobre a CDE.

 

Por fim, observa-se que os consumidores deverão aguardar o plano estrutural de redução das despesas da CDE, para obterem eventual redução da CDE, cuja consequência será uma redução em suas faturas de energia elétrica.

 

Consumidor Livre de Energia Elétrica

 

A Lei nº 13.360/2016 trouxe mudanças relevantes ao Ambiente de Contratação Livre – ACL, sem dúvida representa um marco ao setor elétrico brasileiro. Vejamos:

 

(a) venda de excedente das distribuidoras: as concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica poderão, conforme regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, negociar a venda de energia elétrica para os consumidores livres/especiais, quando houver excesso de energia contratada para atendimento à totalidade do mercado.

 

(b) fim da restrição de tensão para os Consumidores Livres no ACL:  A partir de 1º.01. 2019, os consumidores que, em 7 de julho de 1995, consumirem carga igual ou superior a 3 MW e forem atendidos em tensão inferior a 69 kV poderão optar pela compra de energia elétrica convencional a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica do sistema.

 

Sistema Isolado de Energia

 

O Sistema Isolado de Energia Elétrica é o sistema elétrico de serviço público de distribuição que, em sua configuração normal, não está eletricamente conectado ao Sistema Interligado Nacional – SIN, por razões técnicas ou econômicas.

 

A Lei nº 13.360/2016 prevê que as atividades de previsão de carga e planejamento da operação do Sistema Isolado serão executadas, mediante autorização do poder concedente, pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, a partir de 01.05.2017.

 

Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos – CFURH

 

A Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos –  CFURH é o pagamento pela exploração dos recursos hídricos na produção de energia elétrica.

 

Com a publicação da Lei nº 13.360/2016, a CFURH passa de 6,75% para 7% sobre o valor da energia elétrica produzida, a ser paga por titular de concessão ou autorização para exploração de potencial hidráulico.

 

Concessões de Geração de Energia Elétrica

 

A Lei nº 13.360/2016 estabelece algumas alterações na Lei nº 12.783/2013 que trata das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, com destaque para as seguintes mudanças:

(a) vencido o prazo das concessões ou autorizações de geração hidroelétrica de potência igual ou inferior a 5 MW, será somente necessário o registro no âmbito da ANEEL;

 

(b) alterações nos critérios para licitação e renovação de concessões de aproveitamento de potencial hidráulico maior que 5 MW e inferior ou igual a 50 MW.

 

(c) alteração das potências para fim de concessão, autorização e registro, conforme artigo 6º da Lei nº 13.360/2016:

 

Concessão, mediante licitação:

 

i – o aproveitamento de potenciais hidráulicos e a implantação de usinas termoelétricas de potência superior a 50 MW destinados a execução de serviço público;

ii – o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 50 MW destinados a produção independente de energia elétrica;

iii – de UBP, o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 50 MW destinados a uso exclusivo de autoprodutor, resguardado direito adquirido relativo às concessões existentes.

 

Autorização:

 

i – a implantação de usinas termoelétricas de potência superior a 5 MW destinadas a uso exclusivo do autoprodutor e a produção independente de energia;

ii – o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 5 MW e igual ou inferior a 50 MW destinados a uso exclusivo do autoprodutor e a produção independente de energia.

 

Registro

 

O aproveitamento de potenciais hidráulicos e a implantação de usinas termoelétricas de potência igual ou inferior a 5 MW estão dispensados de concessão, permissão ou autorização, devendo apenas ser comunicados ao poder concedente.

 

Atraso de Operação Comercial

 

A Lei nº 13.360/2016 prevê que na ocorrência de atraso no início da operação comercial decorrente de circunstâncias caracterizadas pela ANEEL como excludentes de responsabilidade, o prazo da outorga de geração ou transmissão de energia elétrica será recomposto, por meio da extensão da outorga pelo mesmo período do excludente de responsabilidade.

 

A lei estabelece, ainda, que os excludentes de responsabilidade são todas as ocorrências de caso fortuito e força maior, incluindo, mas não se limitando a, greves, suspensões judiciais, embargos por órgãos da administração pública direta ou indireta, não emissão de licenças ou autorizações pelos órgãos competentes por motivo não imputável ao empreendedor e invasões em áreas da obra, desde que reconhecidos pela ANEEL a ausência de responsabilidade do agente e o nexo de causalidade entre a ocorrência e o atraso na entrada em operação comercial.

