Setor elétrico vive momento inédito de venda de ativo

Depois de anos enfrentando sucessivas crises e uma deterioração das condições econômicas, as empresas do setor elétrico colocaram um imenso volume de ativos à venda. Agora, elas competem pelos poucos compradores capitalizados.

 

Levantamento feito pelo Valor mostra que há cerca de 25 mil megawatts (MW) de geração à venda atualmente, por meio de privatizações, reestruturações societárias e vendas de controle. Esse montante é aproximadamente 18% da capacidade de geração total instalada no país. Além disso, há cerca de 24 mil quilômetros de linhas de transmissão no mercado, considerando o que deve ser oferecido ainda neste ano em um leilão do segmento marcado para outubro.

 

A potência à venda representa pouco menos que duas vezes a capacidade da hidrelétrica de Itaipu, que tem 14 mil MW. O cálculo, porém, levou em conta a potência instalada (ou em construção) total das empresas que colocaram ativos ou participações à venda. Não necessariamente toda essa geração será vendida.

 

O cenário de poucos compradores capitalizados indica quem está com a vantagem. "Há um conjunto de ativos à venda. Quanto maior o conjunto, os preços serão trazidos para baixo", disse Jorge Pereira da Costa, vice-presidente da consultoria Roland Berger e responsável pela área de energia.

 

"Tem muita coisa ao mesmo tempo à venda. Talvez isso leve a uma competição maior para atrair um comprador" disse Tiago Figueiró, advogado especialista em energia do Veirano Advogados. Segundo ele, pode haver uma "diluição" do valor esperado pelos vendedores com as operações.

 

Muitas das empresas que estão colocando ativos no mercado passam por graves situações financeiras e precisam disso para reduzir o endividamento. É o caso da Cemig, por exemplo, que não apenas pretende vender ativos, como a distribuidora de gás Gasmig, mas também uma fatia de suas participações em outras empresas do setor, como Light, Renova e Taesa.

 

Há ainda os projetos que serão colocados à venda pelo governo, por meio dos leilões de transmissão e geração, e dos processos de privatização. Ontem, a primeira reunião do conselho do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) determinou que a venda das seis distribuidoras da Eletrobras e o leilão de relicitação de algumas usinas da Cemig acontecerá no último trimestre de 2017. Para 2016, estão previstos leilões de transmissão, de energia de fontes renováveis e de privatização da Celg Distribuidora (Celg D).

 

Até recentemente, a incerteza política era um obstáculo para as operações. Havia o receio, por exemplo, de que o setor elétrico passasse por novas mudanças no comando das principais agências e empresas. Definido o impeachment e a permanência do presidente Michel Temer até o fim do mandato, a velocidade das transações será maior, disse uma fonte próxima de algumas operações.

 

"Com essa virada política do governo, a tendência é que a credibilidade do Brasil aumente e os investimentos estrangeiros passem a ser mais frequentes", disse Leonardo Cotta Pereira, sócio do setor Societário do Siqueira Castro Advogados.

 

Um desafio para as empresas e para o governo é atrair novos investidores para o setor, além de novas fontes de financiamento.

 

As estatais chinesas State Grid e China Three Gorges (CTG) protagonizaram as maiores operações de fusões e aquisições realizadas recentemente, e a gestora canadense Brookfield é frequentemente citada como uma possível compradora de ativos de transmissão (como os da Abengoa e os da Isolux) e de geração de energia (como ativos da Renova).

 

Além dessas, há algumas europeias investindo, como a italiana Enel e a espanhola Iberdrola.

 

Para que as operações propostas tenham sucesso, porém, será necessário atrair outros compradores. Os agentes do setor também defendem regras que permitam a captação de financiamentos no mercado externo, de bancos estrangeiros. "Estão todos esperando uma reestruturação do mercado de financiamento, porque o BNDES não vai dar conta de tudo", disse Figueiró, do Veirano Advogados.

 

Os investimentos nos segmentos de transmissão de energia, geração e distribuição dificilmente atraem os mesmo compradores. Também não são os mesmos investidores que olham ativos existentes à venda e projetos novos. No entanto, não há muitas linhas de financiamento para projetos no setor elétrico.

 

A preocupação maior do mercado elétrico, porém, continua sendo o modelo de financiamento de longo prazo dos projetos que começarão do zero, depois de serem negociações em leilões. A ideia do governo federal é acabar com os "empréstimos pontes" – financiamentos intermediários que o investidor contraía para desenvolver o projeto antes de receber os recursos do BNDES.

 

Na prática, o objetivo do governo é que os financiamentos de longo prazo sejam contratados no início da construção dos grandes projetos. O governo também indicou que o PPI vai apoiar a emissão de debêntures de infraestrutura, como alternativa de financiamentos.

 

No entanto, o momento econômico do país é visto como desfavorável para esse mecanismo. Segundo Antonio Bastos, diretor-presidente da Omega Energia, geradora de energia renovável, com o nível de juros atual, é difícil atrair muito capital para financiar infraestrutura.

 

Para Fabiano de Brito, sócio do Mattos Filho, o ideal para o financiamento dos leilões seria a implementação de uma mudança que incluísse proteção cambial nos contratos. "Isso certamente facilitaria a atração de novos investimentos, até porque permite que financiamentos internacionais sejam concedidos com maior facilidade", disse.

 

Para que os contratos tivessem componentes dolarizados, seria necessária uma mudança na lei para permitir a indexação ao dólar. Outra alternativa mais simples seria a inclusão de parâmetros nos contratos. Dessa forma, as receitas previstas poderiam ser alteradas em casos de mudanças no patamar de câmbio, inflação e taxa de juros.

 

Fonte: Valor Econômico

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