Passado o sufoco da falta de água nos reservatórios, o risco de déficit de energia hoje é mínimo. Permanece, entretanto, o tormento de uma conta de luz que ficou muito cara, sem perspectiva de melhora no curto prazo. A energia elétrica está custando em média 60% mais do que custava ao fim de 2012. De lá para cá, a inflação foi a metade disso.
A combinação perversa dos altos preços e tarifas de energia elétrica com a crise econômica tem provocado a redução do uso do insumo. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em 2015, o consumo no Brasil caiu 2,2% em relação a 2014. No primeiro semestre de 2016, a queda foi de 1,7% quando comparado ao mesmo período de 2015.
Com isso, o país atualmente dispõe de uma sobra estrutural de energia de 13 GW, de acordo com o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). Há, ainda, cerca de 4 GW de capacidade que devem iniciar sua operação até o final deste ano. As distribuidoras, principais compradoras de energia do setor, encontram-se com grandes sobras contratuais, pois compraram energia tendo como base um mercado projetado que não está se realizando.
Do lado do consumo, as empresas brasileiras vêm redobrando esforços para se manter competitivas. Em muitos casos, a competitividade deu lugar à sobrevivência. Desde o segundo semestre de 2015, tem havido um forte movimento de migração de consumidores cativos para o mercado livre, onde há opção de escolha de fornecedor de energia, preços mais competitivos e abertura para negociação de outras condições comerciais. O processo de migração dura, em geral, seis meses.
Porém, o mercado livre deixou de ser atrativo nas últimas semanas devido a um súbito aumento nos preços para os contratos de fornecimento com início em 2017, em especial para a energia incentivada. A razão disso foram abruptos aumentos no custo marginal de operação (CMO) e no preço de liquidação das diferenças (PLD), devido a mudanças em importantes elementos de entrada dos modelos de planejamento e operação utilizados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
De início, houve uma alteração na vazão mínima de Sobradinho, cujo efeito sobre o PLD médio de julho foi uma alta superior a 50%. Alguns agentes e a CCEE questionaram tal alteração. É esperado que a Aneel se pronuncie sobre o assunto em breve.
Além disso, foi divulgada recentemente a revisão da projeção da carga do sistema, com significativa elevação dos valores em 2016. Essa elevação ocorrida na carga é resultado de um novo critério adotado pelo ONS para representá-la de forma mais realista. Entretanto, um dos efeitos dessa revisão será provocar o aumento do PLD em agosto e setembro, que devem ficar, respectivamente, em cerca de 120 R$/MWh e 220 R$/MWh.
Esse contexto acabou gerando situações contraditórias. O PLD mais alto é uma sinalização de que a energia está mais cara por conta da escassez, mas há significativa sobra estrutural de energia. Com o patamar mais alto do PLD e do CMO, é praticamente certo que teremos bandeira amarela em setembro, o que vai provocar aumento das contas de luz e deve acentuar a redução do consumo. Isso tende a agravar mais ainda o problema de sobra de energia contratada das distribuidoras.
Essa confluência de contradições leva à incerteza para as empresas, gerando custos financeiros, encarecendo a operação, comprometendo a eficiência e diminuindo as margens.
Alterações e aprimoramentos nos modelos são necessários e desejáveis. Afinal, o sistema elétrico não é estático e quanto mais próximo sua representação física estiver da realidade, melhor devem ser os resultados obtidos. Porém, mudanças repentinas trazem consequências danosas aos consumidores e aos agentes. É importante que sejam estabelecidos prazos de implementação para que a transição ocorra sem sobressaltos.
Os consumidores precisam de previsibilidade, que é uma das razões que pesam na decisão de migrar para o mercado livre. A importância da previsibilidade pode ser resumida pelo provérbio “é melhor prevenir do que remediar”.
O comprometimento das migrações provocará sérias consequências àqueles que estão com seus processos em andamento, sem terem ainda formalizado seus contratos de compra de energia no mercado livre. Essa situação de incerteza leva a uma condição mais alinhada com a expressão “agora Inês é morta”.
*Fernando Umbria é presidente-executivo da Associação Brasileira de Consumidores de Energia (ABCOE).
Fonte: Brasil Energia
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