 

Mecanismo de Realocação de Energia (MRE)

 

A Lei nº 13.360/2016 dispõe que os empreendimentos hidroelétricos não despachados centralizadamente que optarem por participar do MRE somente poderão ser excluídos do referido mecanismo por solicitação própria ou em caso de perda de outorga.

 

Programa Nacional de Desestatização

 

O Programa Nacional de Desestatização visa a venda de empresas, controladas diretas ou indiretamente, pela União.

 

A Lei nº 13.360/2016 alterou a Lei nº 9.491/1997 que versa sobre os procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização, prevendo a possibilidade de inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento e estabelece que o pagamento para aquisição de bens e direitos no âmbito do Programa Nacional de Desestatização serão realizados por meio de moeda corrente.

 

O principal objetivo da alteração do Lei nº 9.491/1997 é facilitar a venda dos ativos da Eletrobrás.

 

Custos decorrentes do Tratado de Itaipu

 

A Lei nº 13.360/2016 estabelece que o custo relativo ao encargo de cessão de energia da Usina Itaipu do Tratado Brasil-Paraguai será incorporado à tarifa de repasse da usina, sendo vedado o pagamento com recursos do orçamento geral da União.

 

A referida lei prevê, ainda, que no caso de energia produzida acima da energia alocada a Itaipu pelo Mecanismo de Realocação de Energia – MRE, o custo acima será suportado pelos participantes do MRE.

 

Alteraçã0 da Lei nº 9.427/1996

 

A Lei nº 13.360/2016 alterou dispositivos da Lei nº 9.491/1997, com destaque para ampliação de:

 

(i) 500 GWh/ano para 700 GWh/ano para estabelecer as tarifas para o suprimento de energia elétrica realizado às concessionárias e às permissionárias de distribuição, inclusive às cooperativas de eletrificação rural enquadradas como permissionárias, bem como o procedimento para subvenção.

 

(ii) 3 MW para 5 MW – os empreendimentos hidroelétricos com potência igual ou inferior a 5 MW terão percentual de redução não inferior a 50% a ser aplicado às tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição.

 
Registra-se que, no caso de prorrogação de autorização para fonte solar, eólica, biomassa e cogeração qualificada, não haverá desconto nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição.

 

Alteraçã0 da Lei nº 10.848/2004

 

A Lei nº 13.360/2016 também alterou a Lei nº 10.848/2004. Vejamos:

 

i. determina a previsão nas regras de comercialização da CCEE o pagamento de encargo para cobertura dos custos dos serviços do sistema, inclusive os serviços ancilares, prestados aos usuários do SIN, que compreenderão, entre outros custos definido na lei.

 

ii. alteração dos prazos  para o início do fornecimento de energia elétrica fruto dos Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado – CCEAR’s:

1. Leilão de Energia Existente: mesmo ano ou até no quinto ano subsequente ao da licitação, com prazo de suprimento de no mínimo 1 e no máximo 15 anos.

 

2. Leilão de Energia Nova: a partir do terceiro e até o sétimo ano subsequente ao da licitação, com prazo de suprimento de no mínimo 15 e no máximo 35 anos. (a participação no leilão está condicionada a não entrada em operação comercial do empreendimento).

 

Vetos – Lei nº 13.360/2016

 

O Presidente Michel Temer no gozo de suas atribuições, por meio da mensagem nº 613, de 17 de novembro de 2016 , vetou alguns dispositivos da Lei nº 13.360/2016.

 

A Constituição Federal, em seu § 4º do artigo 66 , prevê que caberá ao Congresso Nacional a apreciação desses vetos, em sessão conjunta, que poderá rejeitar os vetos do Presidente pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.

 

O Governo Federal espera a manutenção desses vetos, uma vez que possui maioria no Congresso Nacional.

 

Urias Martiniano Neto (urias@tomanikpompeu.adv.br) é advogado especializado na área de energia elétrica.

 

Fonte: Canal Energia

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