Crescimento do mercado livre cria desafio para CCEE

A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) tem pela frente um obstáculo criado justamente pelo forte crescimento do mercado livre desde o início do ano: administrar o grande número de consumidores pequenos e evitar se tornar uma câmara "de varejo". O desafio ganha força devido à expectativa de continuação dessa expansão e eventual aprovação da lei que dará a todos os consumidores a opção de escolher de onde comprar a energia.

 

A figura do comercializador varejista, regulamentada recentemente, teria esse papel de facilitar a atuação da câmara, mas as incertezas dos agentes em relação ao risco da inadimplência dos consumidores ainda afastam as empresas desse segmento.

 

"Se um consumidor estiver abaixo da varejista e for inadimplente, ele pode conseguir uma liminar para não ser desligado", disse Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc. Esse é um dos principais riscos vistos pelo mercado na formulação dessa categoria de comercializadora.

 

Segundo Reginaldo Medeiros, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), o problema é que as comercializadoras não conseguem uma proteção contra esse risco de judicialização dos consumidores, e "um eventual default de um consumidor quebrar uma comercializadora".

 

O varejista é importante para permitir que a CCEE possa acolher o grande número de consumidores especiais – aqueles com consumo entre 0,5 megawatt (MW) e 3 MW – em migração. Essa comercializadora atua como uma espécie de imobiliária no mercado livre, evitando que todos os consumidores precisem necessariamente se tornar associados da câmara.

 

"Estamos quebrando a cabeça, precisamos encontrar uma solução para o problema, que é grave e impede a ampliação em grande escala do mercado livre de energia", disse Medeiros.

 

De acordo com Paulo Toledo, sócio-diretor da Ecom Energia, a questão do varejista é uma realidade que precisa ser feita. "A CCEE não foi criada para isso, ela nasceu como um mercado atacadista de energia e está virando uma varejista", disse.

 

Não por acaso, a CCEE se chamava Mercado Atacadista de Energia (MAE), antes de ser transformada em CCEE em 2004, quando foi lançado o novo modelo regulatório do setor.

 

No entanto, passados dois meses desde que as três primeiras varejistas foram habilitadas, a CCEE terá só agora em setembro sua primeira migração de um consumidor dentro dessa categoria.

 

Para efeito de comparação, entre janeiro e agosto a câmara contou com mais de mil migrações para o mercado livre, a maior parte de consumidores especiais. Em menos de um ano, o número de associados da CCEE cresceu 39%, para 4.520, e os consumidores especiais passaram a representar 49,1% do total, ante 37,1% no ano passado.

 

Ao participar de um evento do setor elétrico na semana passada, o presidente do conselho da CCEE, Rui Altieri, disse considerar "salutar" que o mercado cresça, mas o processo não está sendo da forma como foi planejado anos atrás.

 

"Não adianta discutir modelo [do sistema] e não discutir a entrada de novos agentes. Tivemos um 'boom' muito grande e o mercado precisa se adaptar a isso, a consumidores pequenos", disse Reinaldo Ribas, gerente de gestão de clientes do grupo Delta Energia.

 

Já são 2.219 consumidores especiais e 740 consumidores livres. Na fila, a CCEE tem processos de adesões de 1.424 consumidores especiais e 118 consumidores livres, a grande maioria com entrada prevista nos próximos seis meses.

 

Se todos os pequenos consumidores do mercado livre estivessem debaixo de varejistas, a CCEE teria um número significativamente menor de agentes, o que ajudaria a reduzir gastos administrativos e prazos dentro da câmara, por exemplo.

 

Foram habilitadas como varejistas as comercializadoras Comerc, CPFL e Elektro. O primeiro consumidor a migrar nessa categoria é cliente da Comerc. A Safira Energia era a próxima da fila, mas o processo está paralisado, afirmou Marcelo Davanzo, diretor Comercial e Financeiro da empresa.

 

"O comercializador varejista vai gerar custos adicionais, terá uma exigência de garantia que hoje não há para o normal, precisa de uma auditoria no balanço energético, além dos riscos de inadimplência", disse Davanzo. Por isso, por enquanto, a Safira decidiu não levar adiante o processo de habilitação na CCEE.

 

"Estamos acompanhando para ver se haverá um aprimoramento da regulação", disse Davanzo.

 

De acordo com Altieri, ainda há 800 MW médios de lastro de energia incentivada – uma das condições para os consumidores especiais – disponíveis para 2016. O montante passará para 900 MW médios em 2017.

 

Ao mesmo tempo em que a migração de consumidores especiais continua forte, o mercado livre de energia precisa se preparar para uma eventual abertura desse mercado para todos os consumidores. Atualmente, há dois projetos de portabilidade dos consumidores em discussão no Congresso, com previsão de abertura em 2020. Também são discutidas reduções nos limites de carga dos consumidores livres, o que iria aumentar o número de potenciais migrações.

 

Fonte: Valor Econômico

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